Rui Martins foi duplo de estrelas como Gérard Depardieu, Matt Damon e John Malkovich em cenas de risco.
Trata o perigo como um aliado e estrelas do cinema como Matt Damon, John Malkovich ou Gérard Depardieu por ‘tu’, atores a quem já vestiu a pele em cenas arriscadas como duplo. Rui Martins, o mais internacional duplo português, completou 25 anos de uma carreira sui generis, construída à custa de uma paixão por dois universos muito distintos, a pilotagem e a representação, que gorou conseguir conciliar no grande ecrã.
O seu currículo contabiliza 15 participações em filmes de renome internacional, como ‘Armageddon’, ‘Identidade Desconhecida’, ‘Correio de Risco’, ‘Os Gangs do Bairro 13’, ‘Leon: O Profissional’, ‘Astérix e Obélix contra César’, a saga ‘Taxi’ ou ‘Michel Vaillant’, além de participações especiais em séries televisivas com produção francesa como ‘Conde de Monte Cristo’ e ‘Os Miseráveis’, ambas transmitidas em Portugal. Por cá, contribuiu também para várias telenovelas da TVI.
Nascido em Laborim, Vila Nova de Gaia, há 46 anos, Rui Martins foi ainda menino para Paris, onde os pais trabalhavam no ramo da hotelaria. Por lá cresceu e começou a fazer figuração, aos 9 anos. No plateau o deslumbramento foi imediato e o sonho não se fez tardar: quando crescesse, queria ser ator, como os grandes que enchiam as telas de então – Alain Delon ou Fanny Ardant. Com ambos viria, aliás, a ter a oportunidade de contracenar mais tarde.
Mas, paralelamente, o pai levava-o por outros caminhos, os karts, modalidade que começou a praticar aos 7 anos. Às tantas, o coração do rapaz ficou dividido: a representação ou a velocidade, sem conseguir decidir-se por nenhum.
SEM MAZELAS
"Os meus pais é que não achavam assim tanta piada que quisesse ter alguma dessas profissões. Nunca tive ninguém da minha família ligado ao desporto automóvel nem à representação, embora tenha sido o meu pai a iniciar-me nos karts. Mas, para eles, nada disso era vida! Preferiam que tivesse um verdadeiro emprego, daqueles que se entra às nove e sai às cinco. A minha mãe, então, ficava sempre com o coração nas mãos quando ia competir", conta o piloto e ator de 46 anos. Felizmente, Rui nunca deu razão às palpitações maternas: em 25 anos de atividade nunca se magoou com gravidade. Apenas "algumas nódoas negras e escoriações" sem importância.
"Ser duplo envolve o trabalho de uma equipa inteira, que prepara tudo ao mais ínfimo pormenor, mas claro que o acidente pode sempre acontecer, apesar de ser raro. No filme ‘Taxi 2’, por exemplo, um colega falhou o salto com o carro e aterrou em cima do cameraman, que veio a falecer", recorda.
Quando alguém se magoa o regresso ao plateau é sempre difícil. "Mas temos de passar à frente. A produção não pode parar. Falamos e arranjamos motivação entre nós", conta o piloto português.
Por causa disso, o ofício tem os seus segredos bem guardados, que propositadamente escapam aos olhos inexperientes do espetador: "por exemplo, numa cena em autoestrada, todos os carros visíveis são guiados por duplos, mesmo que siga a baixa velocidade. Tem de ser assim. O que um condutor faz afeta diretamente o trabalho do outro. Se um falhar, falhamos todos e pode acontecer um acidente. Tudo é estudado ao pormenor: a velocidade, a forma como se vai mudar de faixa, o ponto onde se vai bater, a chegada. Pode ser uma cena de poucos segundos, mas demora muitos dias a ser preparada por quem sabe do ‘metier’".
Destemido desde tenra idade, aos 16 anos, Rui já passava todos os fins de semana nas pistas de GT, nos bastidores da Fórmula 1 ou da mítica prova 24 horas de Le Mans. Todo o seu círculo de amizades girava em torno do desporto automóvel.
Aos 18 anos, porém, entrou para a famosa escola de atores parisiense Cours Florent, onde tirou o curso de representação equivalente ao conservatório, até que vislumbrou a solução para o seu dilema na escola de duplos de Remy Julienne, que foi para Rui mais do que "um mestre, quase um pai". Aprendeu a desafiar todas as leis da prudência em segurança e, como duplo de automóveis, a fazer o que só a imaginação consegue conceber. Especializou-se em perseguições e, graças a essa destreza, conquistou papéis em algumas das maiores produções cinematográficas filmadas totalmente ou em parte na Europa.
AMIGO DAS ESTRELAS
Não trabalhou das nove às cinco mas também encheu os pais de orgulho e teve a oportunidade de conhecer algumas das estrelas mais mediáticas do planeta, como Bruce Willis, Arnold Schwarzenegger, Sylvester Stallone, Jean-Claude Van Damme, Alain Delon, Jean Paul Belmondo, Jason Statham ou Matt Damon.
Este último tornou-se um amigo pessoal ao longo dos dois meses de rodagem na capital francesa.
"O Damon é um grande ator e uma pessoa fora de série. Era um compincha das noitadas da equipa de filmagens em Paris, muito divertido, muito modesto. Mas no fim foi-se embora e não pagou a conta do bar/restaurante onde quase todas as noites bebíamos uns copos! Era afoito. Gostava das cenas de velocidade e só me deixava ser o duplo dele quando era mesmo necessário e perigoso". Nessa mesma película, nas salas em 2002, Rui Martins tomou as rédeas de uma das cenas de ação mais marcantes, aquela em que um Mini de cor vermelha desce pelas escadas do metro de Paris.
Outro companheiro de lides de quem se tornou inseparável foi de Gérard Depardieu. "Contracenei com ele em Astérix e Obélix, ‘O Conde de Monte Cristo’ e ‘Os Miseráveis’. Acabámos por nos tornar muito amigos, até porque vivíamos perto. Foram muitas as vezes que estive com ele fora do ‘set’, para jantar, para beber um copo. É uma pessoa sui generis, fantástica, muito inteligente embora visto de fora possa parecer um bocadinho ‘bruto’ na sua forma de ser. Mas ele é mesmo assim: se lhe apetecer sair de cena para ir fazer xixi sai e não diz nada a ninguém. Está sempre a alterar o guião, obrigando os outros atores a estarem muito atentos para o acompanhar, ou então ficam ali perdidos no meio da cena. Nunca repete a cena igual, está sempre a improvisar. Mas isso também diz muito do seu calibre enquanto ator." Já de John Malkovich diz: "muito cordial e adora Portugal".
De quem Rui Martins também não se esquece é de Jason Statham, o protagonista de ‘Correio de Risco’, "Que queria fazer todas as cenas comigo. Quando era para andar a 60 a hora, estacionar ou ir abastecer o carro, ai sim, olhava para mim e dizia anda faz tu essa cena… sempre bem-disposto". Ou de Natalie Portman, ainda menina quando participou em ‘Leon : O profissional’, que nos camarins continuava a estudar e a fazer os seus testes da escola, além de ser protegida por toda a equipa por causa das cenas de violência.
"Para mim todos os filmes foram importantes, fazem parte de minha vida e cada um tem sua história. Agora, mais significativos para a minha carreira, porque me deram imagem, foram ‘Taxi’, ‘Taxi 2’, ‘Correio de Risco’ e, claro, ‘Michel Vaillant’." Este último, uma adaptação para o cinema de um clássico da banda desenhada ofereceu a possibilidade a Rui Martins de correr nas 24 horas de Le Mans ao lado dos amigos e pilotos de renome mundial, pois grande parte das cenas foram rodadas dentro da própria competição. Um luxo para as dezenas de duplos que participaram na produção de culto.
"Um ano antes das filmagens, o realizador Luc Besson ligou--me para me perguntar se queria participar num novo projeto dele sobre corridas de automóveis e não disse mais nada… Eu, mesmo sem saber do que se tratava, disse logo que podia contar comigo, pois já tinha trabalhado com ele em diversos filmes e é um dos bons amigos que fiz neste meio", recorda.
Um mês, numa nova reunião na Europa Corp (a empresa de duplos de Remy Julienne), onde estava inclusivamente presente o criador da banda desenhada ‘Michel Vaillant’, o próprio Jean Graton, Rui viria a ter uma agradável surpresa. "Só então ficámos a saber que a película seria uma aventura do Michel Vaillant, uma das personagens da banda desenhada francesa mais conhecida de sempre, nas 24 horas do Le Mans e que implicaria seis meses de filmagens. Foi a melhor experiência da minha carreira", recorda.
Com outros não contracenou – muitas vezes os duplos filmam separadamente dos atores principais – mas acabou por conhecê-los no fim da rodagem. É o caso de Bruce Willis, que por acaso é um dos maiores ídolos do duplo português.
"Só o conheci na estreia de ‘Armageddon’, no Festival do Filme Americano em Deauville e, posteriormente, voltei a cruzar-me com ele em Cannes. Mas é um tipo porreiro e foi simpático. Mas não cheguei a contracenar com ele. A minha participação em ‘Armageddon’ foi na parte em que eles ‘filmam’ a queda do meteorito em França (o filme reproduz esse momento catastrófico em várias zonas do Mundo) e focam-se num motard, de capacete na mão, a olhar para o céu". Mesmo assim, foram três dias de rodagem e uma honra para o currículo.
O PREÇO DOS DUPLOS
O risco tem o seu preço e os cachets dos duplos, apesar de nem por sombras competirem com os das grandes estrelas internacionais, espelham bem a responsabilidade da sua tarefa. Rui Martins considera-se bem pago. "É bom. O cachet mais baixo que alguma vez recebi foi de 350 euros por dia. Mas os cachets variam muito em função do trabalho a fazer, da grandiosidade da produção. No filme ‘Taxi’, por exemplo, recebi 700 euros/dia e o mais caro foi no ‘Michel Vaillant’ onde o cachet era a volta de 1000 euros/dia, durante dois meses consecutivos. Mas estamos, claro, a falar de produções internacionais para cinema. Na televisão, os cachets não ultrapassam os 300 a 400 euros/dia", admite.
Só que depois do cheque passado há que saber geri-lo. "Esse é o grande problema de uma profissão intermitente. Podemos receber muito num mês, mas depois também estamos três ou quatro sem ganhar nada", avisa.
A viver em Espinho, Rui Martins trabalha agora como duplo para produções portuguesas para televisão e eventos desportivos. Curiosamente, foi por cá que, pela primeira vez, substituiu uma mulher – a atriz Vera Kolodzig, numa cena de condução arriscada. Foi na telenovela da TVI ‘Deixa que Te Leve’ e, dessa vez, teve de usar uma peruca de longos cabelos compridos ao volante.
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