Só volta a lembrar-se dele agora, alguns anos depois. Não, não é verdade, lembrou-se dele muitas vezes durante este tempo todo – que, aliás, não parece assim tanto, porque o tempo, como sabemos, passa a correr –, mas em todas essas vezes recordou-se dele de um modo desprendido, inconsequente. Mas agora é diferente, ele assalta-lhe a memória com a avassaladora melancolia de uma época feliz. Por isso, tem a impressão de só hoje se lembrar dele verdadeiramente, conscientemente, e não com a ligeireza dos pensamentos fúteis.
Justamente, nesse interlúdio esteve distraída, a alma alheou-se da música e o coração escondeu – ou guardou? – a melodia de uma peça musical preciosa. Porque pensa ela em música quando pensa nele? Porque a vida sem música afunda-se num silêncio sinistro e antes havia música, todos os momentos felizes eram pontuados por música. E depois a música foi banida da vida dela. É por isso que a música a faz lembrar-se dele.No segundo caso, definitivamente, pensa. Mas, como este está mais fresco, o trauma pode induzi-la numa avaliação injusta. Enfim, tudo acabou novamente e voltou o frio vazio do fracasso e da incerteza. E ela volta a pensar nele com emoção, sabendo que é demasiado tarde para regressar ao passado, mas, ainda assim, com ternura e saudade.
Curioso, como gestos simples ganham uma dimensão e um significado tão importantes quando recordados com o devido distanciamento. Antes: um carrega no botão para ligar o rádio do carro; depois: o outro carrega no botão para desligar o rádio do carro. Antes: iam todos a cantar alegremente uma música durante a viagem; depois: ninguém cantava, apreciavam o silêncio. E ela tinha a certeza de que amava os dois, cada um no seu tempo. Ou ter-se-á enganado?
No segundo caso, definitivamente, pensa. Mas, como este está mais fresco, o trauma pode induzi-la numa avaliação injusta. Enfim, tudo acabou novamente e voltou o frio vazio do fracasso e da incerteza. E ela volta a pensar nele com emoção, sabendo que é demasiado tarde para regressar ao passado, mas, ainda assim, com ternura e saudade.
Sempre lhe disse que era o homem da sua vida. Dizia-o com sinceridade, até o deixar. Ela é um poço de contradições, diz uma coisa, faz o seu contrário, vítima dos impulsos emocionais, das atitudes pouco amadurecidas, do orgulho que a impede de reconsiderar humildemente uma decisão. O que está feito está feito, não se pensa mais nisso, é assim que funciona, para obstar a tortura do arrependimento. É mais fácil acreditar que tem razão e porfiar cegamente no seu argumento.
Não admite o erro, não pede desculpa, e tem de viver com isso.
Vai sozinha no carro a escutar uma música que ouvia com ele. Está presa no trânsito da manhã, tem os dedos fincados no volante, as lágrimas caem-lhe pela cara abaixo, livremente, enquanto pensa que ele era o homem da sua vida.
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