Um dos grandes magos da literatura policial, criador da figura do detetive Nero Wolfe, morreu há cinquenta anos
Rex Stout (1886-1975) nasceu numa pequena cidade do Indiana, onde o seu pai era professor, e morreu no estado do Connecticut, mas a cidade de todos os seus livros é Nova Iorque, onde viveu (e crê-se que morreu) o detetive Nero Wolfe, herói de 33 dos seus romances. Além desses romances há ainda uma boa quantidade de contos e outras narrativas curtas. Nero Wolfe deu corpo a todas elas – literalmente: media um metro e oitenta, pesava cento e trinta e cinco quilos, vivia numa casa confortável da Rua 35, NY – o seu secretário e narrador das suas histórias policiais era um janota do Ohio chamado Archie Goodwin, cujos fatos eram feitos à medida e cujos apetite competia com o de Nero Wolfe – mas à distância.
Stout podia ser um bom escritor e um ironista de grande nível, mas em tudo o resto foi ultrapassado pela sua criatura, Nero Wolfe, o detetive que nunca saía de casa em trabalho e que tinha paixões bem definidas e de que não abdicava a não ser em circunstâncias bem definidas: a cozinha (tinha um ‘chef’ suíço, Fritz Brenner, que também cumpria as funções de mordomo à antiga), as estufas de orquídeas no topo da casa (onde pontificava Theodore Horstmann, um jardineiro discreto e antipático), a cerveja, a língua inglesa, o restaurante Rusterman (o único onde, muito raramente, aceitava sentar-se, propriedade do seu amigo Markko Vuckic) e a leitura. Tinha uma biblioteca prodigiosa mas era severo com maus escritores: destruía-lhes os livros (tal como os livros de cozinha que cometiam erros fatais). O resto era segredo, nomeadamente o seu passado. Sabia-se apenas que tinha nascido em Montenegro, nos Balcãs, que visita no romance ‘Montanha Negra’, entre NY, Londres, Itália (Bari), Albânia e Montenegro – que talvez tenha sido casado, que talvez tenha uma filha, que se terá dedicado a atividades pouco recomendáveis e, finalmente, que detesta perfumes e mulheres em lágrimas.
Como é que Nero Wolfe nunca saía de casa para fazer as suas investigações sobre homicídios – que lhe garantem recompensas monetárias mais do que chorudas? Porque Archie Goodwin é as suas pernas, os seus ouvidos, o seu confidente e, por vezes, o seu cérebro. A relação entre os dois é respeitosa, por vezes solene, por vezes conflituosa (só na cabeça de um editor temporariamente obnubilado coube a ideia de pôr Stout e Goodwin a tratarem-se por “tu” – razão porque o leitor deve procurar as edições antigas). A par de Archie Goodwin (cujos pequenos almoços são sempre sumptuosos, e cuja semi-namorada, Lily Rowan, é uma jovem rica que vive perto do Central Park), há uma galeria de ajudantes preciosos: Saul Panzer, Fred Durkin, Doll Bonner ou Orrie Cather – além do jornalista Lon Cohen (que podia trabalhar no CM) ou, pobre dele, do inspetor Cramer, chefe da secção de Homicídios de Manhattan (que deixou de fumar mas mastiga os charutos apagados) ou ainda o advogado Nathaniel Parker. São eles que palmilham Nova Iorque em busca de informações, relatos, provas, documentos – enquanto Wolfe está sentado no seu gabinete, dedicado à leitura, à cerveja, ou simplesmente a fazer trejeitos com os lábios.
Mas Archie tem outra função: espevitar Wolfe e impedi-lo de sucumbir à preguiça e à luxúria, recebendo clientes que garantem os milhares de dólares para forrar a cozinha com as melhores iguarias (há uma menção ao “bacalhau dos portugueses”) e pagar salários generosos a todos eles. As contas apresentadas a esses clientes são sempre um mistério guloso e maravilhoso – e Wolfe é um honestíssimo pagador de impostos. Como poderíamos esquecer Rex Stout?
No próximo sábado assinalam-se 270 anos sobre o Grande Terramoto. Cuidado.
De repente, há 270 anos, Lisboa tremeu e foi destruída. Edifícios em ruínas, ruas esventradas, mortos amontoados, as águas do Tejo gerando um tsunami – o mundo nunca mais foi o mesmo, e o impacto da tragédia sobre a vida intelectual, religiosa e política daquele tempo teve uma dimensão de que hoje não nos damos conta. Se isto aconteceu, onde estavam Deus, o otimismo e a esperança numa vida previsível? Ainda vivendo o horror do terramoto de Lisboa, Voltaire termina ‘Cândido, ou o Otimismo’ de uma forma enigmática, mas deliciosa – “sim, o otimismo é bom; mas devemos cultivar o nosso jardim”. Em 2005, assinalando os 250 anos do terramoto, saíram livros como ‘Lilias Fraser’, de Hélia Correia, onde acompanhamos a vida de Lilias, na Escócia, em 1746, até Lisboa, 1755. Outros romances: ‘A Voz da Terra’, de Miguel Real, ‘O Profeta do Castigo Divino’, de Pedro Almeida Vieira e ‘O Segredo Perdido’, de Júlia Nery, além de ensaios como ‘O Terramoto de Lisboa e a Invenção do Mundo’, de Luís Rosa, ou ‘O Terramoto de 1755’, de João Duarte Fonseca, e o hoje clássico ‘O Pequeno Livro do Grande Terramoto’, de Rui Tavares. Esta semana sai ‘Recordar 1755’, de André Canhoto Costa – e o Quake, museu do Terramoto, em Belém, tem uma programação fantástica. Cuidem-se.
“Quem não lê não consegue pensar. Pode ter bons processos mentais, mas não tem nada em que pensar.”
Rex Stout
Luiz Inácio ‘Lula’ da Silva festeja amanhã os seus 80 anos. A história será generosa para com ele, mas há de ser também cruel se quiser ser justa – o seu papel na história do Brasil contemporâneo não poderá ser apagado, aconteça o que acontecer.
Ezra Pound (1885-1972) foi um dos responsáveis pelos caminhos e novidades do modernismo europeu e americano, além de ter sido um notável poeta. Hoje, 140 anos depois do seu nascimento, recordamos a sua adesão ao fascismo. Pena.
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt
o que achou desta notícia?
concordam consigo
A redação do CM irá fazer uma avaliação e remover o comentário caso não respeite as Regras desta Comunidade.
O seu comentário contem palavras ou expressões que não cumprem as regras definidas para este espaço. Por favor reescreva o seu comentário.
O CM relembra a proibição de comentários de cariz obsceno, ofensivo, difamatório gerador de responsabilidade civil ou de comentários com conteúdo comercial.
O Correio da Manhã incentiva todos os Leitores a interagirem através de comentários às notícias publicadas no seu site, de uma maneira respeitadora com o cumprimento dos princípios legais e constitucionais. Assim são totalmente ilegítimos comentários de cariz ofensivo e indevidos/inadequados. Promovemos o pluralismo, a ética, a independência, a liberdade, a democracia, a coragem, a inquietude e a proximidade.
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza expressamente o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes ou formatos actualmente existentes ou que venham a existir.
O propósito da Política de Comentários do Correio da Manhã é apoiar o leitor, oferecendo uma plataforma de debate, seguindo as seguintes regras:
Recomendações:
- Os comentários não são uma carta. Não devem ser utilizadas cortesias nem agradecimentos;
Sanções:
- Se algum leitor não respeitar as regras referidas anteriormente (pontos 1 a 11), está automaticamente sujeito às seguintes sanções:
- O Correio da Manhã tem o direito de bloquear ou remover a conta de qualquer utilizador, ou qualquer comentário, a seu exclusivo critério, sempre que este viole, de algum modo, as regras previstas na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, a Lei, a Constituição da República Portuguesa, ou que destabilize a comunidade;
- A existência de uma assinatura não justifica nem serve de fundamento para a quebra de alguma regra prevista na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, da Lei ou da Constituição da República Portuguesa, seguindo a sanção referida no ponto anterior;
- O Correio da Manhã reserva-se na disponibilidade de monitorizar ou pré-visualizar os comentários antes de serem publicados.
Se surgir alguma dúvida não hesite a contactar-nos internetgeral@medialivre.pt ou para 210 494 000
O Correio da Manhã oferece nos seus artigos um espaço de comentário, que considera essencial para reflexão, debate e livre veiculação de opiniões e ideias e apela aos Leitores que sigam as regras básicas de uma convivência sã e de respeito pelos outros, promovendo um ambiente de respeito e fair-play.
Só após a atenta leitura das regras abaixo e posterior aceitação expressa será possível efectuar comentários às notícias publicados no Correio da Manhã.
A possibilidade de efetuar comentários neste espaço está limitada a Leitores registados e Leitores assinantes do Correio da Manhã Premium (“Leitor”).
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes disponíveis.
O Leitor permanecerá o proprietário dos conteúdos que submeta ao Correio da Manhã e ao enviar tais conteúdos concede ao Correio da Manhã uma licença, gratuita, irrevogável, transmissível, exclusiva e perpétua para a utilização dos referidos conteúdos, em qualquer suporte ou formato atualmente existente no mercado ou que venha a surgir.
O Leitor obriga-se a garantir que os conteúdos que submete nos espaços de comentários do Correio da Manhã não são obscenos, ofensivos ou geradores de responsabilidade civil ou criminal e não violam o direito de propriedade intelectual de terceiros. O Leitor compromete-se, nomeadamente, a não utilizar os espaços de comentários do Correio da Manhã para: (i) fins comerciais, nomeadamente, difundindo mensagens publicitárias nos comentários ou em outros espaços, fora daqueles especificamente destinados à publicidade contratada nos termos adequados; (ii) difundir conteúdos de ódio, racismo, xenofobia ou discriminação ou que, de um modo geral, incentivem a violência ou a prática de atos ilícitos; (iii) difundir conteúdos que, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, tenham como objetivo, finalidade, resultado, consequência ou intenção, humilhar, denegrir ou atingir o bom-nome e reputação de terceiros.
O Leitor reconhece expressamente que é exclusivamente responsável pelo pagamento de quaisquer coimas, custas, encargos, multas, penalizações, indemnizações ou outros montantes que advenham da publicação dos seus comentários nos espaços de comentários do Correio da Manhã.
O Leitor reconhece que o Correio da Manhã não está obrigado a monitorizar, editar ou pré-visualizar os conteúdos ou comentários que são partilhados pelos Leitores nos seus espaços de comentário. No entanto, a redação do Correio da Manhã, reserva-se o direito de fazer uma pré-avaliação e não publicar comentários que não respeitem as presentes Regras.
Todos os comentários ou conteúdos que venham a ser partilhados pelo Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã constituem a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição do Correio da Manhã ou de terceiros. O facto de um conteúdo ter sido difundido por um Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã não pressupõe, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, que o Correio da Manhã teve qualquer conhecimento prévio do mesmo e muito menos que concorde, valide ou suporte o seu conteúdo.
ComportamentoO Correio da Manhã pode, em caso de violação das presentes Regras, suspender por tempo determinado, indeterminado ou mesmo proibir permanentemente a possibilidade de comentar, independentemente de ser assinante do Correio da Manhã Premium ou da sua classificação.
O Correio da Manhã reserva-se ao direito de apagar de imediato e sem qualquer aviso ou notificação prévia os comentários dos Leitores que não cumpram estas regras.
O Correio da Manhã ocultará de forma automática todos os comentários uma semana após a publicação dos mesmos.
Para usar esta funcionalidade deverá efetuar login.
Caso não esteja registado no site do Correio da Manhã, efetue o seu registo gratuito.
Escrever um comentário no CM é um convite ao respeito mútuo e à civilidade. Nunca censuramos posições políticas, mas somos inflexiveis com quaisquer agressões. Conheça as
Inicie sessão ou registe-se para comentar.