Vânia Beliz é autora de ‘Chamar as Coisas pelos Nomes’, um manual prático para uma conversa sem pudores com os mais novos.
Como e quando falar sobre sexualidade com os nossos filhos? Com o desenvolvimento da criança aumentam as dúvidas sobre uma intimidade crescente (de que é tabu falar) e ignoram-se oportunidades únicas para esclarecer e educar os mais novos para um assunto que ainda é um verdadeiro quebra-cabeças para os pais, que - por pudor, desconhecimento ou medo – fogem a sete pés de uma conversa sem rodeios.
A propósito do lançamento do livro ‘Chamar as Coisas pelos Nomes’ (Editora Arena), a psicóloga clínica e da Saúde Vânia Beliz, de 39 anos, guia-nos numa conversa despudorada sobre aquela que é, afinal, uma parte fundamental da vida de pais e filhos.
Falar de sexo continua a ser um assunto tabu?
Continua. A literatura diz-nos exatamente isso: que as famílias parecem compreender a importância da educação sexual em algumas temáticas, mas depois receiam a abordagem noutras. A educação sexual formal existe há muito tempo nas nossas escolas e em momento algum substitui as orientações da família, pois tem o objetivo de trabalhar os direitos sexuais das pessoas em que o respeito pela individualidade e escolha de cada um é muito importante. As famílias temem que a educação sexual formal lhes roube os valores e que incentive à sexualidade precoce, o que não acontece de todo. São vários os estudos que referem o adiamento da atividade sexual em jovens que participam em programas de educação sexual. Ainda assim, muitas famílias não aceitam que se discutam certas temáticas, talvez porque não saibam exatamente como serão abordados.
Qual é o maior obstáculo a uma educação sexual digna desse nome?
A confusão com o conceito de sexualidade, porque a maior parte das pessoas ainda acha que falar de sexualidade é falar exclusivamente de sexo, de relação sexual. Cada criança é única e educar para a sexualidade deve ser um processo contínuo. As famílias assustam-se quando falamos de conceção com crianças de nove anos, mas muitas esquecem–se que existem meninas férteis aos 9-10 anos e que é importante que compreendam os riscos que correm até em algumas brincadeiras exploratórias inocentes, por exemplo. Esquecemo-nos que vivemos numa sociedade erotizada precocemente, em que as crianças são expostas a inúmeros estímulos menos favoráveis a um desenvolvimento saudável da sexualidade. E se não comunicarmos em casa, alguém cá fora o fará por nós. Mensagens descontextualizadas constituem riscos que muitas vezes não avaliamos, de que são exemplo as inúmeras situações de violência e abuso sexual em que crianças e jovens estão tão vulneráveis.
A quem compete educar neste campo?
Em primeiro lugar à família. Existem, depois, agentes formais através da educação e da promoção da saúde, razão por que a educação sexual está incluída nos programas de educação para a saúde (PES) e da educação para cidadania e desenvolvimento. A educação sexual é o parente pobre da educação para a saúde, porque ainda temos muitas raízes extremamente conservadoras no que diz respeito à sexualidade, que se espelham na opinião pública sobre temas como a igualdade de género, do respeito pelas comunidades LGBTI... Não tenhamos medo de admitir as nossas dificuldades, mas tenhamos consciência das consequências que daí advêm.
Por que razão receiam os pais abordar o assunto?
Porque sentem que não estão preparados; porque acham que, como descobriram sozinhos, o mesmo irá acontecer com os seus filhos; alguns até porque é difícil aceitar que os filhos estão a crescer. Vejo ainda tantas diferenças nos cuidados de meninos e meninas, na divisão de tarefas, na abordagem às questões da puberdade, principalmente com as meninas (sim, o período ainda é algo nojento de que muitos nem sabem como falar), das primeiras relações de namoro… Mas, se as famílias não se disponibilizarem para conversar, hoje todas as dúvidas poderão ser rapidamente respondidas, ainda que muitas vezes de forma errada. A pornografia tão disponível, a erotização precoce, as constantes notícias de violência sexual e de género, tudo áreas que devem ser abordadas num programa de educação sexual que capacita e protege quem de direito.
O que preocupa as famílias vai ao encontro daquilo que inquieta as crianças?
As preocupações serão sempre diferentes. Os estudos revelam que preparamos meninos e meninas de forma diferente. As famílias temem a violência e o abuso sexual, principalmente nas suas meninas, o que deixa os meninos mais vulneráveis; temem uma gravidez precoce, focando-se também na proteção das meninas; e temem as infeções sexualmente transmissíveis. Em relação a questões mais fraturantes, como a orientação sexual, muitas famílias dizem aceitar, mas depois, na escola, os jovens falam-nos de medo e de incompreensão, sentindo-se perdidos e infelizes. Fica claro, nas inúmeras dúvidas que escuto, que os jovens querem uma educação sexual mais próxima das suas necessidades também em constante mudança, tendo em conta os estímulos que hoje recebem.
Com que idade deverá acontecer ‘a primeira conversa’ sobre sexualidade entre pais e filhos?
Aí é que está o grande desafio, achamos sempre que há uma idade, um momento, uma conversa - mas educar para a sexualidade antecede isso tudo. Quando os pais preparam a chegada do bebé e conhecem o seu sexo criam um contexto que irá, desde logo, influenciar o seu desenvolvimento. A forma como as famílias dividem os cuidados desde cedo, tudo isso constrói a identidade da criança e isso também é sexualidade. Educamos desde que nascemos... a criança começa a descobrir-se, depois, com a linguagem, começam a surgir as perguntas e idade para perguntar, idade para responder. Com este livro espero conseguir passar estratégias para as famílias se sentirem preparadas para qualquer questão, chamando as coisas pelos nomes e abordando todos os temas sem dificuldades.
Que importância é que a linguagem assume no diálogo entre pais e filhos? Como aconselha que seja feita a abordagem do tema?
Aconselho sempre que não se reprima e que se tente perceber de onde surgem as questões e os comportamentos. Sabemos que, na adolescência, contrariar e proibir não é solução. Sabemos que nos primeiros anos devemos insistir em regras para que as crianças aprendam a adequar os seus comportamentos e a prevenir riscos. A linguagem deve ser sempre objetiva, simples e adequada à compreensão da criança.
De que forma o tratamento do assunto deverá evoluir com o amadurecimento da criança?
À medida que a criança cresce, os seus interesses mudam. O interesse romântico/erótico por outra pessoa chega com a puberdade, antes disso a criança deverá ter conseguido desenvolver uma noção saudável de si, do seu corpo, do outro. Deverá estar preparada para a puberdade e para todas as mudanças que ela implica. Com a entrada na puberdade deve-se abordar aspetos importantes da intimidade, como o consentimento, o bom trato... Depois a relação sexual, com os riscos mas também com os seus potenciais. Não vale a pena assustar os adolescentes dizendo-lhes que é perigoso ou errado, quando eles devem saber que uma relação responsável e gratificante nos pode fazer tão felizes. Existem culturas que ensinam e preparam os filhos para o prazer, mas ainda estamos muito longe de isso acontecer connosco, principalmente com as meninas. Quantas de nós ouviram falar de clítoris? Temos um ‘pipi’ e pronto... muitas mulheres adultas nem sabem o que é a vulva e depois admiramo-nos de tantas mulheres não sentirem nada na sua intimidade...
Com que idade a criança acaba o processo de formação nesta área?
Nunca terminamos o nosso processo de aprendizagem. O nosso ciclo de vida vai mudando e vamos adaptando a nossa intimidade a todas essas mudanças. Ter consciência disto é ter uma janela aberta quando as dificuldades nos fecharem algumas portas. A forma como vivemos a nossa sexualidade na infância e na juventude é determinante para nos tornarmos adultos mais felizes e saudáveis.
BI
Vânia Beliz (39 anos) é licenciada em Psicologia Clínica e da Saúde, mestre em Sexologia e doutoranda em Estudos da Criança na especialidade de Saúde Infantil, na Universidade do Minho. É autora do livro ‘Ponto Quê?’ (Objetiva), sobre sexualidade feminina, e co-autora de ‘A Viagem de Peludim’ (Marcador), dirigido a crianças e educadores. Apresentou durante três anos uma rubrica televisiva sobre sexualidade. É responsável pelo projeto ‘ControlTalk’, um serviço de aconselhamento sexual para jovens através do Whatsapp.
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt
o que achou desta notícia?
concordam consigo
A redação do CM irá fazer uma avaliação e remover o comentário caso não respeite as Regras desta Comunidade.
O seu comentário contem palavras ou expressões que não cumprem as regras definidas para este espaço. Por favor reescreva o seu comentário.
O CM relembra a proibição de comentários de cariz obsceno, ofensivo, difamatório gerador de responsabilidade civil ou de comentários com conteúdo comercial.
O Correio da Manhã incentiva todos os Leitores a interagirem através de comentários às notícias publicadas no seu site, de uma maneira respeitadora com o cumprimento dos princípios legais e constitucionais. Assim são totalmente ilegítimos comentários de cariz ofensivo e indevidos/inadequados. Promovemos o pluralismo, a ética, a independência, a liberdade, a democracia, a coragem, a inquietude e a proximidade.
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza expressamente o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes ou formatos actualmente existentes ou que venham a existir.
O propósito da Política de Comentários do Correio da Manhã é apoiar o leitor, oferecendo uma plataforma de debate, seguindo as seguintes regras:
Recomendações:
- Os comentários não são uma carta. Não devem ser utilizadas cortesias nem agradecimentos;
Sanções:
- Se algum leitor não respeitar as regras referidas anteriormente (pontos 1 a 11), está automaticamente sujeito às seguintes sanções:
- O Correio da Manhã tem o direito de bloquear ou remover a conta de qualquer utilizador, ou qualquer comentário, a seu exclusivo critério, sempre que este viole, de algum modo, as regras previstas na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, a Lei, a Constituição da República Portuguesa, ou que destabilize a comunidade;
- A existência de uma assinatura não justifica nem serve de fundamento para a quebra de alguma regra prevista na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, da Lei ou da Constituição da República Portuguesa, seguindo a sanção referida no ponto anterior;
- O Correio da Manhã reserva-se na disponibilidade de monitorizar ou pré-visualizar os comentários antes de serem publicados.
Se surgir alguma dúvida não hesite a contactar-nos internetgeral@medialivre.pt ou para 210 494 000
O Correio da Manhã oferece nos seus artigos um espaço de comentário, que considera essencial para reflexão, debate e livre veiculação de opiniões e ideias e apela aos Leitores que sigam as regras básicas de uma convivência sã e de respeito pelos outros, promovendo um ambiente de respeito e fair-play.
Só após a atenta leitura das regras abaixo e posterior aceitação expressa será possível efectuar comentários às notícias publicados no Correio da Manhã.
A possibilidade de efetuar comentários neste espaço está limitada a Leitores registados e Leitores assinantes do Correio da Manhã Premium (“Leitor”).
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes disponíveis.
O Leitor permanecerá o proprietário dos conteúdos que submeta ao Correio da Manhã e ao enviar tais conteúdos concede ao Correio da Manhã uma licença, gratuita, irrevogável, transmissível, exclusiva e perpétua para a utilização dos referidos conteúdos, em qualquer suporte ou formato atualmente existente no mercado ou que venha a surgir.
O Leitor obriga-se a garantir que os conteúdos que submete nos espaços de comentários do Correio da Manhã não são obscenos, ofensivos ou geradores de responsabilidade civil ou criminal e não violam o direito de propriedade intelectual de terceiros. O Leitor compromete-se, nomeadamente, a não utilizar os espaços de comentários do Correio da Manhã para: (i) fins comerciais, nomeadamente, difundindo mensagens publicitárias nos comentários ou em outros espaços, fora daqueles especificamente destinados à publicidade contratada nos termos adequados; (ii) difundir conteúdos de ódio, racismo, xenofobia ou discriminação ou que, de um modo geral, incentivem a violência ou a prática de atos ilícitos; (iii) difundir conteúdos que, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, tenham como objetivo, finalidade, resultado, consequência ou intenção, humilhar, denegrir ou atingir o bom-nome e reputação de terceiros.
O Leitor reconhece expressamente que é exclusivamente responsável pelo pagamento de quaisquer coimas, custas, encargos, multas, penalizações, indemnizações ou outros montantes que advenham da publicação dos seus comentários nos espaços de comentários do Correio da Manhã.
O Leitor reconhece que o Correio da Manhã não está obrigado a monitorizar, editar ou pré-visualizar os conteúdos ou comentários que são partilhados pelos Leitores nos seus espaços de comentário. No entanto, a redação do Correio da Manhã, reserva-se o direito de fazer uma pré-avaliação e não publicar comentários que não respeitem as presentes Regras.
Todos os comentários ou conteúdos que venham a ser partilhados pelo Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã constituem a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição do Correio da Manhã ou de terceiros. O facto de um conteúdo ter sido difundido por um Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã não pressupõe, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, que o Correio da Manhã teve qualquer conhecimento prévio do mesmo e muito menos que concorde, valide ou suporte o seu conteúdo.
ComportamentoO Correio da Manhã pode, em caso de violação das presentes Regras, suspender por tempo determinado, indeterminado ou mesmo proibir permanentemente a possibilidade de comentar, independentemente de ser assinante do Correio da Manhã Premium ou da sua classificação.
O Correio da Manhã reserva-se ao direito de apagar de imediato e sem qualquer aviso ou notificação prévia os comentários dos Leitores que não cumpram estas regras.
O Correio da Manhã ocultará de forma automática todos os comentários uma semana após a publicação dos mesmos.
Para usar esta funcionalidade deverá efetuar login.
Caso não esteja registado no site do Correio da Manhã, efetue o seu registo gratuito.
Escrever um comentário no CM é um convite ao respeito mútuo e à civilidade. Nunca censuramos posições políticas, mas somos inflexiveis com quaisquer agressões. Conheça as
Inicie sessão ou registe-se para comentar.