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Tal pai, tal filho: os homicídios de Abílio Silva

Paulo Silva matou quatro familiares.

10 de maio de 2015 às 10:00

Abílio da Silva é um nome demasiado comum e que pouco ou nada diz à esmagadora maioria dos portugueses. No entanto, se dissermos que Abílio da Silva é o pai de Paulo Sérgio Gomes da Silva, o empresário de 42 anos, nascido em Cabo Verde, e que, presumivelmente, há pouco mais de uma semana terá assassinado quatro pessoas na freguesia de Estela, no concelho da Póvoa de Varzim, o nome já nos começa a dizer alguma coisa.

No seguimento do ato tresloucado praticado por Paulo Silva, de forma fria e bárbara, no qual perderam a vida a sua ex-companheira, bem como o seu enteado e os sogros, crime em que terá usado duas armas de fogo, uma pistola e um revólver, com os quais terá feito 14 disparos, seis com o revólver e oito com a pistola – ficamos a saber que também o pai de Paulo Silva matou, entre outros, a própria mulher e mãe dos seus filhos. Entre estes, Paulo Silva, na altura com 10 anos. Foi isso que aconteceu.

Mas a história violenta de Abílio da Silva, o pai de Paulo Silva, começa alguns anos antes de assassinar a sua mulher. Assim, corria o ano de 1976 e Abílio da Silva, empresário na área da venda de eletrodomésticos com loja aberta em Benfica, residia na avenida dos Missionários, no Cacém, com a esposa Maria de Lurdes e os três filhos, dois rapazes e uma rapariga. Nesse ano, os filhos teriam 14, 10 (Paulo) e 6 anos.

Abílio da Silva era considerado pelas pessoas que o conheciam como um homem violento, que fervia em pouca água e que, de alguma forma, era vingativo.

Nesse ano e na sequência de um desentendimento com um morador no mesmo prédio, por assuntos relacionados com mulheres – a crer em testemunhos da época –, Abílio da Silva zangou-se com esse vizinho e atingiu-o a tiro. Foi detido, julgado e condenado a uma pena de três anos de prisão, tendo cumprido 18 meses.

Um dos testemunhos mais importantes nesse caso e fulcral para a condenação de Abílio foi o de um outro vizinho, José Maria Pedro.

Durante os dezoito meses que passou detido, Abílio da Silva dizia frequentemente que, quando saísse da prisão, ia vingar-se. Cumpridos os dezoitos meses de cadeia e mesmo em situação de liberdade condicional, alimentou a ideia de se vingar do vizinho que o tinha prejudicado.

Este desejo de vingança foi crescendo em parte pelo facto de ambos continuarem a ser vizinhos. Abílio da Silva não aguentou a pressão e a raiva e decidiu tirar-lhe a vida.

A VINGANÇA

Não existem dias bons para cometer um crime, mas o dia escolhido por Abílio da Silva para matar o seu vizinho José Pedro foi simbólico. Ele escolheu o dia 24 de dezembro de 1980 para o matar. Nesse dia, José Pedro, à data com 30 anos, regressa a casa com a filha de três anos pela mão, para o jantar de Consoada, depois de ter ido comprar as últimas prendas de Natal.

Entrou no prédio onde morava e atravessou o hall de entrada para o elevador que o levaria a casa. Repentinamente, abriu-se a porta do rés do chão direito e dela sai Abílio da Silva, munido de uma espingarda automática. Faz dois disparos e atinge o vizinho na cabeça e no peito, causando-lhe a morte. A filha de José Pedro, de três anos de idade, que presencia o crime, gritou em pânico.

Abílio da Silva deixou imediatamente o local, fugindo pelas traseiras, na sua viatura estacionada. Em casa não tinha ninguém, nem a mulher, nem os seus três filhos, o que leva a crer que havia pensado em tudo por forma a que não houvesse testemunhas.

Tinha planeado que  depois dos disparos, enquanto todos corressem para o local do crime, ou seja, o hall do prédio, abandonaria o local pelas traseiras, pensando que assim não haveria hipótese de ser identificado. O plano seria perfeito, se não tivesse falhado num pequeno detalhe – a pequena Sónia, filha do seu vizinho José Pedro, identificou de imediato e de forma clara o criminoso, referindo que ele era o pai da sua vizinha Anita, a filha mais nova de Abílio da Silva.

De imediato a PJ de Lisboa montou uma caça ao homem. Abílio da Silva tinha uma casa, ainda em fase de construção, em São Marcos, entre o Cacém e Paço de Arcos. Era aí que agora vivia com a mulher e os filhos. Refira-se que a própria relação com a mulher era difícil e que devido a episódios de violência doméstica se haviam separado. Tinham reatado pouco tempo depois de Abílio ter cumprido os dezoito meses de prisão na cadeia de Monsanto.

E foi para essa casa de São Marcos que Abílio da Silva fugiu. Foi aí também que num momento de descompressão contou o crime cometido à mulher. Maria de Lurdes Gomes Coelho tinha 36 anos. Ao saber que o marido tinha cometido um crime, segundo lhe tinha contado o próprio, entrou em pânico e cometeu um erro que acabou por lhe ser fatal – ameaçou denunciar o marido à polícia.

ASSASSINATO DA MULHER

Abílio da Silva decide matar a esposa e com a mesma arma com que assassinara o vizinho José Pedro atinge a mulher com quatro tiros, tirando-lhe a vida. Mas Abílio da Silva não se fica por aqui. Esquarteja Maria de Lurdes e coloca as partes do corpo da mulher em sacos, que mete na mala do seu carro. Na Estrada de Paço de Arcos, enterrou em locais diferentes os pedaços do corpo da mulher e mãe dos seus filhos e regressa à casa de São Marcos. É neste local, que depois de diligências, que a PJ o localiza e onde o vai tentar deter, perto das 06h00 da manhã de 25 de dezembro, dia de Natal.

Abílio da Silva recebe a PJ a tiro e, aproveitando o facto de em dezembro àquela hora ainda ser noite escura, consegue fugir debaixo do fogo da Judiciária.

A ‘caça’ a este homem passa ser uma prioridade para a PJ. Um elevado número de efetivos é envolvido na tentativa de o localizar e deter. Frise-se que, neste momento, a Judiciária ainda nem sequer desconfiava do homicídio da mulher do suspeito. No dia 28 de dezembro, Abílio da Silva é encontrado pela Polícia Judiciária em Vila Franca de Xira. Reage novamente, mas desta vez a polícia já não se deixa surpreender. Responde também de forma violenta e a detenção concretiza-se.

É já nas instalações da Polícia Judiciária de Lisboa que assume todos os seus crimes, nomeadamente a morte do vizinho José Maria Pedro e, também e para enorme surpresa de todos os elementos da PJ, o homicídio de Maria de Lurdes, a sua mulher, bem como o facto de ter esquartejado e enterrado o corpo dela. É Abílio da Silva que conduz os elementos da PJ ao local exato onde havia enterrado as partes do corpo da sua mulher. Refira-se que este crime só foi descoberto porque o Abílio resolveu assumir a sua autoria.

Este homem, cerca de um ano depois, em outubro de 1981, é julgado e condenado no Tribunal Judicial de Sintra a uma pena de 24 anos de prisão. Durante as sessões de julgamento confessa que a morte do seu vizinho José Pedro foi um ato de vingança, que não conseguia suportar que uma pessoa que o havia acusado estivesse viva. Por sua vez, assumiu também a morte da esposa, dizendo que a matou somente porque era a única forma de ocultar a verdade dos filhos. Em tribunal afirma que praticou atos de que ele próprio se repugna e que não compreende nem consegue explicá-los.

Foi este o homem e é esta a história do pai e da família de Paulo Silva, o homicida do café de Estela, na Póvoa de Varzim.

Abílio, o pai de Paulo, quando cometeu estes dois homicídios – o da mulher e o do vizinho – tinha 41 anos. Paulo Silva, o seu filho, quando matou a ex-mulher, os pais desta e o enteado, tinha 42. Ambos deixaram os seus filhos órfãos.

Abílio da Silva deixou três menores, sendo que um deles era o próprio Paulo Silva. Naquele dia, Abílio matou-lhes a mãe e depois foi detido e condenado a 24 anos de prisão, dos quais cumpriu 20. Saiu da cadeia com mais de 60 anos, em 2001. Desde essa data, desconhece-se o seu paradeiro, não se sabendo se emigrou, se está vivo ou se já morreu.

Abílio da Silva privou os próprios filhos da presença dos progenitores – matou-lhes a mãe e por isso ele próprio foi preso. À data, os menores tinham 14, 10 e 6 anos. Foram criados sem referências de pai e mãe.

A HERANÇA

Paulo Silva – que sempre disse que nunca faria aquilo que o pai fez e que nunca se tornaria num assassino – acabou por trair as suas próprias palavras. Deixou os filhos – um rapaz de 16 anos e uma menina de nove – sem mãe, irmão e avós maternos, já que os assassinou e por isso irá cumprir pena. A avó paterna dos menores tinha sido assassinada há cerca de 35 anos pelo avô Abílio.

Será que Paulo Silva pensou nos filhos? O mais normal é não ter pensado, como  o seu pai não pensou nele e nos seus dois irmãos quando matou a sua mãe. Paulo Silva fez aos filhos aquilo que o seu pai lhe havia feito a ele. Ele que jurara nunca repetir os atos do pai.

Segundo as últimas informações, é a irmã de Paulo, Ana – Anita para a filha do vizinho José Pedro – quem hoje cuida dos seus filhos, de 16 e 9 anos, que  poucas mais pessoas da família têm, numa família em que a tragédia foi sempre algo de muito presente.

Por outro lado e apesar de não poder servir de qualquer tipo de justificação, este caso demonstra-nos que a vida de crianças criadas em meios violentos, que presenciam e que convivem diariamente com a violência, podem no futuro desenvolver comportamento violentos e também pensarem e entenderem que a violência é algo de perfeitamente normal. Não é.

A violência é uma tragédia que tem de ser banida e na qual e com a qual as crianças não podem viver e crescer, pois, caso isso aconteça, o preço a pagar no futuro pode ser demasiado alto.

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