António Silva Ribeiro
Almirante ex-CEMGFAA alta intensidade na guerra
29 de outubro de 2025 às 00:30Durante décadas, acreditou-se que os grandes conflitos convencionais pertenciam ao passado. Com o fim da Guerra Fria, a maioria das guerras na área de interesse ocidental tornou-se de baixa intensidade e a sua resolução requereu operações de manutenção da paz e de ajuda humanitária. Nesta conjuntura, as organizações militares reestruturaram-se, reduziram efetivos e focaram-se em missões expedicionárias, com regras restritivas e objetivos limitados.
Foi nesse contexto que, em Portugal, as Forças Armadas passaram a atuar em vários teatros. De Timor-Leste ao Kosovo, do Líbano ao Mali, do Afeganistão à República Centro-Africana, do Mediterrâneo ao Atlântico, os nossos militares foram empenhados em missões da ONU, da NATO e da UE.
A invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022, rompeu com este paradigma. O regresso da guerra de alta intensidade à Europa, com confronto direto entre Estados, mobilizações em massa, elevada letalidade e longa duração, impôs um choque de realidade. A ameaça deixou de ser abstrata ou distante e voltou a ser total, próxima e exigente. Regressaram os meios pesados; sofisticaram-se os drones armados, a ciberguerra e os sistemas de defesa aérea; e as cadeias logísticas tornaram-se mais complexas. Emergiram a IA e a guerra híbrida.
Neste novo quadro, Portugal, como Estado soberano e aliado comprometido, não pode continuar a adiar decisões estruturantes das suas Forças Armadas, porque a preparação para cenários de alta intensidade é uma exigência estratégica que implica: obter meios tecnologicamente avançados; reforçar a prontidão operacional; reconstituir reservas de munições, combustíveis e sobressalentes; modernizar a logística; assegurar a interoperabilidade e a resiliência; ajustar a organização das forças; revitalizar a mobilização territorial; e investir na formação e retenção de pessoal qualificado.
Só assim o país poderá constituir um núcleo de forças bem preparadas, com cerca de 30 mil efetivos, capazes de defender os interesses nacionais e de honrar compromissos internacionais em cenários de grande exigência operacional.
A guerra de alta intensidade na Ucrânia comprova que o mundo entrou num novo ciclo estratégico, em que a paz só se preserva com responsabilidade, realismo e preparação no pensamento e na ação política.
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