Cabo Verde, o paraíso do turismo sexual para mulheres espanholas que esconde uma realidade desconfortável

Arquipélago tornou-se um destino para mulheres que viajam com a expectativa - explícita ou implícita - de ter relacionamentos com homens locais.

28 de setembro de 2025 às 15:04
Ilha do Sal, em Cabo Verde Foto: Direitos Reservados
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Um vídeo de apenas alguns segundos de duração que acumulou milhões de visualizações no TikTok divulga uma 'descoberta pessoal' de uma jovem espanhola - a beleza dos homens cabo-verdianos - abrindo a caixa de pandora de uma realidade desconfortável sobre o turismo sexual feminino.

"Antes de vir para cá [Cabo Verde] as pessoas com quem eu conversava diziam: 'Bem, toda a gente é muito bonita lá'. E eu pensava: 'Talvez eles sejam superbonitos, mas não fazem o meu estilo'. E parece que a maioria das pessoas de Espanha acaba por ficar com um cabo-verdiano aqui. Parece que este é o único lugar com uma taxa maior de prostitutos do que de prostitutas", disse a jovem em frente à câmara do telemóvel.

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"Cheguei aqui sem me importar e... [finge desmaiar na cama]. Eles são perfeitos! Vi quatro miúdos da nossa idade e têm a pele perfeita, os lábios perfeitos, os olhos, o sorriso, os dentes, os braços, o corpo".

Nos comentários, emojis de fogo, frases em tom de brincadeira e piadas sobre viajar ao arquipélago. Nada parece estar fora do lugar e, à primeira vista, é mais um conteúdo viral sobre destinos 'da moda' para grupos de amigos em busca de praia, festas e um toque de exotismo.

Mas, de acordo com o jornal El Español, os vídeos escondem um fenómeno tabu: o turismo sexual feminino. Cabo Verde tornou-se um destino, nos últimos anos, para mulheres, muitas delas espanholas, que viajam com a expectativa - explícita ou implícita - de ter relacionamentos com homens locais, principalmente adolescentes.

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"Há mulheres que vêm especificamente em busca de sexo com homens jovens. Outras não dizem, mas fazem. E há aquelas que se apegam emocionalmente e mantêm esses relacionamentos à distância, enviando dinheiro todos os meses", explica Milagros García López ao jornal El Español, uma freira espanhola com mais de duas décadas de experiência em Mindelo, a capital cultural do país.

A ilha do Sal, com os seus resorts à beira-mar e casas noturnas, é o centro de muitos desses encontros.

Os pacotes turísticos acessíveis, o clima agradável o ano todo e a promessa de lazer sem complicações atraiu muitas jovens espanholas. O que não é anunciado em catálogos é a proximidade de rapazes locais, muitos em situação precária, dispostos a serem acompanhantes ocasionais ou permanentes em troca de dinheiro, presentes ou até de um bilhete de avião.

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"Para muitos jovens, estar com um turista significa ter as despesas cobertas por alguns meses, poder continuar a estudar ou ajudar em casa", diz uma agente humanitária espanhola. 

Diversas ONGs locais trabalham para ajudar as vítimas, especialmente meninas e adolescentes, que são as mais afetadas, e relatam que os recursos são insuficientes. E a situação não se limita a homens que buscam mulheres jovens, havendo também o caso inverso. "Mas quase ninguém quer falar sobre isso", acrescenta a agente.

Um relatório da ONG local Morabi já apontava em 2023 a presença de "relações de troca entre mulheres estrangeiras e adolescentes do sexo masculino no Sal e no Mindelo". 

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Nem todos os relacionamentos entre turistas e moradores de Cabo Verde envolvem exploração sexual. No entanto, os limites confundem-se quando prevalece a desigualdade extrema. "Muitas dessas mulheres não se veem como clientes da prostituição. Elas acham que conheceram alguém especial nas férias. Mas quando pagas a conta do hotel, compras presentes ou envias dinheiro todos os meses, estás a participar numa relação desigual", explica a investigadora Yolanda Cruz, que estudou o turismo sexual na África Ocidental, ao jornal El Español.

O turismo sexual continua a ser um tema tabu. Reconhecer o problema significa, para as autoridades locais, admitir a incapacidade de proteger os jovens vulneráveis. Para os turistas, colocaria em causa viagens consideradas inocentes ou até românticas. Para os media europeus, significa abordar a realidade de que também há mulheres ocidentais a participar em dinâmicas de consumo sexual que se alimentam da pobreza, tal como os homens fazem.

Por trás de cada viagem à Ilha do Sal, há uma história que não cabe num TikTok de 15 segundos.

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