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Prosa: É disto que a vida é feita

Um dia, percebi que me ia magoar algumas vezes durante a vida e que não havia nada que pudesse fazer para evitar isso.

06 de fevereiro de 2015 às 16:00

Um dia, percebi que me ia magoar algumas vezes durante a vida e que não havia

nada que pudesse fazer para evitar isso. Foi, talvez, o atravessar do mundo "cor-derosa"

para o verdadeiro mundo onde me encontro. Onde nos encontramos todos. Todos

nós seremos indiscutivelmente magoados por alguém ou por algo. É um dos efeitos

secundários de se estar vivo. Resta-nos apenas aprender a lidar com isso da melhor

forma, se é que existe uma boa forma de lidar com a desilusão e com o sofrimento que a

ela está relacionado. Percebi também que muitas pessoas só se importam comigo

quando precisam de alguma coisa. Não significa, necessariamente, que sejam más

pessoas por isso. Eu compreendo que não seja alguém fácil de gostar e de lidar, com

quem muita gente se importa e por quem valha a pena sofrer. Se eu não fosse eu, talvez

também não me importasse, mas nunca me deram uma oportunidade para escolher. Por

isso, dou valor a quem se importa verdadeiramente e a quem, apesar de tudo, está

comigo. Aprendi que somos todos um pouco egoístas e que muitas vezes fazemos

coisas por nós próprios, a tentar acreditar que as fazemos pelo bem dos outros. Faz parte

da condição humana.

Sofri e fiz sofrer. Não tenho dúvidas que irei sofrer mais ainda e fazer outras

pessoas passar pelo mesmo. Não sou perfeita. Nesse aspeto não sou ingénua. A

perfeição é inalcançável e por isso tão desejada. Dar-me-ei a alguém, como se de um

objeto me tratasse e acabarei por segurar com mãos trémulas os pedaços que irão restar

de um coração que outrora me havia pertencido.

Para ser sincera, a ideia do sofrimento próprio não me atormenta tanto quanto

devia. Talvez seja bom. Talvez seja mau. Ainda não cheguei a uma conclusão. Irei estar

cá para ver. O que quero dizer é que com o meu sofrimento, posso eu bem lidar. Na

verdade, talvez não lide bem. Quem lida? Mas acabarei por arranjar sempre uma forma

de o ultrapassar. O que me atormenta é a ideia de ver as pessoas de quem eu gosto

sofrerem. Há momentos na vida em que nos sentimos completamente inúteis e sentimos também que nada do que possamos fazer vai mudar alguma coisa. Esse é um deles.

Atormenta-me a ideia, por exemplo, de ver as minhas amigas terem o seu coração

despedaçado por um estúpido qualquer. Não suporto a ideia que alguém parta o coração

àqueles que eu amo. Claro que não quero desiludir-me, ser magoada e sofrer por amor.

Não me interpretem mal, não quero. Ninguém, no seu perfeito juízo, quer. Seria

masoquismo. Sei que é inevitável, mas isso é outra coisa. O que eu quero dizer é que

quando se trata de mim, daquilo que eu sinto e daquilo que eu sofro, parece tudo mais

fácil, porque a superação só depende de mim e da minha força. Quando as "vítimas" são

as pessoas de quem eu gosto, o assunto muda de figura e tudo se complica. Sinto-me

completamente inútil, porque tudo o que possa fazer pouco ou nada aliviará aquilo que

sentem. Por mais que possam dizer o contrário, eu acredito que ninguém consegue viver

feliz sem amizades. São-nos indispensáveis para sermos felizes e mentalmente sãos. É

verdade que há quem não consiga ser feliz mesmo tendo amigos, mas não creio que

quem não tenha amigos consiga ser feliz. A amizade por si só não basta, mas é "meio

caminho andado".

A vida é feita de criar e partilhar memórias, momentos e experiências. Trocar

sorrisos, beijos e lágrimas. Abraçar e ser abraçado, confortar e ser confortado…

Basicamente, a vida é um constante dar e receber na dose certa. Embora por vezes

possamos achar que damos mais do que o que recebemos, ou o contrário, eu quero

acreditar que, no fim, acabaremos por ter recebido o mesmo que demos. É essa crença

que nos faz continuar, que nos faz querer conhecer outras coisas e outras pessoas e

explorar mais o mundo e o nosso próprio ser, na busca infinita de algo que nunca

saberemos o que é. Se calhar, no final, conseguiremos perceber que esteve sempre

connosco, mas como alguém disse uma vez, o verdadeiro prazer está na busca e não no

que com ela se obtém. Por isso, embora tenha medo de sofrer, isso não me impede de

viver e de tentar encontrar o melhor das pessoas, porque sei que se algum dia ficar

deprimida porque me despedaçaram o coração, terei alguém que me fará um chá e

cantará uma música para mim até eu adormecer. E, certamente, serei a pessoa que

ocupará esse lugar quando os que mais amo precisarem que eu o ocupe. Sabem que

mais? É disto que a vida é feita.

Trabalho de Filipa Gonçalves Ribeiro, 16 anos, Amarante

Votação fechada. Vê os resultados na fanzine publicada com o Correio da Manhã de dia 26 de fevereiro. Entretanto, recordamos que o concurso é mensal e contamos com os teus trabalhos (vê aqui o regulamento).

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