Pinto Balsemão, uma figura ímpar da política e da comunicação

Ex-primeiro ministro morreu esta terça-feira aos 88 anos.

21 de outubro de 2025 às 23:10
Francisco Pinto Balsemão Foto: Bruno Colaço/Correio da Manhã
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Francisco Pinto Balsemão morreu esta terça-feira aos 88 anos. Nascido a 1 de setembro de 1937 na casa de saúde das Amoreiras, quando veio ao mundo, já os pais tinham 40 anos de idade e tinham passado, há não muito tempo, pela dor de perder uma filha com pouco mais de um ano. "Eu era a última hipótese de terem um descendente" contou na sua autobiografia 'Memórias' lançada em 2021. Os pais tudo fizeram para o proteger e por isso dizia que a casa onde viveu, na Lapa, era como uma "gaiola onde se sentia preso". 


Depois de dez anos encerrado "nas fronteiras familiares", Francisco viu a sua vida mudar com a entrada para o liceu Pedro Nunes, uma mudança que provocou "uma revolução" na sua vida. "Em Outubro de 1947, fiquei pela primeira vez na minha vida, entregue a mim próprio, e isso implicava coisas tão óbvias como andar de elétrico ou ter um comportamento normal nos recreios e na reação aos tratamentos que os caloiros recebiam". O Pedro Nunes, era um liceu misto "o que era uma coisa fantástica para os anos 40". As aulas e o recreio eram, contudo, em separado, mas um erro burocrático, no segundo ano, colocou Francisco Pinto Balsemão na turma feminina, "entre 40 raparigas". Durou apenas uma semana, "mas foi um sucesso que consolidou em definitivo a minha implementação no Pedro Nunes". Sempre foi bom aluno, mas o seu calcanhar de aquiles era o Desenho, disciplina à qual nunca foi além dos 13 valores. A falta de jeito tinha uma razão de ser: Francisco era canhoto mas sempre fora obrigado a fazer tudo com a mão direita. 
    
Nos sete anos de liceu, fez futebol e foi campeão de ténis de mesa. Na vida desportiva experimentou a prática da vela no Dafundo e dedicou-se a nadar grandes distâncias em provas de resistência na Baía de Cascais. Jogou ténis e até participou de torneios onde marcava presença o rei Juan Carlos de Espanha. Andou pelo hóquei em patins, pelogolf e bem mais tarde pelo surf, já por influência do filho Henrique.       

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Depois do Liceu, ingressou, aos 17 anos, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde completou a licenciatura em direito. "Na altura entravam 500 alunos e saiam apenas 100 licenciados. Em cada cinco apenas um concluía o curso". Entre os professores que mais o impressionaram esteve Marcello Caetano. "Nunca se limitava, como outros, a seguir as sebentas”. Na altura andava de Vespa pela cidade, ao volante da qual deu várias quedas e por causa da qual foi várias vezes parar ao hospital. Um tempo depois, receando pela sua vida, os pais deram-lhe o primeiro automóvel.  Cumpriu serviço militar na Força Áerea Portuguesa e foi ajudante do coronel Kaúlza de Arriaga. Foi aí que teve o seu primeiro contacto com a imprensa, ao ser nomeado chefe de redação da revista 'Mais Alto', o meio de informação oficial da Força Aérea.   


A carreira nos Media
Em 1963, com 25 anos, Francisco Pinto Balsemão chegou ao lugar de secretário de redação (que até à data não existia) do jornal 'Diário Popular' fazendo a ligação entre o diretor e a redação. A sua chegada foi "vista com desconfiança" por ser sobrinho e filho de acionistas importantes da sociedade industrial de imprensa ("tinhas as costas protegidas", reconhecia), mas depressa conquistou a redação. Lutou pela instalação do velhinho telex e criou edições para o Norte, Centro, Sul e Lisboa. Admitiu mulheres na redação quando ainda "havia o preconceito tonto que o mundo do jornalismo era um mundo de homens... Não foi fácil para elas porque tiveram que fingir que não ouviam os palavrões e de suportar algumas discriminações, mas o preconceito desfez-se". No Diário Popular criou talvez das primeiras secções sobre vida social na imprensa portuguesa com o espaço 'Bisbilhotices' de Vera Lagoa (Maria Armanda Falcão). Balsemão esteve no 'Diário Popular' durante sete anos e foi lá que ganhou a sua paixão pelo jornalismo. “Aprendi muito no Diário Popular e tenho uma certa pena quando verifico, nos perfis que escrevem sobre mim, que esses anos são esquecidos”, dizia.


Fundador do Expresso, teve o apoio, em todo o processo, de Francisco Sá Carneiro que, segundo chegou a dizer, "acompanhou as dores de parto do nascimento" do jornal. "Ouvia-me, dava-me conselhos e tentava apaziguar asminhas inquietações”. Quando fundou o Expresso, Francisco Pinto Balsemão tinha 34 anos e o grande objetivo de provar à família que era capaz de criar de raiz um projeto inovador na área dos media inspirado no jornalismo anglo-saxónico. "Queria sair da asa protetora da família". No projeto investiu parte do dinheiro que arrecadara com a venda da sua cota na sociedade que detinha o 'Diário Popular'. 

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Mas os primeiros anos do projeto não foram fáceis. O próprio nome de 'Expresso' não agradou a amigos e conhecidos de Francisco Balsemão e nem sequer à equipa contratada para o projeto. Foi inclusive feito um estudo de mercado, cujos "resultados não foram bons", "porque a maioriados inquiridosassociava a palavra a... comboio". Balsemão não cedeu e manteve o nome. Mas houve sobretudo dificuldades do ponto de vista político. No livro 'Memórias', Balsemão viria mesmo a recordar:“Se a Revolução não tivesse chegado, o Expresso teria acabado por definhar. Entre 1973 e abril de 1974 levou mais de quatro mil cortes da censura”. Balsemão foi diretor do Expresso até 1979, ano em que foi sucedido por Marcelo Rebelo de Sousa, ele que já era jornalista do título.


Foi com o Expresso como título principal, que Balsemão constituiu um dos maiores grupos de comunicação social da história dos Media em Portugal, a Impresa. Foi com ela que entrou no mercado da televisão com a criação da SIC, da qual foi presidente do Conselho de Administração até à data da sua morte. O canal arrancou a 6 de Outubro de 1992 como primeiro canal privado em Portugal, marcando o fim do monopólio da RTP. "Não tivemos medo de arriscar e de apostar numa informação livre e independente e no entretenimento diferente do existente", dizia em 2017 ao 'Negócios'. 


Para além do 'Expresso', a Impresa detém ou deteve ainda, por exemplo, a versão portuguesa do jornal Courrier Internacional, o jornal Blitz, Jornal de Letras, e as revistas Visão, Exame, Exame Informática, Caras, Activa, TV Mais, Telenovelas ou Caras Decoração.

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A vida política
No início da sua vida política, que corresponderam aos últimos anos do Estado Novo, Francisco Pinto Balsemão foi deputado independente à Assembleia Nacional, representando a Ala Liberal, formada por políticos adeptos de uma liberalização do regime e dos quais faziam ainda parte, entre outros, Francisco Sá Carneiro ou Mota Amaral. A 6 de maio de 1974, fundou precisamente com Sá Carneiro e Joaquim Magalhães Mota, o Partido Popular Democrata (PPD), tendo sido o militante número 1. 

A implantação do PSD no terreno, no entanto, incomodou muita gente. Antes do 'Verão Quente', Balsemão foi mesmo vítima, em janeiro de 1975, de uma ação terrorista com o objetivo de o intimidar. "Foi a explosão cobarde de uma bomba, debaixo do meu carro no jardim de minha casa... nunca percebi e as autoridades policiais nunca se preocuparam minimamente em investigar se se tratou de uma acção de extrema esquerda como foi proclamado ou de extrema direita, porque uma parte da classe social em que me integro nunca me perdoou o meu posicionamento antes e depois do 25 de Abril. Sempre me consideraram um traidor". Balsemão andava pelo Canadá e a explosão apenas resultou em alguns vidros da casa partidos e na destruição, em parte, do seu Porsche 356 "comprado em segunda mão", que manteve até ao final dos seus dias.   

Francisco Pinto Balsemão foi deputado e vice-presidente da Assembleia Constituinte, de 1975 a 1976 e nas eleições de 1979, 1980 e 1985 foi eleito deputado à Assembleia da República. Foi Ministro de Estado Adjunto no VI Governo Constitucional, com Sá Carneiro como Primeiro-Ministro (após a vitória por maioria absoluta da AD nas eleições legislativas intercalares de dezembro de 1979). 

Depois da tragédia de Camarate (que resultou na morte de Sá Carneiro), Francisco Pinto Balsemão foi eleito presidente do PSD pelo Conselho Nacional e designado pelo partido para assumir o cargo de primeiro-ministro, a 13 de dezembro de 1980. Assumiu uma agenda reformista que ficou marcada pela aprovação da histórica revisão constitucional de 1982, tendo concluído ainda as negociações com Bruxelas que permitiram a adesão de Portugal à então CEE. A 4 de setembro de 1981 tomou posse como primeiro ministro do VIII Governo Constitucional. 


Uma vida de prémios de condecorações
Figura incontornável da vida social, política e empresarial portuguesa, Francisco Pinto Balsemão foi reconhecido ao longo da sua vida e carreira com as mais variadas distinções e prémios, a nível nacional e internacional.  Em Julho de 1993, por exemplo, foi distinguido pela imprensa estrangeira com o 'Prémio Personalidade do Ano' e em 2002 eleito 'Empresário do Ano' pelo Rotary Clube de Lisboa (prémio que voltaria a receber em 2011). Em 2010, recebeu o doutoramento Honoris Causa pelas universidades Nova de Lisboa e da Beira Interior e em 2023 pela Universidade Lusófona. Em discurso na altura Balsemão dizia que mundo estava "inquieto, feio, belicoso e desconfiado” e que “Portugal estava lento e sonolento, onde tudo demora, principalmente o que depende do Estado”. 

No que toca a condecorações, foi agraciado, em 1973, com o título de Grande-Oficial da Ordem de Benemerência de Portugal; em 2006 com a Grã-Cruz da Ordem Infante D.Henrique e em 2011 com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade. A última condecoração tinha-lhe sido atribuída em Março de 2025: a Grã-Cruz da Ordem de Camões. Pela Bélgica recebeu, em 1981, a Grã-Cruz da Ordem da Coroa; pelo Brasil, em 1982, a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul do Brasil; pela Itália, também em 1982, o título de Cavaleiro de Grã-Cruz da Ordem do Mérito da República Italiana; pelo Vaticano, em 1983, o título de Cavaleiro de Grã-Cruz da Ordem de Pio IX do Vaticano ou da Santa Sé; e por Espanha, em 1989, o título de Excelentíssimo Senhor Grã-Cruz da Real Ordem de Isabel e Católica.

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Os amores e a família
Casou pela primeira vez com Maria Isabel de Lacerda Rebelo Pinto da Costa Lobo e da relação nasceram os filhos Mónica (da Costa Lobo Pinto Balsemão) e Henrique (da Costa Lobo Pinto Balsemão). Realizou o seu segundo casamento com Maria Mercedes Aliu Presas (Tita) com quem teve também dois filhos, Joana (Presas Pinto Balsemão) e Francisco (Pedro Presas Pinto Balsemão). Fora do casamento, teve um filho (Francisco) de Isabel Maria Supico Pinto. Numa biografia sobre Balsemão editada em 2017 ('Francisco Pinto Balsemão - o patrão dos Media que foi Primeiro Ministro'), Joaquim Vieira revelava uma carta de Isabel a dizer que Balsemão havia insistido para que ela fizesse um aborto. "Já depois de a criança nascer telefonou-me pedindo-me que não chamasse Francisco ao bebé e pedindo-me ainda que eu negasse que ele era o pai da criança, se alguém me perguntasse, isto com promessas de proteger encapotadamente a criança". Só a 28 de janeiro de 1975 houve sentença no Tribunal Cível de Lisboa, reconhecendo o menino de quatro anos como "filho ilegítimo de Francisco José Pereira Pinto Balsemão para todos os efeitos legais".


Os últimos anos
Em 2021 lançou, pela Porto Editora, um livro de ‘Memórias’ que vendeu mais de 17 mil exemplares. No início de 2025 passou-o para Podcast com uma particularidade: entregou a sua narração a uma voz criada por inteligência artificial. “Utilizei o que se poderá chamar a minha inteligência natural para escrever as mais de 1000 páginas das minhas memórias. Achei que, para as ler para este novo podcast, já podia e devia contar com uma ajuda da inteligência artificial. Foi um desafio que aceitei prontamente. Sou um apaixonado pelas novas tecnologias, por aprender coisas novas, mesmo com a minha simpática idade de 87 anos", justificava. 

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