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Figura Internacional do Ano: Volodymyr Zelensky

Alguns responsáveis militares ucranianos e antigos apoiantes do esforço de guerra da Ucrânia mostram-se dececionados com a situação na frente de batalha, para a qual não veem saída senão a negociação.

31 de dezembro de 2023 às 09:18

A diferença que oito meses fazem. A 21 de Dezembro de 2022, Volodymyr Zelensky foi recebido nos EUA como se fosse uma espécie de reencarnação de Winston Churchill: a Casa Branca enviou um avião da Força Aérea dos Estados Unidos recolhê-lo à Polónia, fazendo-o escoltar por um avião espião da NATO e dois jatos F-15, para levá-lo até Washington. O Congresso dos EUA realizou uma sessão conjunta da Câmara dos Representantes e do Senado para ouvir o seu discurso, entusiasticamente interrompido inúmeras vezes pelos presentes.

Meros oito meses passados, a 21 de Setembro de 2023, já tudo foi diferente. Se é verdade que o Presidente Biden o recebeu efusivamente, o Congresso recusou-se a deixá-lo discursar e não realizou qualquer sessão para o receber. O discurso teve lugar nas instalações bastante mais modestas dos Arquivos Nacionais. E se tanto o líder da maioria Democrata no Senado como o da minoria Republicana apareceram ao seu lado, vários senadores republicanos mostraram hostilidade à sua presença, ao mesmo tempo que o então presidente republicano da Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy, não quis ser fotografado com ele.

Os seus assessores tentaram marcar entrevistas nos canais televisivos da Fox News e de Oprah Winfrey, mas nenhum aceitou. Entretanto, a ajuda militar americana à Ucrânia foi suspensa em outubro, por imposição dos senadores e representantes republicanos, como condição de um acordo com os democratas para o orçamento federal de 2024, e arrisca-se a terminar já em dezembro.

Ao mesmo tempo, segundo sondagens, a maioria da opinião pública americana (55%) está contra a continuação do envio de ajuda para a Ucrânia.

O bafo do urso russo

Se a situação é particularmente preocupante nos EUA, dado o enorme peso da sua ajuda militar, a verdade é que não é caso isolado. Os países europeus e a União Europeia (UE), talvez por sentirem mais de perto o bafo do urso russo, continuam na generalidade a manter o apoio incondicional à Ucrânia, mas começam a aparecer algumas fissuras. Em outubro, a Eslováquia elegeu como primeiro-ministro Robert Fico, um antigo comunista reconstruído como socialista, que apoia a Rússia de Vladimir Putin e que já se recusou a continuar a enviar ajuda militar para a Ucrânia. Também o sempiterno Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, se encontrou em outubro com Putin em Pequim, ameaçando agora bloquear a próxima ajuda militar prevista da UE, a ser decidida já este mês. Em novembro, os Países Baixos deram a vitória eleitoral a Geert Wilders, um populista que pretende interromper o apoio neerlandês à Ucrânia. Como se isto não bastasse, uma nova guerra de grande escala eclodiu noutro ponto do planeta, a Faixa de Gaza, opondo Israel ao Hamas, e mobilizando a atenção da opinião pública internacional e os recursos financeiros e diplomáticos dos países ocidentais. Começa a levantar-se a questão de saber se os EUA têm capacidade para apagar todos os fogos cruciais para o Ocidente.

Batalha sem fim

Enquanto isso, alguns responsáveis militares ucranianos, diversos especialistas militares e antigos apoiantes do esforço de guerra da Ucrânia mostram-se dececionados com a situação na frente de batalha, para a qual não veem saída senão por uma negociação pondo termo às hostilidades. O comandante-chefe das Forças Armadas da Ucrânia, Valerii Zaluzhnyi, numa entrevista à revista ‘The Economist’, afirmou que a guerra tinha chegado a um impasse, o qual, sem inovações ou nova tecnologia praticamente impossível de obter agora, não seria resolvido. Nas revistas da especialidade, multiplicam-se os artigos afirmando o insucesso da contraofensiva ucraniana e a impossibilidade de uma solução militar para o conflito. Inúmeros editorialistas, comentadores e jornalistas que ainda há meses afirmavam o seu apoio irrestrito à ação militar da Ucrânia, pedem agora a cessação das hostilidades e uma qualquer forma de negociação.

Guerra de trincheiras

A origem deste estado de espírito sombrio está no efetivo fracasso da outrora tão esperançosa contraofensiva, iniciada na primavera e no verão de 2023.

Aquilo que foi concebido como um ataque de movimento rápido, baseado nos tanques ocidentais tão difíceis de obter pela Ucrânia, transformou-se numa guerra de trincheiras, graças a um bem-sucedido esforço de defesa preventivo da parte da Rússia. Nas palavras de Zaluzhnyi, ‘como na I Guerra Mundial’, os beligerantes afundaram-se numa ‘guerra de atrição’ e num ‘impasse militar’ aparentemente insolúvel.

Ponto crítico

O problema da atual situação é que nenhuma das partes parece estar disposta a aceitá-la como derrota ou vitória. Ainda há semanas, Putin fez um discurso em que voltou a recusar o direito da Ucrânia de existir a não ser como estado vassalo, enquanto a Ucrânia não aceita uma extensa amputação do seu território. Graças à cooperação com a China, a Índia, o Irão e outros estados do Médio Oriente, a Rússia voltou a ter uma situação económica confortável, fazendo também disparar o seu orçamento militar para uns incríveis 30% do PIB. A situação económica ucraniana não é tão boa, mas enquanto o apoio ocidental se mantiver conseguirá prosseguir o seu esforço de guerra.

O apoio ocidental é, precisamente, o ponto crítico do atual momento: nos EUA, Donald Trump, que é contra o apoio à Ucrânia, lidera as sondagens a caminho das eleições presidenciais de novembro de 2024. Se a guerra continuar a ser impopular e for determinante para as eleições, Biden será terrivelmente pressionado a abandonar a causa. Se isso acontecer, abre-se um mundo de interrogações sobre qual será o futuro da Ucrânia, da Europa e até do mundo ocidental.

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