page view

Rex Stout: o criador incansável que não podia ter sido outra coisa

Um dos grandes magos da literatura policial, criador da figura do detetive Nero Wolfe, morreu há cinquenta anos

26 de outubro de 2025 às 01:30

Rex Stout (1886-1975) nasceu numa pequena cidade do Indiana, onde o seu pai era professor, e morreu no estado do Connecticut, mas a cidade de todos os seus livros é Nova Iorque, onde viveu (e crê-se que morreu) o detetive Nero Wolfe, herói de 33 dos seus romances. Além desses romances há ainda uma boa quantidade de contos e outras narrativas curtas. Nero Wolfe deu corpo a todas elas – literalmente: media um metro e oitenta, pesava cento e trinta e cinco quilos, vivia numa casa confortável da Rua 35, NY – o seu secretário e narrador das suas histórias policiais era um janota do Ohio chamado Archie Goodwin, cujos fatos eram feitos à medida e cujos apetite competia com o de Nero Wolfe – mas à distância.

Stout podia ser um bom escritor e um ironista de grande nível, mas em tudo o resto foi ultrapassado pela sua criatura, Nero Wolfe, o detetive que nunca saía de casa em trabalho e que tinha paixões bem definidas e de que não abdicava a não ser em circunstâncias bem definidas: a cozinha (tinha um ‘chef’ suíço, Fritz Brenner, que também cumpria as funções de mordomo à antiga), as estufas de orquídeas no topo da casa (onde pontificava Theodore Horstmann, um jardineiro discreto e antipático), a cerveja, a língua inglesa, o restaurante Rusterman (o único onde, muito raramente, aceitava sentar-se, propriedade do seu amigo Markko Vuckic) e a leitura. Tinha uma biblioteca prodigiosa mas era severo com maus escritores: destruía-lhes os livros (tal como os livros de cozinha que cometiam erros fatais). O resto era segredo, nomeadamente o seu passado. Sabia-se apenas que tinha nascido em Montenegro, nos Balcãs, que visita no romance ‘Montanha Negra’, entre NY, Londres, Itália (Bari), Albânia e Montenegro – que talvez tenha sido casado, que talvez tenha uma filha, que se terá dedicado a atividades pouco recomendáveis e, finalmente, que detesta perfumes e mulheres em lágrimas.

Como é que Nero Wolfe nunca saía de casa para fazer as suas investigações sobre homicídios – que lhe garantem recompensas monetárias mais do que chorudas? Porque Archie Goodwin é as suas pernas, os seus ouvidos, o seu confidente e, por vezes, o seu cérebro. A relação entre os dois é respeitosa, por vezes solene, por vezes conflituosa (só na cabeça de um editor temporariamente obnubilado coube a ideia de pôr Stout e Goodwin a tratarem-se por “tu” – razão porque o leitor deve procurar as edições antigas). A par de Archie Goodwin (cujos pequenos almoços são sempre sumptuosos, e cuja semi-namorada, Lily Rowan, é uma jovem rica que vive perto do Central Park), há uma galeria de ajudantes preciosos: Saul Panzer, Fred Durkin, Doll Bonner ou Orrie Cather – além do jornalista Lon Cohen (que podia trabalhar no CM) ou, pobre dele, do inspetor Cramer, chefe da secção de Homicídios de Manhattan (que deixou de fumar mas mastiga os charutos apagados) ou ainda o advogado Nathaniel Parker. São eles que palmilham Nova Iorque em busca de informações, relatos, provas, documentos – enquanto Wolfe está sentado no seu gabinete, dedicado à leitura, à cerveja, ou simplesmente a fazer trejeitos com os lábios.

Mas Archie tem outra função: espevitar Wolfe e impedi-lo de sucumbir à preguiça e à luxúria, recebendo clientes que garantem os milhares de dólares para forrar a cozinha com as melhores iguarias (há uma menção ao “bacalhau dos portugueses”) e pagar salários generosos a todos eles. As contas apresentadas a esses clientes são sempre um mistério guloso e maravilhoso – e Wolfe é um honestíssimo pagador de impostos. Como poderíamos esquecer Rex Stout?

1755, o ano de todos os perigos passados

No próximo sábado assinalam-se 270 anos sobre o Grande Terramoto. Cuidado.

De repente, há 270 anos, Lisboa tremeu e foi destruída. Edifícios em ruínas, ruas esventradas, mortos amontoados, as águas do Tejo gerando um tsunami – o mundo nunca mais foi o mesmo, e o impacto da tragédia sobre a vida intelectual, religiosa e política daquele tempo teve uma dimensão de que hoje não nos damos conta. Se isto aconteceu, onde estavam Deus, o otimismo e a esperança numa vida previsível? Ainda vivendo o horror do terramoto de Lisboa, Voltaire termina ‘Cândido, ou o Otimismo’ de uma forma enigmática, mas deliciosa – “sim, o otimismo é bom; mas devemos cultivar o nosso jardim”. Em 2005, assinalando os 250 anos do terramoto, saíram livros como ‘Lilias Fraser’, de Hélia Correia, onde acompanhamos a vida de Lilias, na Escócia, em 1746, até Lisboa, 1755. Outros romances: ‘A Voz da Terra’, de Miguel Real, ‘O Profeta do Castigo Divino’, de Pedro Almeida Vieira e ‘O Segredo Perdido’, de Júlia Nery, além de ensaios como ‘O Terramoto de Lisboa e a Invenção do Mundo’, de Luís Rosa, ou ‘O Terramoto de 1755’, de João Duarte Fonseca, e o hoje clássico ‘O Pequeno Livro do Grande Terramoto’, de Rui Tavares. Esta semana sai ‘Recordar 1755’, de André Canhoto Costa – e o Quake, museu do Terramoto, em Belém, tem uma programação fantástica. Cuidem-se.

“Quem não lê não consegue pensar. Pode ter bons processos mentais, mas não tem nada em que pensar.”

Rex Stout

27.10.1945

Luiz Inácio ‘Lula’ da Silva festeja amanhã os seus 80 anos. A história será generosa para com ele, mas há de ser também cruel se quiser ser justa – o seu papel na história do Brasil contemporâneo não poderá ser apagado, aconteça o que acontecer.

30.10.1885

Ezra Pound (1885-1972) foi um dos responsáveis pelos caminhos e novidades do modernismo europeu e americano, além de ter sido um notável poeta. Hoje, 140 anos depois do seu nascimento, recordamos a sua adesão ao fascismo. Pena.

Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?

Envie para geral@cmjornal.pt

o que achou desta notícia?

concordam consigo

Logo CM

Newsletter - Exclusivos

As suas notícias acompanhadas ao detalhe.

Mais Lidas

Ouça a Correio da Manhã Rádio nas frequências - Lisboa 90.4 // Porto 94.8