Dois árbitros da Associação de Futebol de Viseu (AFV) e dois dirigentes desportivos do Sporting Clube de Lamego foram detidos pela PSP de Viseu por suspeita de corrupção desportiva. Numa investigação que está longe de terminar e que pode, tal como no ‘Apito Dourado’, revelar um mundo de corrupção que envolve os campeonatos distritais de Viseu.
O principal alvo das denúncias é o Lamego, cujo presidente é vice-presidente da Câmara e que se encontra em primeiro lugar nos regionais. As autoridades acreditam que cada acto de corrupção custava cerca de 500 euros.
Foram detidos os árbitros José Cunha e Fernando Dias, bem como Manuel Medeiros e Rodrigues Guedes, dirigentes do Sp. de Lamego. A operação da PSP só teve sucesso devido à colaboração de Mário Lima, dirigente do Campia, e Carlos Pires, um árbitro de Mortágua.
João Caiado, presidente do Conselho de Arbitragem da AFV, reconheceu que as suspeitas já duravam “há mais de quatro anos” mas “como nunca houve provas nada se fez”.
O dirigente, que nas últimas três semanas “pediu” provas aos acusadores, conseguiu-as anteontem. Eram 18h00 quando uma chamada anónima para a PSP dava conta de que estavam em marcha duas transacções de dinheiro de dirigentes desportivos a árbitros. A polícia pôs--se em campo e às 19h05 apanhou em flagrante o dirigente do Campia, que estava em sintonia com a polícia e que funcionou como “agente infiltrado”, quando entregava 250 euros ao árbitro José Cunha.
Hora e meia depois, na rotunda de um nó da A24, em Castro Daire, a polícia assistia “em directo” a outro acto corrupto. Os árbitros Fernando Dias e Carlos Pires (este conhecedor de toda a jogada), esperaram dez minutos até que os dirigentes do Sp. de Lamego, que viajaram num auto-reboque, chegassem. Após breves segundos de conversa um deles passou 500 euros – em notas de 50 e 20 – para as mãos de Fernando Dias. Nessa altura apareceram os polícias e o árbitro deitou o dinheiro para o chão. Já não deu tempo para o ‘árbitro isco’ receber o dinheiro.
Os quatro detidos passaram a noite nos calabouços da PSP e ontem foram presentes a tribunal. O árbitro José Cunha foi ouvido pelo juiz de instrução criminal de Tondela e saiu em liberdade com termo de identidade e residência. Foi suspenso da arbitragem e ficou proibido de contactar com agentes desportivos.
Os outros três, depois de terem estado toda a tarde no Tribunal de Viseu, regressaram à cadeia e só hoje de manhã vão ser ouvidos pelo magistrado de Tondela.
ÁRBITROS DO FUTEBOL AMADOR NÃO RECEBEM
Os árbitros, árbitros assistentes e observadores dos escalões secundários do futebol são credores da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), que desde Setembro não paga prémios de jogo, despesas de alimentação e transporte. “Estão nesta situação cerca de 250 pessoas, que arbitram na II e III divisões”, disse um dos juízes.
A quantia em dívida difere consoante a categoria. “Na II categoria o árbitro recebe 1200 euros por mês, mais extras de alimentação e deslocações, e o assistente 500 euros. Na III categoria a FPF paga mil euros mensais a um árbitro e 500 ao assistente. O observador recebe 53 euros por jogo, mais extras”, disse a fonte. Dulberto Glória, da FPF, admitiu ao CM que o mês de Setembro deveria ter sido pago até final de Outubro: “Houve um atraso, para a semana pagamos.”
ONDE TODOS TÊM ALCUNHA
Parada de Gonta, com pouco mais de meia dúzia de casas, é uma aldeia que conhece bem os dois árbitros detidos. São filhos da terra, “gente boa” que se deixou apanhar por meia dúzia de tostões. Na aldeia onde todos têm alcunhas – “já viu, há muitas Marias, tivemos de arranjar outros nomes para nos distinguir” – o ‘Comboio’ e o ‘Pecos’ eram estimados. “São rapazes porreiros. Foram apanhados porque andam aos trocos, aos grandes ninguém lhes toca”, diz ‘Bolachas’, o dono do café situado mesmo no centro da aldeia.
Metros à frente, numa pequena mercearia, estão os sogros de Fernando, o ‘Pecas’. “Não sei o que aconteceu. Ele vivia do trabalho na farmácia do pai, o dinheiro que ganhava com o futebol era muito pouco”, garante o sogro, que diz albergar a família na sua casa porque a vida não está fácil. “Têm três meninas. Ele veio para aqui, casou-se com a minha filha e como a casa é grande lá ficaram. Mas eu pago a maioria das despesas”, continua o idoso, assegurando não acreditar que o recebimento do dinheiro fosse uma prática corrente. “Só tenho a dizer bem dele. É bom genro, bom marido e muito trabalhador.”
José Cunha, o ‘Comboio’, vivia agora em S. Miguel do Outeiro, a pouco mais de dois quilómetros de distância.
TREINADOR-POLÍCIA LIDEROU CILADA AO LAMEGO
José Chaves é treinador e polícia. Ao fim-de-semana dirige o jogo do Sport Clube Viseu e Benfica, durante o dia veste a farda para combater o crime nas brigadas de investigação criminal. José Chaves, que conhece bem os meandros do futebol regional, acabou por liderar anteontem a operação policial que permitiu a captura dos árbitros e dirigentes. Por esse motivo, e para não deixar fugir o flagrante, o processo acabou por não seguir os trâmites normais num primeiro momento, só tendo chegado ontem às mãos da Polícia Judiciária de Coimbra, que tem competência reservada para combater a criminalidade relacionada com a corrupção desportiva.
MANUEL MEDEIROS, Dirigente, 39 anos
- Responsável do Sporting de Lamego, que lidera a classificação
FERNANDO DIAS, Árbitro, 37 anos
- Vive com os sogros numa casa modesta em Parada de Gonta, concelho de Tondela
JOSÉ CUNHA, Árbitro, 37 anos
- Árbitro José Cunha saiu em liberdade com Termo de Identidade e Residência
RODRIGUES GUEDES, Dirigente, 45 anos
- Dirigente do Sporting de Lamego continua a ser ouvido hoje
DOIS ANOS DE SUSPENSÃO
Fernando Dias já tinha sido suspenso pela Comissão de Arbitragem durante dois anos, por suspeitas de corrupção desportiva. O caso também envolvia o recebimento de prendas para beneficiar determinados clubes
SOGROS
Fernando Dias vive com os sogros, em Parada de Gonta. Uma casa modesta que os proprietários garantem ter construído com o trabalho de muitos anos.
LUXO
A casa de José Cunha é mais luxuosa. Uma vivenda que se destaca das vizinhas, onde a carrinha Chrysler à porta revela sinais de alguma prosperidade económica da família.
OFERTAS DE PEÇAS EM OURO
No ‘Apito Dourado’ oferecia-se peças em ouro. O principal beneficiário era o Gondomar
QUINHENTOS PARA GUIMARO
José Guimaro recebeu um cheque de 500 contos (2500 euros) para favorecer o Leça
ÁRBITRO APANHADO NA CABINE
O árbitro Francisco Silva foi apanhado em flagrante na cabine com um cheque do Penafiel
CARLOS CALHEIROS E A VIAGEM
Carlos Calheiros foi ao Brasil numa viagem paga pelo FC Porto. O clube disse que foi um engano
SOUSA CINTRA DÁ ÓCULOS
O árbitro Donato Ramos, também de Viseu, recebeu uns óculos de Sousa Cintra
FAVORES
Os dirigentes da arbitragem da Associação de Futebol desconhecem a que jogos se referiam os pagamentos efectuados anteontem. Segundo o ‘CM’ apurou junto de fonte ligada ao processo, os montantes transaccionados terão servido para “pagar favores” em jogos realizados nas últimas três semanas entre outros clubes.
ESQUEMA
João Caiado, presidente do Conselho de Arbitragem da AFV, referiu ontem que já sabia do caso desde o passado sábado. Deu conhecimento das suspeitas à PJ. Mesmo assim, deixou os dois árbitros apitar no passado domingo e estavam nomeados para amanhã. “Fazia parte do esquema” para os apanhar, reconheceu o líder dos árbitros viseenses.
"MAÇÃS PODRES"
O presidente da Associação de Futebol de Viseu, José Alberto Ferreira, acredita que os dois árbitros detidos “são as maçãs podres” de um cesta “onde estão mais de 250 pessoas ligadas à arbitragem”. “Estou convencido de que não há mais árbitros envolvidos”, acrescentou.
SP. LAMEGO É LÍDER
Os clubes envolvidos - Lamego e Campia - disputam a Divisão de Honra da Associação de Futebol de Viseu. Decorridas as primeiras oito jornadas, o Sp. de Lamego lidera o campeonato com 18 pontos, mais três do que o segundo classificado.
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