Um ano quase imperfeito, como todos
Cheque-livro: um desastre absoluto, um espelho dos índices de leitura em Portugal e do sistema educativo.
25 de abril. A comemoração dos 50 anos do 25 de Abril foi uma oportunidade para se relembrar a “produção cultural” desses dois anos, 1974 e 1975. Além da música e da televisão, pouco se recorda.
Braga
Braga foi Capital Portuguesa da Cultura em 2025 – uma programação séria que concluiu o ano com a confirmação do Festival Utopia, como um dos pilares inamovíveis da vida cultural da cidade. Braga tem uma das melhores livrarias independentes do país, a Centésima Página , além de uma boa lista de alfarrabistas.
Camilo
Camilo Castelo Branco é o mais acabado exemplo de “romancista português”, nada a fazer. Passaram este ano 200 anos sobre o nascimento do autor das ‘Novelas do Minho’, de ‘Amor de Perdição’ ou de ‘A Brasileira de Prazins’ – a 16 de março de 1825. 200 anos depois temos uma vaga ideia dos seus bigodes e do facto de ter reinventado a nossa língua com uma torrente devastadora de humor, tragédias românticas, retratos de província, personagens atormentadas pelo mal e pelo desejo do bem.
Camões
Depois de ter sido miseravelmente esquecido no ano do seu V Centenário, Luís de Camões regressou ao longo de 2025 como uma espécie de redenção. José Augusto Bernardes, professor da Universidade de Coimbra, foi nomeado comissário-geral para essa campanha – aqui e ali resultaram iniciativas que poderiam ter sido organizadas no ano anterior. Manchada a reputação do país diante de si próprio, a tentativa foi registada como se o Estado assumisse a culpa da nossa eterna distração e da nova forma de ingratidão dos tempos atuais.
Cheque-livro
Um desastre absoluto e a prova do provincianismo lusitano: o cheque de 20 euros para “jovens” teve uma taxa de execução de 20%, muito abaixo dos mínimos esperados. Porquê? “Problemas técnicos”, na versão oficial; na realidade, um espelho dos índices de leitura em Portugal, bem como do sistema educativo português.
Fólio
A ideia antiga de José Pinho (1953-2023) frutificou e assentou praça em Óbidos como um dos melhores “festivais literários” portugueses. Anne Applebaum, J.M. Coetzee, Svetlana Alexievich, Avi Shlaim, Fernando Aramburu ou Lionel Shriver, e muitos autores portugueses ou de língua portuguesa, passaram pelos palcos da “vila literária”.
Doutrina social
‘Justa’, o filme de Teresa Villaverde, é uma das boas recordações do ano.
Maria João Pires
Aos 81 anos, a pianista recebeu o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva, atribuído pelo Centro Nacional de Cultura. Ao mesmo tempo, na sequência de complicações de saúde, anunciou que se “retirava” da sua carreira. Esta carreira não se resume numa página e permitiu-nos ouvir a sua respiração ao interpretar Mozart, Chopin ou Brahms. Nenhum prémio resume a alegria de ouvi-la.
Museu de Arte Antiga
Tal como outros museus portugueses, é tempo de obras e remodelação. O MNAA, que fechou as portas em setembro passado, relançou uma bela ideia que convinha conhecer e divulgar melhor: espalhar-se pelo país fora. Há peças do seu acervo que estão depositadas em museus de norte a sul, além dos Açores e da Madeira. Das suas mais de 40 mil obras resulta o programa ‘O MNAA Está Aqui’ no nosso mapa museológico.
Museu Soares dos Reis
Segundo “museu histórico” português, o Soares dos Reis precisava de obras – e não será encerrado até ficarem concluídas as obras de restauro e substituição do telhado, até meados de 2026 – benefícios do PRR. Razão para visitar uma bela galeria de pintura portuguesa, além de parte substancial da obra de escultura do próprio Soares dos Reis, como ‘O Desterrado’.
Pisa
Os números do Pisa 2025 estão a ser aguardados em todo o mundo (as provas foram realizadas muito recentemente), mas o facto é que os portugueses têm dificuldade em compreender textos complexos e a posição do país nos índices de leitura do Eurostat colocam-nos na cauda da tabela. Não apenas aqui: em todo o mundo, mais de trezentos anos depois de a revolução da leitura ter inaugurado uma nova era do conhecimento humano, há uma regressão que os otimistas não esperavam. Nos EUA, a leitura por prazer caiu 40% nos últimos 20 anos; no Reino Unido, um terço dos adultos abandonou-a. No final de 2024, a OCDE constatou que os níveis de alfabetização estavam “em declínio ou estagnados”. Os jornais europeus que mais luzes de alerta acenderam nas suas páginas foram o ‘Financial Times’ e o ‘The Economist’ – alguma coisa isso quer dizer. “Eles” estão alarmados.
Teatro de São João
Uma programação ponderada e sem ‘parti pris’, o que é raro hoje em dia. Desde o fantástico David Foster Wallace (‘Breves Entrevistas com Homens Hediondos’), até um clássico Shakespeare (‘Hamlet’ e um pequeno ‘Titus Andronicus’), passando por ‘Fado Alexandrino’ (de Lobo Antunes) e ‘Quem Tem Medo de Virginia Woolf?’ (de Albee), além do regresso de Ricardo Pais (leituras e Almada), de Büchner e Brecht, razões para estabilidade no teatro do Porto.
Xerazade
160 obras de artistas portugueses integrama exposição ‘Xerazade, a Coleção Interminável do CAM’. Estão na lista Amadeo, Julião Sarmento, Vieira da Silva, Paula Rego, Bernardo Marques, Eduardo Nery ou Cruzeiro Seixas. Nunca desilude.
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