Manuela Ferreira Leite diz que há "défices virtuosos" para a economia se valores forem controlados
Economista considerou que a redução do défice desde a intervenção da 'troika' deveria ter sido feita "de uma forma bastante mais equilibrada".
A antiga ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite defendeu esta segunda-feira que há "défices virtuosos" para a economia se os valores forem controlados, alertando para os efeitos contraproducentes de cortes da despesa no investimento público.
Numa conferência sobre as propostas fiscais do Orçamento do Estado para 2026 (OE2026), realizada esta segunda-feira em Lisboa no CCB pela sociedade de advogados RFF Lawyers, a antiga presidente do PSD afirmou que "um défice orçamental não é, por si só, imediatamente negativo" e que, ao invés, "verdadeiramente negativo" para uma economia é "a forma como se atinge esse défice, seja ele de que dimensão for".
Manuela Ferreira Leite ressalvou não ser favorável ao regresso aos défices orçamentais, mas vincou que a prossecução de determinados objetivos orçamentais pode ter consequências, calcificando o atual momento orçamental como sendo o da "construção possível" depois de uma década de recuo no investimento público.
"Sou verdadeiramente contra a forma como se atinge esse défice orçamental. Há défices orçamentais que, em termos económicos, são bem-vindos, são virtuosos. Há algumas virtualidades em défices orçamentais, desde que sejam, evidentemente, verdadeiramente equilibrados. Um défice orçamental não é, por si só, imediatamente negativo", salientou.
Ferreira Leite frisou que sempre foi contra uma redução do défice sem se medir as consequências dos cortes no investimento público, nomeadamente no "abandono de um determinado tipo de funções" do Estado.
Na leitura da ex-ministra das Finanças de Durão Barroso (2002-2004), a suspensão de investimento "absolutamente essencial" tem consequências negativas "no funcionamento de uma economia, especialmente na prestação de serviços sociais".
Ferreira Leite faz um paralelismo com a situação de uma família endividada, comparando essa estratégia de gestão das contas públicas ao esforço feito pelos pais para pagar uma dúvida se tal implicar a má alimentação dos filhos ao ponto de os descendentes ficarem num estado físico e psicológico negativo.
"Se o tivesse feito à custa de trabalho adicional que me desse maiores rendimentos e, simultaneamente, tivesse tomado a decisão de cortar na despesa que atinge nomeadamente o nível de alimentação dos meus filhos, realmente assim, evidentemente, resolvi um problema, mas deixei os meus filhos em muito mau estado, não só físico como intelectual", comparou.
Se o fizesse, disse, estaria a prosseguir um "determinado tipo de objetivo cujos meios utilizados têm piores consequências" do que aquelas que resultariam se o défice fosse "reduzido de forma mais gradual".
A economista considerou que a redução do défice desde a intervenção da 'troika' deveria ter sido feita "de uma forma bastante mais equilibrada".
Se, por um lado, foi possível baixar o défice (e passar a um excedente), houve, por outro, consequências para "setores de apoio social", como a educação e a saúde, vincou. "Destruir é fácil, reconstruir é mais difícil", disse.
Questionada pela Lusa no final da intervenção se, com esta posição, defende que este seria o momento para Portugal ter um défice, mesmo que reduzido, em vez de um excedente, e assim investir nessas áreas, a antiga presidente do PSD esclareceu que não.
"Estou a dizer que o défice controlado não é 'às cegas'. Não é dizer: 'Acabou o investimento'", respondeu, dizendo que fazer um corte no investimento "a todo preço não vale a pena", porque, se assim for, a redução do défice "não é real".
Neste momento, "há a construção possível, mas não a necessária para corresponder a dez anos de destruição", completou.
Na proposta de OE2026, que começa esta segunda-feira a ser discutida na generalidade, o Governo prevê um excedente de 0,1% do PIB em 2026.
Na análise à iniciativa, o Conselho das Finanças Públicas (CFP) refere que "a previsão de um saldo orçamental positivo em 2026 está em parte sustentada em receita temporária, que pode não se repetir nos anos seguintes, ao contrário da despesa que se mantém permanente".
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