Anicia Guinto recorda como se celebra a quadra festiva na terra natal. Da comida às decorações, saiba como é vivida a época natalícia filipina.
Rabanadas, vinho do porto e missa do galo: assim se pode resumir o Natal em Portugal. Já no outro lado do planeta, nas Filipinas, falamos de 'bibingka', chá e também da missa do galo. A época festiva mais longa do mundo celebra-se neste país asiático, mas tem algumas semelhanças com o nosso cantinho da Europa, mais do que se possa imaginar.
É em setembro que se dá início à quadra natalícia nas Filipinas. Chegados os chamados meses de terminação 'bro' - setembro, outubro, novembro e dezembro - as Filipinas enchem-se de decorações de Natal e a época começa. "É assim que sabemos que o Natal está ao virar da esquina", explicou Anicia Guinto ao Correio da Manhã. "Nós celebramos de setembro até dezembro e, depois, janeiro é como uma celebração do nascimento, renovar tudo", acrescentou.
Do "amor da família" ao cheiro a 'bibingka' no ar: Natal mais longo do mundo nas palavras de imigrante filipina nos EUA
VÍDEO: Medialivre
Anicia Guinto, de 55 anos, é natural de uma pequena localidade nas Filipinas chamada Pampanga, e mudou-se para os EUA aos 18 anos. Desde então regressou poucas vezes à terra natal e a última visita durante a época festiva foi há cerca de 15 anos.
Entre setembro e novembro, as celebrações centram-se nas decorações, ver a família e viver com um espírito mais bondoso, porque "por alguma razão, as pessoas são mais simpáticas e generosas" nesta época. Além de fitas vermelhas, verdes e brancas e de estrelas, nas Filipinas é comum pendurar lanternas feitas de bambu e cobertas com papel-crepe vermelho, às quais se chama de 'parol'. "Quando estava na escola, fazíamos essas pequenas lanternas e pendurávamo-las por todo o lado. E podíamos sentir a essência do Natal ao fazer isso", recordou Anicia.
A mulher filipina ficou emocionada ao lembrar como costumava celebrar o Natal durante a infância e manifestou tristeza ao reconhecer que a quadra natalícia nas Filipinas é cada vez mais influenciada pela cultura ocidental. A colonização espanhola passou por este país asiático durante mais de 300 anos e deixou fortes marcas, nomeadamente religiosas. Em 2023, quase 80% dos católicos do sudeste asiático estavam concentrados nas Filipinas, com 93 milhões de crentes, segundo dados da Vatican Publishing House. Apesar da influência europeia, o Natal tinha um cunho original que, segundo Anicia, se tem vindo a perder. "Infelizmente, nesta altura, sinto que toda a gente se está a tornar mais ocidentalizado. A tradição está a ficar esquecida...", notou com consternação.
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Hoje em dia, a filha de Anicia, Caitlynn Lopes de 30 anos, tenta "trazer um pouco do espírito filipino" através da decoração. "Tenho muitas decorações de mini 'parol' que comprei na minha última visita [às Filipinas]. E os meus tios têm uma ['parol'] grande com luzes que colocam no jardim da frente", relatou Caitlynn. Mais recentemente, a mãe e a filha até começaram uma nova tradição: "oferecemos uma à outra enfeites de Natal de todo o mundo como 'souvenirs'".
Falar sobre a época natalícia significa, para Anicia, recordar com carinho o tempo passado em família que, mesmo com 12 crianças e poucos recursos, nunca deixava passar a data em branco. "Embora nós fôssemos pobres, a minha mãe dava-nos sempre, só no Natal, sapatos novos e roupa nova. Apenas uma vez por ano", relatou a mulher . Se a mãe não tivesse dinheiro, "vendia um porco ou uma galinha", mas Anicia "não sentia diferença entre ter muito dinheiro e nenhum", porque a época, afirma, "não é sobre os presentes".
Esta foi uma das características que Anicia utilizou para descrever a quadra festiva nas Flipinas, "o amor da família". "[As pessoas] não precisam de coisas materiais", referiu. E, de facto, o que predomina na memória da mulher de 55 anos são sensações, cheiros, sabores, "pequenas coisas que relembram a essência do Natal".
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O céu escureceu e a temperatura baixou. Na rua, com as luzes decorativas a cintilar, sente-se o fumo que traz o cheiro de 'bibingka', uma panqueca coberta de côco feita com carvão numa panela de barro. "Posso comprar um rebuçado de limão?", ouvem-se as crianças a dizer. Durante as nove noites que antecedem o 25 de dezembro, é esta a energia transmitida pelas ruas das Filipinas.
Durante o 'Simbang gabi', os católicos filipinos vão à missa todas as noites, uma tradição que culmina com a celebração da 'Noche Buena' na véspera de Natal. Quando Anicia era pequena, quem vivia na cidade ia à igreja à meia-noite, como a missa do galo em Portugal, mas durante nove dias seguidos. Já na aldeia as eucaristias eram ao final da tarde. Algumas pessoas devotas "iam de casa em casa e rezavam a novena". "Depois, o grande último dia é a véspera de Natal. É aqui que toda a gente se veste bem e celebra o Natal", contou Anicia.
"Lembro-me da minha mãe nos levar à igreja e havia esta senhora que tinha uma pequena loja e fazia 'bibingka'. E depois? Ela fazia um chá. Ia buscar as folhas de chá do quintal, fervia-as e bebia-se esse chá quente. E não sei, por alguma razão, esta era uma das melhores coisas que eu comia durante a época do Natal", lembrou a mulher filipina.
Toda a gente levava o novo vestido e os sapatos novos. Os amigos andavam pela igreja e faziam barulho de tanto conversar. A família e pessoas mais velhas, em vez de beijos ou abraços, recebiam o 'mano', um gesto de respeito onde a pessoa mais nova pega na mão do tio, da avó ou até da vizinha e coloca-a na testa. As moedas eram colocadas nas mãos e chocalhadas para fazer ruído. "A beleza de tudo era só ser feliz e estar", resumiu Anicia.
A beleza de tudo era só ser feliz e estar"
Na 'Noche Buena', a 24 de dezembro depois da missa, as famílias juntam-se à volta da mesa para partilhar uma refeição. "Comem cozido com carne de frango, porco ou vaca com vegetais e 'sticky rice' [arroz glutinoso] com açúcar e côco", disse Anicia. A filha recordou outros pratos como massa 'pancit', 'lumpia' - parecido com rolinhos primavera - e sobremesas como 'leche flan' - pudim de leite. Em família espera-se até à meia-noite, momento em que se faz barulho com panelas ou outros objetos, deseja-se 'Feliz Natal" e pede-se um desejo em voz alta. "Atirámos cá para fora e por alguma razão na minha cabeça, é como se Deus me conseguisse ouvir", explicou a mãe.
O desejo de Anicia foi sempre ter pés pequenos, pois nas Filipinas não faziam sapatos com o tamanho adequado para si. De certa forma, Deus ouviu as preces da mãe filipina. Nos EUA, o tamanho que Anicia calçava "não estava nem perto dos maiores, era apenas normal".
A última vez que Anicia celebrou o Natal nas Filipinas foi há cerca de 15 anos. "Fizemos exatamente o que fazíamos quando eu era pequena", disse a mulher filipina. Em família, foram à missa, voltaram para casa, partilharam a refeição e esperaram até à meia-noite para fazer barulho. "Tenho saudades disto, de celebrar e estar com a família", notou entristecida.
Décadas depois, o Natal não é o mesmo e o núcleo familiar é mais pequeno, mas o espírito permanece. Anicia e Caitlynn decoram a casa com árvores de Natal e pequenos ornamentos, vão a festas, fazem jantares com amigos e trocam presentes. A tradição antiga esvanece à medida que surgem novos hábitos, mas restam as memórias.
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