Torre de Lisboa, Air Portugal 1-2-3; 6 miles final run away 0-3.” É o primeiro contacto do piloto do voo Paris-Lisboa com o controlador de tráfego aéreo da Torre de Controlo, que responde: “Air Portugal 1-2-3, continue approaching runway 0-3; wind 3-1-0 degrees, 7 knots.” Por esta altura, o piloto do Airbus A320 – com 160 passageiros a bordo – já estabilizou a rota de aproximação à pista do Aeroporto da Portela, recebeu indicações sobre as condições atmosféricas, e aguarda ordem para aterrar.
A comunicação faz-se ouvir (quase sempre em inglês) do alto dos 25 metros acima do solo, numa área interdita até à curiosidade dos pilotos: "Air Portugal 1-2-3, clear to land run away 0-3." E aterra.
"Nesta profissão, estamos sempre a tomar decisões ao segundo. Um minuto é muito tempo. Ou se mete o avião na pista para descolar ou não." João Dores, 35 anos, cola-se aos ferros da varanda da Torre, suga o cigarro, prossegue a conversa. "Trabalha-se a velocidades de 140/160 nós (260/300 km/h) na aproximação final à pista, a duas/três milhas da pista (entre três a cinco quilómetros)."
10h00: a manhã na Torre é frenética. Olhos pouco conhecedores vêem apenas uma pista aberta ao tráfego, para aterragens e descolagens - 3805 metros na 0-3, a pista principal, onde por hora pode haver um máximo de 36 movimentos. Entra um; sai outro; um vai; outro vem. E rolam para os ‘stands'. Mas isto é frenético. O controlador João Dores senta-se na posição ‘Ground' (solo), com auriculares presos na cabeça. É ele que ‘limpa a pista' - comanda via rádio, comunicando com os pilotos, a circulação no solo desde a pista até aos stands. "Portugal 1-2-3, ground, continue taxi to stand alfa [A] 2-2" - diz.
A TORRE
São quatro os seus colegas de turno. A Torre é espaçosa; ligeiramente quente agora, mas nada que a refrigeração não arrefeça; uma vista de 360 graus; um só fio - inenarrável - de conversas, que mais parecem monólogos (ouvidos do lado de cá), entre pilotos e controladores. Ao lado de João Dores, é o lugar da segunda posição - a ‘Clearance/Delivery' -, onde se recebe informações do aeródromo e se dá autorização de voo. Na terceira e última posição - a ‘Torre' - autoriza-se aterragens e descolagens. O lugar do supervisor é mais recolhido das vidraças voltadas para a pista.
Assim que o trem de aterragem, junto ao nariz do avião, toca o solo, o piloto troca a frequência do rádio de ‘Torre' para ‘Ground'. João faz a cadeira rolar até à mão da sua colega - sentada à sua direita, na posição ‘Torre' - para receber dela a fita de progresso de voo. Uma tira de papel que é como um B.I.: tem o código do voo; a sua origem e a rota pretendida; o tipo de avião. É lá que João vai iniciar a redacção do historial do avião desde que aterra e, mais tarde, talvez um colega ou ele próprio, termina inscrevendo os dados da descolagem.
Só com este pretexto afasta os olhos da sua aparelhagem: um radar de solo, radar de aproximação e uma central de comunicações. A três horas na Torre corresponde mais de meia hora de movimentos de aviões. É muito.
Na Torre de Controlo, os turnos crescem conforme o dia avança. De manhã, trabalha-se seis horas, mas com várias pausas de meia hora a cortar o stress. A pausa é acompanhada pelo melhor amigo do despertar, o café; e o descanso faz-se num cadeirão em pele. À tarde, já se trabalha oito horas. À noite, dez. Qualquer controlador pode assumir uma das três posições na Torre.
João Dores foi controlador aéreo militar, na Força Aérea (FA), durante sete anos. "As bases são as mesmas porque a linguagem é internacional. Agora, o tráfego é trabalhado de outra maneira. Na FA, há aeronaves muito diferentes, desde helicópteros lentíssimos a aviões ultra-rápidos. Nas bases da FA há também muito menos tráfego."
Também nesta profissão há um medo constante de errar acumulado ao facto de estarem muitas vidas em jogo, dentro de um avião. É por isso que, em dias de trabalho com muitos movimentos no aeroporto, este facto provoca situações de stress - que leva, algumas vezes, a casos de ‘burnout' (exaustão prolongada e menor interesse pelo trabalho).
"O Programa CISM (Critical Incident Stress Manage) foi criado para dar resposta a um incidente crítico vivido por controladores de tráfego aéreo e técnicos de informação aeronáutica, providenciando ajuda de forma a estes poderem lidar da melhor maneira com as situações de stress resultantes desse mesmo incidente", explica João Pacheco, controlador aéreo no Centro de Controlo de Tráfego Aéreo de Lisboa e um dos pares do CISM. "Não é um programa clínico de saúde mental. Aliás, só em casos muitos específicos é que os operacionais serão encaminhados para técnicos de saúde mental (psicólogos) que apoiam o programa. É, antes, um programa orientado para estratégias de defesa em relação ao stress causado por incidentes resultantes do exercício da profissão."
Ou seja, colegas ajudam outros colegas a detectar sinais de mau stress, em si próprios, e a encontrar a forma de lidar com esses sintomas.
Abílio Groz, com 52 anos, também controlador na Torre, conta que, "geralmente, os dias mais stressantes são os de maior movimento e aqueles em que as condições meteorológicas não são as melhores". É nesta altura que as normas de segurança são mais apertadas e quando todos os aviões querem descolar. Isso gera também stresse aos pilotos. E pode causar ‘trânsito' quer no ar, quer em terra, e atrasos nos voos.
O último pico da azáfama deu-se por altura do Euro2004. Abílio recorda um incidente, sem precisar a data, quando rebentou um pneu de um avião durante a aterragem. Tiveram de ser activadas as normas de segurança. Chamaram os bombeiros e, ultrapassada a crise, rebocaram a aeronave. É um dos casos em que a pista fica obstruída.
Não basta, por isso, ter boa remuneração mensal e regalias sociais atractivas para pagar o peso da responsabilidade que se empoleira sobre estes profissionais. Pese embora que o salário de base, segundo o Sindicato dos Controladores de Tráfego Aéreo, progrida dos 1672,66 euros mensais até 3548,87 euros. Na Torre de Lisboa, o salário será de 2872,80 euros, no Centro de Controlo será de 4290,30 euros. A NAV Portugal - que exerce esta actividade em exclusivo nos aeroportos nacionais - não revelou os salários dos 316 controladores no activo, 42 dos quais mulheres.
CENTRO DE CONTROLO DE TRÁFEGO AÉREO DE LISBOA
Mas não é só do cume da Torre que se controla a aviação. A menos de meia dúzia de quilómetros do aeroporto fica a sede da NAV e, em um dos pisos intermédios, está o Centro de Controlo de Tráfego Aéreo de Lisboa.
A sala é espaçosa, muito escura, o espaço é ocupado por sectores de controlo de tráfego aéreo. Aqui controla-se o segmento de voo após a descolagem - quando a Torre deixa de contactar com os pilotos -, até ser entregue ao sector de rota. Este último, gere o tráfego no continente nacional - dividindo pelas regiões Norte, Centro, Sul, Sector de Mar (Madeira) e o Sector Oeste (Açores), acompanhando o voo dos aviões, e também o sobrevoo de outros, no nosso espaço aéreo.
Licenciado em Matemática e formado pela NAV, Pedro Barata, de 37 anos, explica que o seu trabalho como controlador de tráfego em um destes sectores consiste em "encaixar no espaço aéreo o maior número de aeronaves." Claro que esta não pode ser uma gestão feita para atrair mais tráfego. "Não há uma componente comercial."
Com um percurso diferente, Fernanda Garcia, com 43 anos, abandonou a meio o curso de Bioquímica para responder a um anúncio de jornal. Formou-se na NAV - tal como todos os operacionais - e descobriu uma profissão apaixonante, que nem sonhava existir. "Quanto mais difícil é o tráfego que trabalhamos e o solucionamos da maneira mais expedita, mais alto sinto o ego".
Integrada na sala de operações do Centro de Controlo está a Esquadra Independente de Tráfego Aéreo. É uma área militar. "Fazemos a ponte entre a defesa aérea e o serviço da NAV" - enquadra o major Ferreira. Só em caso de perigo para a segurança nacional é que compete à Força Aérea tomar o comando das operações, sujeita a decisões políticas. Relembrando os ataques às Torres Gémeas, nos EUA, os profissionais acreditam que "não se baixaram guardas" às normas de segurança.
E o dia-a-dia que se repete, com normalidade. "Torre de Lisboa, stand alfa [A] 2-2, Air Portugal 1-2-3 destination Paris, request for push and start" - contacta o piloto que pretende sair do ‘stand' para a pista. Depois de a Torre autorizar a descolagem - e o avião se afastar seis milhas (dez quilómetros) do aeroporto - as comunicações por rádio passam ao Centro de Controlo. O plano de voo é então seguido, por radar, por controladores do sector regional. Assim será até que saia dos espaço aéreo nacional.
CONTROLAR O AEROPORTO
A Torre de Controlo está erguida entre a plataforma de Figo Maduro (militar) e as duas pistas, cruzadas (a 0-3 e a 3-5) do Aeroporto da Portela, Lisboa. Só se utiliza uma de cada vez, sendo a maior (a 0-3) a mais usual.
Na torre trabalham cinco controladores de tráfego aéreo por turno (da manhã, de seis horas, da tarde, de oito, e da noite, de dez), onde se controla o tráfego que aterra, descola e que circula nas pistas. E o tráfego em subida e descida.
TRABALHO MUITO DESGASTANTE MAS BEM PAGO
4290 EUROS
Segundo a tabela salarial de um controlador de tráfego aéreo no Centro de Controlo de Tráfego Aéreo de Lisboa, este aufere 4290 euros mensais - mais as regalias sociais em vigor na NAV Portugal. Na torre de Lisboa, o salário é de 2872 euros de base. No escalão mais baixo, o salário é 1672 euros.
55 ANOS
"Legalmente, os controladores de tráfego aéreo estão impedidos de exercer funções operacionais (ou seja, controlar aviões) depois dos 55 anos", esclarece o sindicato dos profissionais. Podendo prosseguir funções noutras actividades não operacionais, ou passam à dispensa de assiduidade até à reforma.
23 CONTROLADORES AÉREOS
Trabalham aeroporto de Lisboa - nove dos quais são mulheres. Em Portugal, a NAV tem 316 controladores no activo - 42 são mulheres. Participaram 12 formandos no último curso - sete mulheres.
36 AVIÕES
A capacidade máxima de movimentos - aterragens e descolagens - no aeroporto de Lisboa é de 36 por hora, segundo a NAV Portugal. A maior intensidade de tráfego dá-se ao início do dia, com as partidas, e ao final do dia, com as chegadas. Em 2006, foram controlados 166 mil movimentos civis.
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