Na freguesia do Couço, concelho de Coruche, o PCP é quem mais ordena. Não surpreende: ‘metade’ da freguesia foi presa e torturada por reivindicar melhores condições de trabalho. Já lá vão 50 anos, mas o passado continua vivo na memória dos que ficaram.
Seis dias e seis noites de tortura, seis meses de prisão em Caxias. Símbolo da resistência camponesa em terras do Ribatejo, a vida de Maria Rosa Viseu, hoje com 69 anos, confunde-se com a da gentes do Couço – freguesia de Coruche onde os comunistas coleccionam maiorias absolutas.
“Não tínhamos nada”, repete uma, duas, três vezes, à medida que cerra o punho, outrora erguido. Já passou meio século, mas é como se fosse ontem. Lembra-se de tudo, sem esforço. De quando em vez, emociona-se. Troca as palavras pelo silêncio, morde o lábio para fugir às lágrimas. “Trabalhávamos 13 a 14 horas por dia. Do nascer ao pôr do sol. Sem ordenado fixo, sem férias, sem subsídio de Natal nem 13.º mês, sem feriados, sem fins-de-semana. Havia quem andasse a pé mais de 15 quilómetros por dia. Não tínhamos onde deixar os filhos, não tínhamos dinheiro, era uma vida de miséria. Não podíamos continuar assim”.
Foi num comício de apoio à eleição de Humberto Delgado – onde ouviu falar de exploração, de escravatura, da vida miserável dos camponeses – que Maria Rosa Viseu ganhou conciência política. Corria o ano de 1958, altura em que abraçou o partido. Chegara o momento de dizer ‘basta’.
O grito de revolta passava de boca em boca, sussurrado ao ouvido, quando o povo se reunia em grandes piqueniques. “Enquanto uns tocavam e dançavam, os outros discutiam o que se havia de fazer”, conta Maria Rosa Viseu. “Em 1960 decidimos avançar. Preparámos um caderno reivindicativo, exigindo melhores condições de trabalho e fomos em frente”.
Saiu-lhes cara a ‘brincadeira’. Em Dezembro desse ano, a GNR prendeu 35 trabalhadores e entregou-os à Pide. Seis eram mulheres. Entre elas, Maria Rosa Viseu. Tinha 25 anos. “Foram seis dias e seis noites de tortura. Espancaram-me, queimaram-me com cigarros, privaram-me do sono, humilharam-me. Depois meteram-me meio ano na cadeia. Sofri muito, mas resisti”.
A história de Maria Rosa Viseu não difere muito da de quem viveu no Couço durante o período salazarista. Uma história de luta por condições de vida condignas, apadrinhada e incentivada pelo Partido Comunista.
Joaquim Galvão, de 67 anos. escapou à cadeia, mas não se livrou da vida que o destino reservou ao Couço. “Aos dez guardava porcos, aos 15 fui guardar vacas, para ajudar nas despesas da casa. Não passávamos fome, mas saía-nos bem do corpo. Trabalhava-se de sol a sol e quem protestava ia preso”, recorda.
Narcisa Silva Aleixo, 57 anos, comunista desde 1974, também não esquece o passado de privações. “Era uma vida terrível. No Inverno arrancáva-se mato, no Verão íamos para a monda do arroz. Ganhava-se uma miséria e havia quem não tinha para comer. Era trabalhar, trabalhar, trabalhar”.
Os exemplos podiam multiplicar-se. Em cada rosto do Couço há uma história para contar.
Hoje, os tempos são outros, mas, no dizer do presidente da Junta, Diamantino Ramalho, “a luta continua”.
"NÃO ESTAMOS SATISFEITOS"
“Ninguém nasce comunista, mas dificilmente depois de tudo por que lutámos e dos sacrifícios que fizemos”. Quem o diz é Diamantino Ramalho, 67 anos, que se tornou comunista em Caxias, onde esteve preso durante seis meses, em 1958. “Andei um mês fugido, só comia melancias”, conta o presidente da Junta de Freguesia do Couço.
Quando decidiu entregar-se, tentou negociar a detenção, mas acabou traído. “Na altura, não tinha nada a ver com o PCP. Vivia revoltado com a situação, mas não era militante do partido. Por isso, pensei que me iam interrogar e, depois, mandar-me embora”.
Puro engano. “Foram buscar-me ao trabalho. Começaram a dar-me coronhadas com a espingarda e, quando dei por mim, já estava na Pide, em Lisboa. Torturaram-me dias e fio e mandaram-me para Caxias, onde estive durante seis meses. Foi aí, no convívio com outros presos políticos, que me tornei comunista”.
Para Diamantino Ramalho, “a luta do povo do Couço foi um contributo importante para o 25 de Abril”.
“Foram muitas as conquistas antes da Revolução, como as oito horas de trabalho, e o 25 de Abril trouxe-nos a possibilidade de podermos falar livremente. Mas o combate está longe de ter terminado. A miséria continua. Há muita gente a viver do rendimento mínimo, do subsídio de desemprego, de esmola. Não podemos estar satisfeitos”.
No centro da freguesia ergue-se um monumento que perpetua a luta dos trabalhadores do Couço. “É uma forma de render homenagem ao povo que lutou por uma vida melhor”, explica Diamantino Ramalho, presidente da Junta.
A estrutura é composta por cinco espirais, que se ‘levantam’ do chão e unem-se a meio, num abraço. Na extremidade, forma-se uma estrela virada para o céu, em busca da liberdade. Cada espiral representa 40 anos de prisão do povo do Couço.
O conjunto das cinco, 40 anos de tortura. As espirais são constituídas por pequenos blocos de pedra, onde estão inscritas as diversas jornadas de luta. Uma luta reconhecida oficialmente pelo Estado português, a 10 de Junho de 2000, quando o Presidente da República, Jorge Sampaio, condecorou o povo do Couço com a Medalha Honorária da Ordem da Liberdade.
JERÓNIMO
O novo secretário-geral do PCP merece a aprovação dos comunistas do Couço, se bem que haja quem gostasse de ver à frente do partido um rosto mais jovem. Seja como for, o importante é ser comunista. Mesmo que o nome fosse outro, os militantes da terra não deixariam de colocar a cruzinha na CDU.
RENOVADORES
Haverá renovadores, mas não se dá por eles. Tidos pela ‘linha dura’ como elementos aos serviço do Partido Socialista, com o objectivo de desagregar o partido, os comunistas do Couço garantem, alto e bom som: “A renovar andamos nós todos os dias”.
BLOCO
Reconhecem que o Bloco de Esquerda não favorece a CDU, embora não augurem grande futuro ao partido de Francisco Louçã. Uma força política de ocasião, dizem. Não tem militância. Derrete ao sol ou congela com o frio.
CONFIANÇA
Todos esperam um bom resultado nas eleições de 20 de Fevereiro, mas ninguém arrisca um palpite. O medo da bipolarização e a fuga de votos para os bloquistas podem baralhar as contas a nível nacional. No Couço dão a vitória por garantida. E por números expressivos.
PROPAGANDA
A freguesia faz jus ao epíteto de bastião comunista. À entrada da campanha eleitoral, a única força política presente nos cartazes e pendões é a CDU. Nem os socialistas dão um ar da sua graça...
VOTAÇÃO
Nas Eleições Legislativas de 2002, a CDU obteve 54,89 por cento dos votos, contra 30,17 por cento do Partido Socialista. Nas últimas Eleições Autárquicas, em 2001, os comunistas obtiveram uma vitória esmagadora: 61,94 por cento dos votos, contra 26,7 por cento do Partido Socialista.
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