Foi soldado por necessidade e agora diz odiar a guerra. Afirma querer ser presidente para consolidar a “paz” e “acabar com conflitos institucionais”.
Quando em 2001 participou como candidato nas primeiras eleições livres em Timor-Leste, o país estava ainda em processo de transição para a liberdade. Durante uma festa integrada na campanha da Fretilin, uma rapariga convida Francisco Guterres para dançar. “Tenho os pés muito pesados. Terei de praticar primeiro ou as raparigas não vão querer dançar comigo”, respondeu, embaraçado. Para um homem que durante quase toda a vida adulta viveu na selva, lutando contra a ocupação (tinha apenas 20 anos em 1975, aquando da invasão indonésia) a passagem para a vida civil foi um desafio com muitas frentes.
O soldado teve de fazer-se homem e paralelamente político (é hoje um dos candidatos presidenciais classificado para a segunda volta das eleições). Mas a caminhada foi espinhosa e recheada de etapas entre o dramático e o cómico.
Sobre as inibições amorosas explicou, em 2001: “O problema é que não sei como estar na companhia de mulheres. Vivi nas montanhas durante tanto tempo que não tenho experiência, não sei como fazer. Ou sou comandado ou torno-me comandante de novo, como fazia na guerrilha. É um problema sério.”
Se no plano amoroso a adaptação estava a ser lenta, na política nem tanto. A campanha de 2001 resultou numa vitória esmagadora da Fretilin e para Guterres significou a eleição para deputado e, depois, a nomeação para a presidência da Assembleia Constituinte de Timor-Leste.
Entretanto, houve outros obstáculos a ultrapassar. Em 1999 a Indonésia foi forçada por pressões internacionais a realizar um referendo sobre a independência de Timor. A luta armada parecia estar no fim. Mas o regresso à vida civil escondia armadilhas inesperadas. “No início foi difícil adaptar-me a viver na cidade. Um dia, estava a descansar na cama, coisa que me era estranha, pois sempre dormira no chão. Não sei como fiz, devo ter-me voltado, porque de repente dei comigo no chão. Senti-me tão envergonhado que olhei para a porta, a ver se alguém me teria visto. Depois voltei para a cama e dormi encostado à parede para não cair de novo.”
Seis anos depois, Francisco Guterres – ainda conhecido por muitos apenas pelo nome de guerra, ‘Lu-Olo’ – está muito mais integrado, social e politicamente. Em 2001 explicou que só cederia às pressões familiares e arranjaria mulher depois de “reconstruir a vida do povo”. Presume-se, por isso, que em sua opinião tal já aconteceu, pois, ultrapassando reservas e inibições, namorou Cidália Lopes Nobre Mouzinho, com quem casou e de quem tem dois filhos.
Mas na arena política o presidente do Parlamento quer somar nova vitória, agora a título individual, e suceder na presidência da República a Xanana Gusmão. De comum com ele tem os anos de luta armada, mas a política separou-os. Esta semana explicou a candidatura afirmando que deseja contribuir “para a paz e a estabilidade” e “acabar com os conflitos institucionais”.
As palavras subentendiam uma crítica a Xanana, acusado pela Fretilin de responsabilidade pela crise que varreu Timor-Leste em 2006 e forçou o regresso de tropas internacionais ao território. Outro dos alvos de ‘Lu-Olo’ é o Nobel da paz José Ramos-Horta, primeiro-ministro e seu rival na corrida à presidência.
“Uma derrota de Ramos-Horta será também uma derrota do próprio presidente Xanana”, afirmou esta semana ‘Lu-Olo’, comentando a aliança entre os dois e considerando a criação de um novo partido político por parte do presidente (com o qual Xanana pretende candidatar-se à chefia do governo nas legislativas deste ano) “uma tentativa para influenciar” e “manipular” os timorenses. Esta leitura prende-se com o facto de a sigla do partido, CNRT (Conselho Nacional da Reconstrução de Timor), ser a mesma do antigo Conselho Nacional da Resistência Timorense, fundado em 1997 para coordenar a luta pela independência, e do qual ‘Lu-Olo’ foi um dos líderes.
Guterres considera-se favorito nas presidenciais, mas para já, depois de uma primeira volta inconcludente, na qual foi o mais votado, mas sem maioria, a certeza é que disputará a chefia do Estado na segunda volta (a 9 de Maio), onde poderá defrontar Ramos-Horta, candidato independente, ou Fernando ‘Lasama’ de Araújo, presidente do Partido Democrático.
DA GUERRA À POLÍTICA
Francisco Guterres nasceu em Ossú (1995), distrito de Viqueque. No final da adolescência foi confrontado com as mudanças políticas em Timor e aos 20 anos junta-se à guerrilha contra a ocupação indonésia. Comandou unidades de combate em Matebian e em 1978 era um dos responsáveis pela zona oriental. Em 1982 passa a acumular funções políticas na Fretilin com a luta armada nas Falintil. Em 1993 é nomeado vice-secretário da Comissão Directiva da Fretilin e em 1997 passa a secretário. É eleito presidente do partido em 2001, cargo que mantém.
IRREGULARIDADES TRAVAM ELEIÇÕES
A Comissão Nacional de Eleições (CNE) de Timor-Leste afirmou ontem terem sido detectadas “irregularidades graves” na contagem dos votos das presidenciais de segunda-feira, o que poderá forçar a recontagem de votos ou mesmo a repetição da votação em alguns distritos.
“A soma de votos nos candidatos não bate certo com o total de votos válidos e nalguns casos a diferença é de 100 votos”, referiu um porta-voz, referindo que o processo foi remetido para o Tribunal de Recurso.
As principais deficiências foram detectadas em Díli e nos distritos de Aileu, Ainaro e Bobonaro. Os resultados parciais davam como prováveis rivais da segunda volta Francisco Guterres, da Fretilin, e o primeiro-ministro José Ramos-Horta. Este reuniu ontem com os cinco candidatos que quarta-feira solicitaram a suspensão do escrutínio, e solidarizou-se com eles.
PARCIAIS
A contagem parcial dos votos das presidenciais dá 28,7% para Francisco Guterres e 22,6% para Ramos-Horta. Em terceiro lugar, muito perto do primeiro--ministro, surge Fernando ‘Lasama’ de Araújo, com 19%.
CASOS GRAVES
Além de Díli, os distritos onde se registaram as irregularidades mais graves são Aileu, Ainaro e Bobonaro. Baucau configura também um caso problemático, pois registou-se aí um número invulgar de votos nulos.
VIOLÊNCIA
A violência que ciclicamente afecta Timor-Leste “é um grito de revolta” e “não um sinal de grande agitação”, defendeu num artigo de opinião, a jornalista Judy Charnaud, colunista do ‘Sydney Morning Herald’.
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