'Campeã do Ozempic' burla Estado em três milhões durante 11 anos
Graça Vargas prescreveu medicamentos a falsos diabéticos que queriam emagrecer. Médica foi detida pela PJ. Já cometia crimes na clínica desde 2014.
Graça Vargas, médica endocrinologista, era já apelidada de ‘campeã do Ozempic’, um medicamento destinado a doentes com diabetes tipo 2, mas que prescrevia para o emagrecimento. Durante 11 anos, a médica - com clínica no Porto - levou a que milhares de medicamentos fossem comparticipados indevidamente, lesando o Estado em mais de três milhões de euros. Foi na quarta-feira detida pela Polícia Judiciária do Porto, na operação ‘Obélix’. Uma outra médica, um advogado e uma empresa foram constituídos arguidos no processo.
A investigação, que corre no DIAP Regional do Porto, apurou já que, na clínica ‘Esensia’, onde era diretora, a médica começou por prescrever, em 2014, outros medicamentos como o Victoza e o Trulicity, também para diabéticos e que inibem o apetite. Depois passou para o Ozempic. Os medicamentos chegam a ser comparticipados a 95%. Cerca de dois mil falsos diabéticos terão beneficiado do esquema ao longo dos anos, mas a PJ do Porto admite que o número poderá aumentar. “Importa agora para a investigação apurar exatamente quem teve acesso a estas receitas e se as pessoas tinham ou não esta doença”, explicou Rui Zilhão, coordenador da investigação.
O esquema criminoso terá levado a que Graça Vargas tivesse um grande número de utentes na clínica, na avenida do Bessa, e lucrasse milhares de euros. Não tinha, no entanto, sinais exteriores de riqueza. Está agora indiciada pelos crimes de burla qualificada e falsidade informática. Será hoje presente a tribunal.
Esquema funciona por passa-palavra
Ao longo dos anos, Graça Vargas ganhou fama e conseguiu angariar cada vez mais pessoas para a clínica através do passa-palavra. Os medicamentos como o Ozempic davam bons resultados, o que levava a que muitos utentes tentassem recorrer à médica.
Na quarta-feira, a arguida foi detida em sua casa, em Matosinhos, e acompanhou durante horas as buscas que a PJ fez na sua clínica. O objetivo foi apreender documentação e também equipamentos informáticos.
A Ordem dos Médicos acompanhou as buscas e já instaurou um processo disciplinar.
Buscas a Norte e no Funchal
A PJ fez ainda buscas em Albufeira e no Funchal, em empresas que seriam de fachada, e em gabinetes de contabilidade em Lousada e Santa Maria da Feira. Neste último concelho corre também no DIAP um outro processo de fraude fiscal, que tem conexão com estas empresas. A Autoridade Tributária esteve assim também nas buscas.
Uma gota de água no oceano
Rui Zilhão
Coordenador de investigação criminal da Diretoria do Norte da PJ
O coordenador de investigação criminal Rui Zilhão, da Diretoria do Norte da PJ, indicou na quarta-feira que “esta investigação representa uma gota de água num oceano” de fraudes ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). Este caso foi investigado durante quatro anos. A operação de quarta-feira envolveu 40 inspetores. A Polícia Judiciária revela grande preocupação com fraudes contra o SNS e criou uma equipa especializada para a investigação destes casos.
Investigação apura dolo por parte dos clientes
A investigação da PJ procura perceber se há dolo por parte dos clientes da clínica, ou seja, se sabiam que estavam a lesar o Estado ao serem beneficiários das prescrições. “Terá de ser analisado pelo Ministério Público”, indica Rui Zilhão.
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