O padre Júlio da Silva Lemos não guarda ressentimentos dos dois reclusos que o sequestraram na manhã de domingo durante a celebração da missa na capela da cadeia de Pinheiro da Cruz. O sequestro durou 20 longas horas – com medo e ameaças de morte – até as Operações Especiais da GNR terem conseguido enganar os dois reclusos. Estacionaram um carro à porta da capela e disseram aos sequestradores que era para a fuga (a sua única exigência era a liberdade). Quando os apanharam na rua, os militares deram-lhes um choque com as novas pistolas Taser e libertaram o padre.
“Trataram-me melhor do que algumas pessoas cá fora. Os dois já estão perdoados”, foram as únicas palavras do pároco da freguesia de Melides, Grândola, no final da missa que ontem à tarde celebrou na Igreja de Santiago do Cacém, acompanhado por outros dois padres que o acolheram na Casa Paroquial, onde dormiu após ter estado sob ameaça de morte.
Na missa, que contou com a presença do pai, irmão, cunhada e uma sobrinha (vindos de Gaia), o padre Júlio agradeceu o apoio dos fiéis e amigos. Momentos depois, disse ao CM que não sabia se iria estar na missa de agradecimento pela “protecção divina” organizada pela sua paróquia em Melides, onde se encontra desde a ordenação, em 2003.
O sacerdote, que apresentava um golpe no queixo e não se deixou fotografar, esteve durante 20 horas sentado em frente ao altar com as mãos amarradas às costas de uma cadeira e com uma arma branca apontada à garganta. Segundo o CM apurou, terá sido ameaçado de morte momentos antes da sua libertação. Os sequestradores, que exigiam sair da cadeia em liberdade, informaram os negociadores de que iriam matar à facada o capelão da maior cadeia do País e que se suicidavam caso não fizessem o que pediam.
Face às intenções dos reclusos, um dos quais a cumprir 25 anos de prisão por um crime de homicídio, e conhecendo a situação de debilidade física em que se encontrava o pároco, as autoridades decidiram avançar, minutos antes das 06h00, com o plano de libertação do pároco.
A GNR e os negociadores da PJ convenceram os dois reclusos que lhes seria satisfeita a exigência de ter um carro para fugir rumo à liberdade que reclamavam. O veículo foi colocado em frente à entrada principal da capela, a alguns metros da porta, junto aos degraus de acesso.
Quando os reclusos saíram ladeando o padre Júlio Lemos, as Operações Especiais da GNR atingiu-os com as novas Taser (armas não letais que imobilizam por descarga eléctrica), dominando-os de seguida. Depois de atingidos, os presos caíram nos degraus e feriram-se, sobretudo na cabeça, tendo um deles carecido de tratamento hospitalar.
PRESOS TENTARAM SALVAR
Júlio Lemos, de 37 anos, chegou em 2002 a Pinheiro da Cruz e esteve um ano como diácono. Ajudava o capelão Adalberto Tacanho Saraiva, que se reformou em 2003. Nesse ano foi ordenado padre pelo bispo de Beja, D. António Vitalino, com quem mantém uma relação de amizade.
A morar perto da cadeia, o padre Júlio convivia com os reclusos e chegava a passar a noite de Natal na prisão. Nas visitas não queria segurança, apesar de já ter sido assaltado no interior da cadeia.
Os dois indivíduos que o sequestraram tinham sido transferidos há dois meses do Estabelecimento de Vale de Judeus, em Alcoentre. Eram ainda desconhecidos do padre e não se tinham metido em problemas.
Na manhã de domingo, cerca de 20 reclusos assistiam à missa. ‘Tó’, a cumprir 25 anos de prisão por homicídio, e ‘Francês’, condenado a cinco anos por roubo, estavam armados com duas facas, surpreenderam o padre e obrigaram--no a ir para a sacristia.
Os outros reclusos ainda o tentaram proteger e quiseram fazer justiça com as próprias mãos, mas o padre ordenou que se retirassem da capela. O padre Júlio só saiu passadas 20 horas.
UM DELES É MEDICADO
Os dois sequestradores viviam na zona de Lisboa antes de serem presos e são tidos como relativamente perigosos, já que um, ‘Tó’, de 54 anos, está condenado a 25 anos de prisão por homicídio e o mais novo, ‘Francês’, de 35, além de cumprir uma pena de cinco anos por roubo aguarda outros processos. ‘Francês’ está regularmente sob medicamentação e é o mais brigão, tendo já sofrido algumas punições em cela disciplinar, por zaragatas com outros detidos em Vale de Judeus. Ambos estão agora em cadeias de Lisboa e vão ser presentes a Tribunal pelo sequestro.
A Companhia de Operações Especiais (COE) começou na passada semana a testar as pistolas eléctricas Taser e já as aplicou na prática, ontem de madrugada na cadeia de Pinheiro da Cruz. Estas armas têm a vantagem de evitar a luta corpo a corpo com o detido. Disparam dois espigões de metal, presos à arma por fios de cobre que permitem a passagem de uma corrente eléctrica. A descarga deixa o alvo prostrado, o que permite a sua detenção. Os militares do COE são chamados a intervir em cenários de risco. Já passaram pelo Iraque e actualmente encontram-se em missão em Timor.
POVO ESTEVE EM VIGÍLIA
Natural de Vila Nova de Gaia e adepto ferrenho do Porto, Júlio Lemos chegou a Melides há quatro anos. “Como não conhecia ninguém, o meu irmão, já falecido, meteu conversa com ele e convidou-o para vir jantar a casa”, lembrou a paroquiana Maria do Rosário. O padre Júlio ficou amigo da família. “É como meu filho. Estas horas foram tão difíceis para ele como para mim. Não dormi a pensar no seu sofrimento. Mas como era amigo de todos os reclusos acreditei que não lhe fariam mal”, disse. A população de Melides esteve na noite de domingo em vigília na igreja pedindo a protecção de Deus para o padre. Ontem, pelas 21h00, voltou à igreja em agradecimento “pela ajuda e protecção de Nossa Senhora de Fátima e de Nossa Senhora do Rosário (padroeira da aldeia)”, disse Maria Delmira.
LIDEROU TENTATIVA
‘Francês’ liderou, em Junho de 2000, uma tentativa de fuga da cadeia de Custóias (Matosinhos). Era o único português do grupo. Os outros quatro reclusos eram italianos que fizeram dezenas de assaltos armados a ourivesarias e bancos. Serraram as grades e subiram para o pátio. A tentativa de evasão foi descoberta e o guarda na guarita fez fogo de intimidação. Tinham apoio exterior (um carro com cordas para saltar o muro).
DIRECTOR REFÉM
Uma outra tentativa de evasão, com sequestro do director da prisão, registou-se há 12 anos, na cadeia de Paços de Ferreira. Um grupo de reclusos, que integrava um brasileiro e um cubano, fechou no gabinete o então director, Eugénio Coelho, e exigiu a libertação. Os guardas actuaram e libertaram o director em pouco tempo.
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