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Viver é mesmo a arte do possível

Em ‘Sinédoque’ as fronteiras entre realidade e imaginação são ténues.

20 de setembro de 2009 às 00:00

Sinédoque, Nova Iorque’, de Charlie Kaufman, é um filme que perturba. Poderá levar ao tédio mas, para quem se entregar às obsessões do protagonista, entranha-se para além do tempo de projecção.

Nesta primeira obra, Kaufman aprofunda o tema já abordado noutros argumentos da sua autoria – o processo criativo – mas dispensa a comédia. O filme gira em torno de um Criador e do seu Mundo, Caden Cotard, um encenador galardoado que parece um buraco-negro, consumindo a energia dos que o rodeiam. E a sua. Ele ignora a passagem do tempo e o tempo dos outros. Vive como um fantasma, cristalizado na busca de uma ideia que repete ‘ad eternum’.

Isolado numa bolha-diamante, aterrorizado com o insucesso e a inutilidade da sua obra. Com o desperdício da sua vida, os falhanços e arrependimentos. Com a morte. À procura da autenticidade, no teatro, Cotard recria o seu quotidiano, translada-o para um cenário em constante evolução, ao qual se dedica até à exaustão. Mas fora do qual se esquece de viver. Escolher um encenador para encarnar este personagem permite expandir a angústia. Mas esses tormentos são universais, já que cada um cria o seu próprio mundo.

A obra de Cotard é quixotesca. Mas também é como em Borges, com os seus mapas do tamanho do mundo. E com os actores a representarem a vida dos criadores. Pela película viajam os fantasmas de Fellini, de Bergman e de outros (de Chaplin a Welles). Autores que arrastavam consigo os outros, sujeitos aos caprichos do seu talento, perigoso magneto alquímico. Em ‘Sinédoque’ as fronteiras entre realidade e imaginação são ténues. E a força/fraqueza do filme está em fazer do espectador um fantasma que atravessa essas barreiras sem se dar conta. Sem saber distinguir entre os territórios da fantasia e os itinerários do destino. Viver numa casa em chamas é irreal, perder uma filha é real. No entanto, a vida tanto habita o quotidiano como o sonho.

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