Jurista avisa para riscos de dúvidas constitucionais noutras normas da lei da nacionalidade

Ana Rita Gil não se mostrou surpreendida com o chumbo das quatro normas da lei da nacionalidade.

17 de dezembro de 2025 às 07:09
Assembleia da República Foto: DR
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A jurista Ana Rita Gil não se mostrou surpreendida com o chumbo das quatro normas da lei da nacionalidade pelo Tribunal Constitucional (TC) e avisou que o diploma pode levantar outras dúvidas legais caso entre em vigor.

Em declarações à Lusa, a especialista em direito público e uma das peritas consultadas pela Assembleia da República na elaboração dos diplomas -- a alteração à lei da nacionalidade e a norma no Código Penal que autorizava a retirada da cidadania a naturalizados no caso de crimes graves -- explicou que a decisão do TC era a "que se esperava" e o facto de ter sido tomada por unanimidade indica que as medidas previstas constituíam uma "afronta à Constituição".

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"No meu entender era a decisão que se esperava" e "não fiquei de todo surpreendida, nem com a decisão de pronúncia pela inconstitucionalidade nem com os fundamentos", explicou Ana Rita Gil, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

As quatro normas que o PS pediu fiscalização preventiva foram chumbadas pelos juízes, pelo que "não é apenas um princípio constitucional ou uma norma constitucional que está em causa", mas "muitos fundamentos", principalmente no que diz respeito à proposta, agora recusada, de permitir a perda de nacionalidade a quem cometa crimes graves.

"Este é o princípio mais difícil de contornar" pela maioria parlamentar, porque o TC "julgou inconstitucional a proposta por muitos fundamentos", entre os quais o tipo de crimes que levavam à perda ou o facto de existirem muitos naturalizados que perdiam a sua cidadania original e não poderiam ficar sem nacionalidade.

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"O TC considerou, e bem no meu entender, que determinados crimes comuns", como "posse de arma, ofensa à integridade física ou crimes sexuais", não podem "justificar a perda da nacionalidade, mas deixou a porta aberta que crimes que sejam atentados aos interesses vitais do Estado possam levar a acarretar uma perda", explicou a jurista.

Agora, para que haja a possibilidade de perda de nacionalidade, será necessário tratar todos os cidadãos por igual, independentemente de serem nacionais ou naturalizados, de modo a que não haja uma "violação do princípio da igualdade" e "não me parece que o Parlamento queira estender" a medida a todos os cidadãos.

O discurso político, considerou, tem visado algumas nacionalidades como causadoras de problemas e, nestes casos, a nova lei acabava por ter uma série de limitações na sua aplicação, porque países como a China, Bangladesh, Nepal, Índia ou Paquistão não permitem a dupla cidadania.

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Pelo contrário, esta lei iria "prejudicar as pessoas que são de países que permitem a dupla nacionalidade", como são os casos dos lusófonos, exemplificou Ana Rita Gil.

O TC pronunciou-se apenas sobre os pedidos do PS, como impõe a lei, mas existem outros pontos que podem suscitar dúvidas nos juízes, caso a lei seja aprovada, avisou a jurista.

O PS "fez as perguntas sobre normas que tinha mais certeza que eram inconstitucionais, mas há outros pontos a analisar", explicou, dando exemplo ao aumento das exigências para o acesso à nacionalidade por menores nascidos em território nacional ou desacompanhados que estejam institucionalizadas como normas que incorrem nesse risco.

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Uma questão que Ana Rita Gil considera não ser inconstitucional mas que pode levantar dúvidas são os prazos diferenciados no acesso à nacionalidade entre naturais de países lusófonos e do resto do mundo.

"Acredito que o tribunal pode ser vir a ser chamado a pronunciar-se", embora "eu ache que não é inconstitucional, mas é uma questão que pode ser estudada". Outra matéria é o "requisito de ter meios económicos suficientes para se ser naturalizado no regime de naturalização comum", uma exigência que também levanta dúvidas porque cria diferenciação no acesso a um direito.

Sobre as quatro normas que foram chumbadas pelo TC, a nova lei terá de as expurgar ou alterar e Ana Rita Gil espera que o Parlamento não abra o precedente de desafiar os juízes e forçar a aprovação da lei com uma maioria de dois terços, alcançável através dos votos dos partidos de direita.

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Se isso for feito, "mais tarde, em sede de fiscalização sucessiva, o diploma será sujeito a fiscalização do TC" e se for declarado inconstitucional terá de regressar ao parlamento.

"Nunca concordei muito com esta norma de se poder superar o voto de inconstitucionalidade" através de um voto de uma maioria de dois terços, disse à Lusa Ana Rita Gil, considerando que essa solução iria criar um impasse jurídico no país sem precedentes.

Isto porque a "decisão do TC não é propriamente uma decisão que reflita as maiorias" parlamentares do momento, mas sim o respeito do texto legal.

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"Nós temos o princípio do Estado democrático e o princípio do Estado de Direito e o TC, o que faz muitas vezes, é defender o direito das minorias que não têm voz no Parlamento", explicou a professora universitária, que saudou a decisão do PSD, que já disse que vai respeitar o chumbo.

"O governo está vinculado à Constituição e o tribunal é o guardião da Constituição", resumiu, considerando que mesmo uma revisão não irá afetar os fundamentos que levaram a estas decisões.

"O princípio da proporcionalidade não é algo que será mudado. Não é possível fazer uma lei, e muito menos uma Constituição, à medida de casos isolados", acrescentou.

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