O fim dos Estados Unidos da América

Entrevistei para esta edição um dos escritores mais importantes das letras contemporâneas, Gonçalo M Tavares, a propósito do seu último livro ‘O Fim dos Estados Unidos da América’ (edição Relógio D’Água) - um belo título quando se fala da possibilidade do colapso, pelo menos económico, graças à recuperação da Doutrina Monroe, já com dois séculos. James Monroe tinha o lema “A América para os americanos”; Trump, “a América grande outra vez”. A ordem multilateral para o lixo. A entrevista com o escritor, que completou 55 anos em agosto, foi sobre epopeias gregas, a divisão entre pobres e ricos, o som das letras e o poder da imaginação. No fim, já em regime de posfácio, ou seja, quando tínhamos dado por concluída a entrevista, perguntei-lhe - Quando é que se sentiu escritor? - assim mesmo, e não podia ser doutra maneira, tendo em conta a forma como Gonçalo M Tavares escreve [ver págs. 14-19]. Respondeu ele: “Não houve um dia em que eu me levantasse e dissesse, hoje, 4 de maio, não sei o quê. Acho que é uma coisa gradual, uma espécie de inundação, mas lenta. Foi uma inundação lenta. Eu gostava imenso de matemática, gostava imenso de futebol, do negócio do futebol... Quando era miúdo adorava já matemática e, portanto, a questão dos livros foi uma inundação, também porque o meu pai tinha uma biblioteca incrível. Não houve um dia. Lembro-me bem que a partir dos 18, 19 anos comecei a ter esta disciplina de que eu falava: escrever e ler durante as manhãs. Começou aos 18, 19, muito naturalmente, nunca foi uma decisão...”