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Cogumelos venenosos

Todos os anos José Rodrigues, de 66 anos, reúne a família mais próxima – filhos, noras, netos, compadres e comadres – e faz uma patuscada com cogumelos apanhados no campo. No último domingo reuniram-se todos novamente na sua casa em A-dos-Loucos, S. João do Monte, uma localidade próxima de Vila Franca de Xira. Horas mais tarde, a família, composta por onze elementos, começou a sentir-se mal, com sintomas de intoxicação pela ingestão de cogumelos venenosos. Foram internados nos hospitais Reynaldo dos Santos (Vila Franca) e S. José (Lisboa). José Rodrigues e o filho Luís acabaram por não resistir. O pai morreu na quinta-feira e o filho ontem.

25 de novembro de 2006 às 13:00

Ana Alcazar, directora clínica do Hospital de Vila Franca, disse ao CM que cinco elementos da família – o casal José Rodrigues e a mulher, Ana, os filhos Luís, Carlos e a mulher deste – deram ali entrada na segunda-feira de manhã, com sintomas de problemas gastrointestinais, como diarreia e vómitos. Os restantes seis membros da família foram internados no Hospital de S. José, pois vivem em Lisboa.

José Rodrigues, reformado da Carris, empresa onde trabalhou vários anos como funcionário de bilheteira, acabou por não resistir ao envenenamento na quinta-feira à noite. O seu filho Luís, de 42 anos, reformado por doença, faleceu ontem, ao princípio da noite. Era um amante de motorizadas, que tinha ido viver para casa dos pais, em S. João dos Montes, após a separação da mulher, que ficou com o filho de ambos.

HORAS CRUCIAIS

“São sintomas de intoxicação pela ingestão de cogumelos. Toda a gente sabe que não se deve apanhar cogumelos no campo porque podem ser perigosos, mas há quem acabe por apanhá-los e cozinhá-los, como foi o caso”, disse a directora do Hospital de Vila Franca.

O tratamento que esta família está a receber é um “antídoto não específico” para a intoxicação de cogumelos venenosos. O transplante de fígado pode vir a ser uma solução terapêutica, caso o fígado deixe de funcionar. As próximas horas ou dias são cruciais, pois “o quadro clínico destes doentes pode agravar-se ou podem registar-se melhorias clínicas”. Podem necessitar todos de transplantes de fígado.

Um dos elementos da família, a mulher de José Rodrigues, Ana, de 64 anos, encontrava-se ontem na Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) do Hospital de Vila Franca e inspirava cuidados. “Os outros familiares internados estão a soro mas andam pelo seu pé”, disse Ana Alcazar.

Livres de perigo estão as duas crianças desta família, de nove e três anos, que não comeram cogumelos e que agora estão a cargo de familiares.

FÍGADO DESTRUÍDO

O transplante de fígado é necessário, em alguns casos de envenenamento por ingestão de cogumelos porque, segundo explica ao CM um dos mais conceituados especialistas em transplantes hepáticos em Portugal, o cirurgião Eduardo Barroso, este órgão deixa de funcionar. “Há uma necrose do fígado, apodrece.”

Aquele especialista do Hospital Curry Cabral diz que sabia do envenenamento desta família de onze pessoas mas, até à hora do fecho desta edição, não foi contactado pelos outros hospitais no sentido de providenciar uma cirurgia caso haja necessidade e um órgão disponível para um transplante urgente.

“Soube do caso mas não me fizeram um apelo. Em todo o caso vou informar-me para saber da situação”, assegurou Eduardo Barroso, que sublinhou existir um problema da falta de órgãos no nosso país.

vizinhos em choque

Em estado de choque com esta tragédia estão os vizinhos de José Rodrigues. “Ainda não acredito no que lhes aconteceu”, diz Rui Dias, soldador, que tem a casa de piso térreo em frente à do seu vizinho. Lembra que José Rodrigues ainda conseguiu levar os familiares de carro ao hospital. “Já estava muito mal.”

Até ao fecho da edição, pai e filho foram as únicas vítimas mortais.

Responsável pela maioria das mortes por cogumelo em todo o Mundo.

Sintomas entre 6 a 24 horas após a ingestão. Falha nos rins e fígado.

Cortinarius Orellanus

Intoxicação parecida à do Amanita. Efeito 12 a 13 dias pós-ingestão.

Responsável por várias intoxicações na Catalunha, nos anos 80.

ADULTOS

Os cogumelos devem ser colhidos já depois de terem atingido um certo grau de maturidade, para evitar possíveis confusões com espécies eventualmente venenosas.

IDENTIFICAÇÃO

Os especialistas são unânimes no conselho de que não se devem apanhar cogumelos selvagens sem haver certeza absoluta da espécie a ser colhida e de que a mesma é própria para alimentação humana.

TRANSPORTE

Os cogumelos devem ser transportados em cestos ou similares para permitir o arejamento e evitar que se estraguem.

MISTURAS

Evitar quaisquer misturas de espécies. Um só exemplar venenoso pode contaminar todos os outros comestíveis, tanto na simples recolha e transporte, como, em especial, no momento da confecção.

ALERTA TARDIO

A maior parte dos cogumelos potencialmente mortais revelam os sintomas de uma forma dilatada no tempo, entre dez a 48 horas após a ingestão, quando todo o veneno (toxinas) já se encontra na circulação sanguínea. Vómitos, diarreia, mal-estar geral, cãibras e suores frios são alguns dos sintomas. Por ironia do destino, aos primeiros sintomas segue-se habitualmente um período de remissão, com sinais de melhoras. São umas falsas melhoras : é nessa altura que o fígado e os rins se deterioram.

ESPÉCIES

Nas espécies mais venenosas, como o ‘Amanita phalloides’ (’Chapéu da Morte’) ou o ‘Amanita virosa’ (’Anjo destruidor’) há veneno suficiente para numa só ‘dentada’ matar um homem adulto. A ‘Amanita phalloides’, facilmente confundida com muitas espécies comestíveis, é responsável pela maior parte dos envenenamentos mortais por cogumelos, em todo o Mundo.

TRATAMENTO

Como os sintomas só se manifestam horas após a ingestão e não há antídoto conhecido para o veneno dos cogumelos, o tratamento é apenas aos efeitos, não à causa. Nos Estados Unidos foram registados resultados positivos usando uma associação entre penicilina e silibinina, substância não reconhecido pelas autoridades médicas.

CAUSAS DE MORTE

A ingestão dos cogumelos do género ‘Amanitas’ tem uma taxa de mortalidade entre os dez por cento e os 60 por cento. No caso de colapso total do fígado ou dos rins, a única solução é o transplante daqueles órgãos.

"DOENTES NÃO ENTRAM EM LISTA DE ESPERA"

A directora clínica do Hospital de Vila Franca, Ana Alcazar, diz que as próximas horas são fundamentais para a evolução clínica dos doentes envenenados com cogumelos. “Estão a ser permanentemente monitorizados, mas existe o risco de o fígado de algum destes doentes deixar de funcionar e, se isso acontecer, vão precisar de um transplante.” Caso se registe a insuficiência hepática, isto é, se o fígado deixar de funcionar, os doentes não podem entrar em lista de espera. “Terão de ser operados de imediato.”

Os transplantes de fígado são urgentes também nos casos de insuficiência hepática aguda por hepatite fulminante e intoxicação hepática por paracetamol.

O fígado é um órgão essencial que desempenha várias funções: mantém a glicémia normal, produz os factores de coagulação (um problema aqui pode desencadear hemorragias graves), sendo também ele que produz a bílis (fluido que actua na digestão) e é imunológico (actua no sistema imunitário).

Os três cogumelos mais mortíferos possuem um veneno que dá pelo nome de amatoxina. Não existe antídoto para o combater.

Os efeitos costumam manifestar-se até 24 horas depois da ingestão dos cogumelos. Vómitos e diarreia são os sintomas típicos.

ALTO VALOR COMERCIAL

As trufas – cogumelos subterrâneos – pretas e brancas são pagas a peso de ouro. Há quem treine porcos para as farejar debaixo da terra.

NÃO COMPRAR NA ESTRADA

Em certas zonas do País, como a Beira Interior, os cogumelos são vendidos à beira da estrada. Os riscos estão à vista.

MENINO NÃO RESISTIU A DOIS TRANSPLANTES

O início de 2003 foi dramático para uma família de Casal Sentia, Torres Novas. Flávio Marques, um menino de oito anos, morreu a 2 de Janeiro, devido a uma intoxicação alimentar por cogumelos venenosos. Tudo começou no dia 26 de Dezembro, quando a mãe, Ana Cristina Lopes, cozinhou um cogumelo – petisco bastante apreciado pela criança – oferecido por um colega de trabalho.

Mãe e filho sentiram-se mal, mas o caso de Flávio era mais complicado. O menino foi inicialmente transferido para Lisboa, sendo depois encaminhado para o Hospital Pediátrico de Coimbra e, na fase final, para os Hospitais da Universidade de Coimbra. Entrou em coma, foi sujeito a dois transplantes de fígado, mas não resistiu. Foi sepultado no dia em que devia completar nove anos.

MÉDICOS SEGURAM NEGLIGÊNCIA

Um acordo assinado entre a Ordem dos Médicos e uma companhia seguradora espanhola vai permitir aos clínicos portugueses um seguro de responsabilidade civil para eventuais processos por negligência ou má prática.

Como primeira consequência, um doente, que ponha um processo contra um médico inscrito na Ordem e ganhe, poderá receber, segundo o ‘Diário Económico’, até 15 mil euros, se o processo for igual ou superior a esse valor.

Com este seguro da Ordem dos Médicos (OM), os doentes queixosos deixam de depender da situação financeira do clínico ou de este ter ou não seguro próprio. O bastonário dos médicos, Pedro Nunes, explica que o objectivo do seguro é “proteger os médicos do crescente número de processos”, assim como garantir que “os queixosos com razão recebem o dinheiro”.

A seguradora com que foi assinado o acordo (AMA) é responsável pelos seguros de todos os médicos e veterinários espanhóis e de 80 por cento dos farmacêuticos. Há países, como os Estados Unidos, em que uma das primeiras preocupações dos médicos é fazer individualmente seguros profissionais contra possíveis processos judiciais.

Este seguro da OM permite ainda aos médicos “accionarem o Governo ou administrações hospitalares quando são acusados por culpas alheias”, como quando existem limitações para a prescrição de medicamentos inovadores e mais eficazes.

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