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Waldemar incentivou reclusos a estudar enquanto estava preso e criou uma universidade na prisão

Centro Universitário San Martin já beneficiou mais de mil pessoas.

18 de agosto de 2024 às 09:44

O Centro Universitário San Martin (CUSAM), na Argentina, podia passar por um estabelecimento de ensino superior como qualquer outro. No entanto, as altas vedações com arame farpado e os vários postos de segurança revelam que o CUSAM está localizado no interior de uma prisão de segurança máxima, a cerca de uma hora de Buenos Aires, capital do país sul-americano. A ideia deste centro surgiu de Waldemar Cubilla, um jovem que foi preso três vezes, mas sempre gostou de estudar.

"Esta é uma universidade como qualquer outra. Acontece que está numa prisão", disse à Al Jazeera Matias Bruno, um professor da Universidade Nacional de San Martin que trabalha no CUSAM.

Consolo na aprendizagem

Waldemar Cubilla tinha apenas 14 anos quando foi preso pela primeira vez. Nasceu em La Carcova, um complexo construído ao lado da maior lixeira a céu aberto da Argentina, durante uma das piores crises económicas do país. Tal como muitos dos moradores, Waldemar sobreviveu com a procura de alimentos no lixo e de objetos para vender. Até que acabou por recorrer ao roubo. 

Apesar de levar uma vida de crime, Waldemar continuou a frequentar a escola. Gostava de ler e encontrava consolo na aprendizagem. 

"Ele sabia que estudar era a forma de mudar a sua vida, mas as coisas eram difíceis e ele envolveu-se no crime. Na mochila, costumava levar uma arma e um livro", contou Gisela Perez, a companheira e mãe dos seus dois filhos. 

Aos 23 anos, Waldemar já tinha sido preso duas vezes por assalto à mão armada. A primeira vez, quando tinha 14 anos, custou-lhe um mês num centro juvenil. Da segunda vez, passou cinco anos numa prisão de segurança máxima.

Ao terminar o ensino secundário atrás das grades, convenceu o diretor da prisão a permitir-lhe estudar também Direito.

"Lá, não tínhamos professores, mas já era alguma coisa. Eu terminava a escola de manhã e, à tarde, tinha acesso aos livros de Direito. Foi uma boa ideia porque estava a aprender e podia passar algum tempo fora da minha cela", referiu Waldemar. 

Em 2005, foi libertado e inscreveu-se na universidade privada para concluir o curso. Mas como o dinheiro era escasso, voltou ao crime. Roubava carros para pagar as propinas e sustentar a família. 

"Era estranho viver nesses dois mundos: o mundo do crime e também o de estudante universitário", recordou.

Da terceira vez que foi preso, Waldemar foi enviado para uma prisão perto da sua casa. Chamava-se Unidade 48 de San Martin e tinha sido instalada num edifício há muito abandonado. Aos 20 e poucos anos, ainda tinha o gosto pela leitura e a família levava-lhe livros durante as visitas.

Falta de literacia nas cadeias

Foi nesta prisão que Waldemar se apercebeu como o nível de literacia dos reclusos era baixo. Havia presidiários que queriam estudar, mas tinham muito poucos conhecimentos de base. "Havia muitas pessoas que não sabiam ler nem escrever", relembrou. 

Waldemar reuniu os seus livros e decidiu ensinar alguns dos homens a ler. Pediram ao diretor da prisão que lhes permitisse abrir uma pequena biblioteca. E assim aconteceu. 

"Inicialmente, a ideia era ter uma biblioteca, apenas um espaço para ler e aprender. Depois apercebemo-nos de que podíamos fazer mais", afirmou. 

Foi assim que a ideia do CUSAM surgiu. Quando Waldemar começou a organizar o CUSAM, a universidade dentro da prisão de San Martin, viu uma oportunidade não só de melhorar a vida dos companheiros de cela, mas também a própria prisão.

"Isto é muito mais do que estudar. Lembro-me de que, quando saía da minha cela, aproveitava para falar com outros reclusos, para ver aquilo de que precisavam. Falar sobre a universidade era uma desculpa para promover melhores relações entre as pessoas na prisão e contribuía para a redução da violência", descreveu.

Waldemar e outros homens da prisão de San Martin pediram ajuda à Universidade Nacional de San Martin para criar o CUSAM.

Desde que foi fundado, em 2008, o CUSAM já beneficiou pelo menos mil estudantes. Waldemar formou-se em sociologia e, atualmente, dá aulas no centro. 

Educação reduz reincidência

Segundo a Al Jazeera, alguns estudos revelam que a educação ajuda a reduzir o risco de reincidência. A Universidade de Buenos Aires, por exemplo, descobriu que 84% das pessoas que se formaram num programa de educação prisional em 2013 não reincidiram nos anos imediatamente a seguir.

"Uma educação universitária tem o poder de mudar a trajetória da vida dos estudantes presos", disse a diretora prisional Jessica Neptune.

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