A Caixa Económica do Funchal desapareceu em 1988 para dar lugar ao banco que absorveu o seu prejuízo
 
                                    Aquele velho ditado que desvaloriza a probabilidade de algo se endireitar quando nasce torto paira sobre o Banco Internacional do Funchal (Banif), criado em janeiro de 1988 por cima da Caixa Económica do Funchal. Afinal, o banco que atravessa agora a fase mais complicada da sua existência assumiu à nascença todos os ativos e passivos da centenária instituição financeira madeirense, incluindo dez milhões de contos de prejuízos acumulados – equivalentes a 50 milhões de euros.
Com um capital social de 11 milhões de contos, o banco fundado pelo grupo de investidores liderado por Horácio Roque procurou sanear essa pesada herança financeira nos primeiros anos de vida. Parte integrante do núcleo inicial de criadores do Banif, o empresário madeirense Joe Berardo disse à ‘Domingo’ que no final de 1987 a situação da Caixa Económica do Funchal "não era desesperada, mas difícil". O que levou o poder político a procurar caminhos para evitar o colapso. "Nessa altura houve um pedido de Alberto João Jardim, pois aquilo tinha de ser ajudado, porque era muito importante para os emigrantes e não só. Era muito importante para a Madeira, sobretudo para o comércio", recorda Berardo.
"Houve um movimento para que existisse um banco próprio da Madeira", confirma o político social-democrata Guilherme Silva, até agora deputado na Assembleia da República e muito próximo de Jardim, que foi o presidente do Governo Regional da Madeira entre 1978 e 2015. Tendo em conta que o Banco da Madeira se integrara no Banco Totta & Açores (mais tarde absorvido pelo grupo espanhol Santander), que o Banco Blandy fora comprado pelo Grupo Espírito Santo e o Banco Intercontinental do Funchal deixara de existir, coube ao Banif preencher esse vazio.
Mas a realidade é que, após uma década de forte crescimento – e já com uma agência em Lisboa e outra no Porto, apesar da assumida concentração na Madeira –, as contas da Caixa Económica do Funchal estavam longe de serem positivas. "A gestão não foi famosa numa determinada fase. Se não tivesse aparecido uma solução, correria o risco de ficar em situação de insolvência", afirma Guilherme Silva.
EXPANSÃO DE ROQUE
Nascido de uma instituição com tais problemas, através de um acordo que conciliava interesses políticos e empresariais, o Banif conseguiu ser desde o início, nas palavras do ex-deputado, "o banco preferencial dos empresários da região autónoma e também das comunidades madeirenses espalhadas pelo Mundo".
À custa de dois aumentos de capital social, que já passara para 17,5 milhões de contos em 1990, foi possível ao Banif levar a cabo uma estratégia de crescimento nas ilhas e no continente e, mais tarde, com o triunfo na privatização do Banco Comercial dos Açores, tomar posição no ramo das seguradoras através da Companhia de Seguros Açoreana. E resistir sempre à vaga de fusões e aquisições que fizeram desaparecer dezenas de bancos nacionais.
Essa foi uma das grandes apostas de Horácio Roque, nascido no concelho de Oleiros e que de Angola passou para a África do Sul, antes de triunfar na Madeira. "É com grande pena que vejo o trabalho do meu grande amigo a levar esta volta", lamenta Joe Berardo, referindo-se à atual situação do Banif. Roque morreu em 2010, com 66 anos, e já não viu o pior acontecer ao banco que, sob o seu comando, somou à elevada quota de mercado na Madeira e nos Açores grandes redes de balcões de norte a sul de Portugal continental e presenças nos países com maior número de emigrantes.
PRIMÓRDIOS DA CAIXA
Muito longe de tal tipo de ambições, os primeiros passos da Caixa Económica do Funchal foram dados a 4 de setembro de 1862, quando Henrique Camacho, Fernando José Rodrigues e Pedro Júlio de Gouveia se juntaram para criar a Associação de Beneficência do Funchal, mais tarde redenominada Associação de Socorros Mútuos 4 de Setembro de 1862.
Em 1870, seguiu-se a criação da Caixa Económica do Funchal, uma estrutura financeira que, a 23 de maio de 1897, teve publicados os estatutos que oficializavam a sua existência e atividades. Neles se lia que serviria de "receptáculo de quantias que ali se vão juntando, com vencimento de juro anual, ou capitalização deste, e que se podem retirar quando aprouver". Prometia-se ainda que os juros anuais seriam superiores a três por cento e inferiores a cinco por cento, e advertia-se que os empréstimos hipotecários – na altura circunscritos a propriedades urbanas e rurais do concelho do Funchal e dos outros concelhos do sul da ilha da Madeira – não poderiam exceder metade do "valor real" dos imóveis apresentados como garantia.
A recolha de depósitos dos madeirenses manteve-se ao longo das décadas, potenciada pelos emigrantes que foram ganhar a vida em várias partes de África e da América. Mesmo depois da profunda intervenção estatal no setor bancário ocorrida durante o Processo Revolucionário em Curso (PREC), o ministro das Finanças do governo de Mário Soares, Medina Carreira, assinou, a 30 de maio de 1977, um despacho normativo que permitia à instituição madeirense aceitar depósitos de emigrantes, "considerando a vantagem na criação de condições que possibilitem o incremento da utilização pelos emigrantes do esquema da poupança-crédito, atentos os efeitos benéficos daí derivados, para a atenuação do desequilíbrio da balança de pagamentos e desenvolvimento económico do país".
Entre as propriedades detidas pela Caixa Económica do Funchal, incluía-se o Monte Palace Hotel. Em 1987, foi comprado por Joe Berardo e destinado à sua própria fundação. Outro edifício emblemático com que a predecessora do Banif esteve relacionada foi o dos Armazéns do Chiado, em Lisboa. Houve um empréstimo que deu origem a um imbróglio legal, antes de o incêndio de 1988 ter destruído aquela zona da capital portuguesa.
Ligações com o poder
A Caixa Económica do Funchal foi muitas vezes acusada pela oposição madeirense de ter ligações umbilicais com o Governo Regional da Madeira, mais tarde estendidas ao Banif, o que é relativizado por Guilherme Silva. "O empenho do governo regional era inevitável. Mal seria se não existisse apoio a uma marca bancária da Madeira, fosse o governo social-democrata ou socialista", diz, acrescentando que o Banif "excedeu a expectativa inicial, assumindo-se como um banco nacional com sede na Madeira.
Quanto às anteriores ligações da Caixa Económica do Funchal à FLAMA, organização independentista e anticomunista muito ativa no pós-25 de Abril, Guilherme Silva desvaloriza-as, sem deixar de admitir que houvesse dirigentes de uma instituição envolvidos noutra.
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