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FECHADO NO QUARTO ESCURO

Jorge Nuno, de quatro anos, estava fechado à chave num quarto escuro da casa pobre onde morava com os tios, no Rosário, Moita. A GNR foi encontrá-lo subnutrido e com picadas de pulga.

23 de outubro de 2003 às 00:00

O tio mais velho, de 21 anos, confessa que “por vezes” o menino ficava sozinho enquanto ia trabalhar. Também “por vezes” eram os vizinhos que o alimentavam. A criança foi resgatada do seu abandono e está agora num centro de acolhimento, onde aguarda que o tribunal lhe decida o futuro.

O alerta chegou à GNR da Moita pelas 14h30 de anteontem. “A denúncia era de que uma criança estava abandonada em casa, fechada num quarto, e que não era alimentada”, afirmou ao CM fonte policial.

Ao chegar ao local, uma casa térrea, alugada e em muito mau estado, a GNR bateu com o ‘nariz’ na porta. “Tivemos de ir procurar um dos dois tios a que o menino estava entregue”, indicou.

O tio mais velho chegou e abriu a porta. A Guarda foi dar com Jorge Nuno trancado no quarto que partilhava com o tio mais novo, de 16 anos. “Estava tudo às escuras. Luzes desligadas e, até, uma pequena janela fechada. O menino estava subnutrido e com falta de higiene, tendo diversas picadas de pulga por todo o corpo”, relatou a fonte.

O quarto, esse, combinava com a ‘descoberta’. Um colchão em cima de tábuas e móveis velhos decorados apenas por uma aparelhagem que há anos não deve funcionar. Um cenário que impressiona.

Sem sinais de maus tratos, a criança tinha, no entanto, pouca vivacidade. “Estava isolada há algum tempo, com ausência de afecto e carinho. Do que se viu no local, a alimentação era muito má. Soubemos que, por vezes, eram os vizinhos que lhe davam de comer”. A GNR levou Jorge Nuno ao Hospital do Barreiro, onde foi visto e medicado e, pelas 17h45, entregue no Centro de Acolhimento ‘O Palhacinho’, da Santa Casa da Misericórdia do Barreiro.

Os tios do menino, Ricardo Caseiro, de 21 anos, e Rúben, de 16, admitem que o petiz ficava “por vezes” sozinho. “Era quando eu tinha de ir trabalhar e o meu irmão saía de casa. Mas fome não passou. Nas minhas mãos esteve sempre bem”, assegurou Ricardo ao CM.

“A culpa é da mãe [uma jovem de 18 anos], minha irmã, que o abandonou há quase um ano. Ela queria estar livre para ir a discotecas e isso. Até já está grávida de outro filho...”, afirmou Ricardo.

Ricardo e o irmão vivem sozinhos. “A nossa mãe está internada. Ela gosta muito do neto. Nós também. Sempre o aceitámos bem. Mas confesso que, agora, sei que não é maneira de tratar uma criança.”

Os dois tios do menor foram identificados pela GNR e o caso transitou para o Tribunal de Família e Menores do Barreiro.

S.O.S. CRIANÇA RECEBEU ALERTA

O alerta para a situação de Jorge Nuno partiu de vizinhos da casa pobre da Rua Alexandre Herculano, que anteontem ligaram para a Linha S.O.S Criança. Foi esta que alertou a GNR da Moita.

A Linha S.O.S. Criança, do Instituto de Apoio à Criança, funciona desde 1998, de segunda a sexta-feira, das 09h30 às 18h30, pelo telefone 800202651. Com técnicos de serviço social, psicologia e educadores de infância, a linha é maioritariamente usada por mulheres adultas para denunciar casos de crianças em risco. Estes são encaminhados para as entidades locais que podem solucionar o caso (protecção de menores e segurança social).

Este ano, só até Julho, a S.O.S. Criança já tinha recebido, entre outras, 214 denúncias de crianças em risco, 152 de maus tratos dentro da família e 90 de negligência (ausência de cuidados).

BEM E COM MIÚDOS

Jorge Nuno, que completou os quatro anos em Março, encontra-se no ‘Palhacinho’ e, segundo a directora da instituição, Anabela Saramago, “está bem” e brevemente será encaminhado para o pediatra do centro, que o irá avaliar. O petiz já brincou com algumas da 17 crianças até aos 12 anos que estão internadas naquele local.

COMISSÃO 'ATADA'

A Comissão de Protecção de Crianças e Jovens da Moita viu--se de ‘mãos atadas’ para intervir no caso, já que, para tal, precisa da autorização dos pais do menor. Como o paradeiro deles é desconhecido apenas puderam encaminhar o caso para o Tribunal de Família e Menores do Barreiro, a quem caberá decidir o futuro do Jorge Nuno.

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