Olhei para trás e vi a berliet e os soldados pelo ar. Fomos socorrê-los.
O Batalhão 1891 recebeu ordem para desembarcar na Beira, devido ao bloqueio inglês, por causa da Rodésia, mas o problema resolveu-se enquanto íamos de Luanda para Moçambique e fomos para a Zambézia, na região do Ile. Ficámos dez meses, até fevereiro de 1967.
A 4 de agosto de 1967, no Nessumba, acordei com um tiro, seguido de uma grande explosão. Houve tiros para cá e para lá, até que de manhã demos com um homem da Frelimo morto a metros da nossa palhota. Trazia oito granadas, e podia ter-nos matado a todos. Só há dois ou três anos é que soube a verdade. O meu amigo Manuel dos Santos contou que lhe apeteceu uma ‘necessidade fisiológica manual’. Juventude... Ouviu barulho e disparou, com tanta sorte que o matou. Era de noite e foi só um tiro, não uma rajada. Ainda hoje celebro o dia como um aniversário.
Depois fomos para a zona do Niassa, para Nova Coimbra, conhecida por Estado de Minas Gerais. À chegada houve uma emboscada a uma Unimog da companhia que íamos substituir. Tiveram dois mortos e alguns feridos. Ainda não havia o quartel de Lunho. Dali a Olivença eram 200 quilómetros sem tropa.
Num belo dia, ia eu à frente do pelotão, comandado pelo meu amigo Monteiro, e pelo alferes Machado, quando ouvi vozes. Agachei-me, com um soldado atrás de mim, fomos devagarinho e quando chegámos às palhotas desatámos aos tiros. Entrei primeiro e vi um bebé de dois anos dilacerado e a mãe com a perna desfeita. Ficámos paralisados e ninguém sabia o que fazer, até que o Monteiro e o Machado levaram o bebé para o mato e ouvimos um tiro. Foi um ato de coragem. À mãe fizemos um curativo, e não sei se morreu. Este dia deixou-me marcas para toda a vida, mas não sei se foram os meus tiros ou não.
A SANTA DE MIANDICA
Miandica era um terror. Estivemos lá 70 dias, de setembro a dezembro de 1967, a viver debaixo do chão. A comida vinha de avião e água só para beber. O meu amigo alferes Monteiro mandava rádios a dizer como estávamos, mas ninguém respondia. Até que ele resolveu pedir uma santa. Dias depois apareceu a santa, que apelidámos de Nossa Senhora de Miandica, o correio, e o tabaco. Foi uma festa.
Os furriéis da companhia tiveram muito azar. Morreram dois e dois foram retirados. Só gozei 20 dias de férias após 20 meses, e foi preciso dar um murro na mesa. Estava doente, mas uma coluna rebentou com uma mina e o capitão mandou-nos ir buscar a Berliet. Choveu toda a noite e ouvíamos barulhos. De manhã lá pusemos a Berliet em cima de outra. Ia com o meu amigo Vasco na primeira, e atrás estava a Berliet acidentada em cima de outra. Numa curva em cotovelo, se tivesse máquina fotográfica ganhava o prémio Pulitzer. Olhei para trás e vi a Berliet e os soldados pelo ar. Dei com o Zequinha cheio de sangue, mas nada de grave: "Ó meu furrielzinho, veja como eu estou!"
Chegámos ao quartel às três ou quatro da tarde e só vimos ‘dourados’. Uma das caras não me sai da memória. Fizemos o relatório ao capitão e ele disse-me que não tinha mais ninguém para bater a picada para aqueles senhores irem na manhã seguinte para o Lunho. O Costa Gomes nem perguntou se estávamos bem. Só disse ‘olé’ e virou as costas. Foi uma indignação tal que dura até hoje.
Já morreu e continuo a odiá-lo.
Chegámos ao quartel às três ou quatro da tarde e só vimos ‘dourados’. Uma das caras não me sai da memória. Fizemos o relatório ao capitão e ele disse-me que não tinha mais ninguém para bater a picada para aqueles senhores irem na manhã seguinte para o Lunho. O Costa Gomes nem perguntou se estávamos bem. Só disse ‘olé’ e virou as costas. Foi uma indignação tal que dura até hoje.
Comissão: Moçambique, de 1966 a 1968
Força: Companhia de Caçadores 1558
Atualidade: Aposentado, aos 71 anos, é casado, tem três filhas e três netos, e vem uma neta a caminho
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