Dez anos depois da COP21, ainda há esperança para o Acordo de Paris?
Sinais positivos não impedem que as metas traçadas há uma década estejam cada vez mais longe de ser atingidas, com o secretário-geral da ONU a falar abertamente em “falhanço”.
“We’ll always have Paris”. A frase, imortalizada por Humphrey Bogart em Casablanca, pode ser uma das mais famosas do cinema, mas não se aplica no que toca à luta contra as alterações climáticas. Dez anos depois do Acordo de Paris, assinado na COP21 e celebrado como um tratado histórico para travar a subida da temperatura e os efeitos do aquecimento global, apesar de algumas medidas e avanços positivos, o cenário está longe de ser animador.
Se os objetivos traçados aquando do acordo, assinado por 197 países em 2015, eram elevados, como sublinhou então o presidente francês, François Hollande, ao falar de um acordo “ambicioso, vinculativo e universal”, a verdade é que, em 2025, muitas das metas continuam longe de ser cumpridas. “Temos de reconhecer que falhámos”, afirmou ao The Guardian o secretário-geral da ONU, António Guterres, em outubro, o tom da retórica climática claramente mais pessimista.
Se é verdade que, em alguns casos, as medidas para reduzir as emissões de CO2 e travar a subida global da temperatura produziram efeitos – atualmente as previsões apontam para que em 2100 a Terra esteja 2,6ºC mais quente do que em 1800, ao invés dos 4ºC apontados em 2015 – certo é que a tendência de aquecimento acelerado mantém-se, e os avanços e recuos dos principais países emissores em tomar passos concretos para contribuir para o esforço global têm dificultado a tarefa.
Prova disso é que o principal objetivo delineado há dez anos, limitar a subida da temperatura até ao final do séc. XXI a um máximo de 2ºC – preferencialmente 1,5ºC – está hoje em risco de ser falhado. 2024 foi o ano mais quente desde que há registo, com uma temperatura média 1,6ºC acima dos níveis pré-industriais.
Para alguns especialistas, este cenário não surpreende. “A distância entre a realidade e a trajetória de que precisávamos para chegar aos 1,5 graus era tão grande que era ridícula”, afirmou no início do ano David Victor, docente da Universidade da Califórnia, ao The New York Times. Ainda assim, essa distância talvez pudesse ter sido encurtada se as emissões globais tivessem sido limitadas como previsto em Paris. Pelo contrário, continuaram a aumentar: atualmente estão 7,8% acima dos valores de 2015, subindo de 34,7 para 37,6 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono libertado na atmosfera do planeta, de acordo com a Agência Internacional de Energia.
O mundo está, por isso, longe de atingir o “pico de emissões”, uma prioridade urgente delineada no tratado para ser atingida “o mais rápido possível”. A médio prazo, perspetiva-se que em 2030, as emissões globais desçam 2,6% face a 2010 – um desenvolvimento positivo, mas muito longe do corte de cerca de 45% delineados como objetivo há quinze anos.
Mais difícil de avaliar a esta distância é o objetivo a longo-prazo de alcançar o ‘net zero’, ou seja, o momento em que o valor de gases de efeito estufa emitidos para a atmosfera é igual ao valor que é retirado através de processos mecânicos e naturais. A meta é que este estado possa ser atingido a meio do século, mas tal é neste momento improvável – a data-alvo de 2050 já foi adiada por 10 anos, e os cálculos atuais da ONU indicam que as previsões apontam para uma redução de gases de apenas 10% até 2035, muito longe dos cerca de 60% que seriam necessários.
Nem tudo é mau, no entanto. As medidas de facto implementadas ao longo da última década deverão começar a produzir efeitos nos próximos anos, com estudos a prever o pico de emissões em 2028, seguido de uma diminuição gradual nos anos seguintes (ainda que de apenas 2% ao ano). Na mesma medida, os milhares de milhões investidos na transição energética estão a ter impacto – renováveis como a energia solar e eólica já produzem mais energia do que o carvão. No entanto, as mesmas pesquisas indicam paradoxalmente que a utilização de carvão está a aumentar, refletindo um crescimento generalizado no consumo de energia global.
O futuro está assim carregado de incertezas. Em 2015, o então-presidente dos EUA, Barack Obama, sublinhava que Paris era apenas “o começo” de um processo gradual. “Mesmo que alcancemos todas as metas, só chegaremos em parte onde temos de chegar”, disse. Em 2025, não é claro que esse começo tenha chegado a arrancar.
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt