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Relatório de Pedrógão Grande critica demora na retirada de populações

EDP afirma que existia faixa de proteção de cabos elétricos, ao contrario do que diz a comissão.

12 de outubro de 2017 às 12:57

O Relatório da Comissão Técnica que avaliou a resposta dos meios de socorro aos incêndios de Pedrógão Grande aponta falhas graves na resposta ao incêndio. E não só no momento quem que as chamas deflagraram, mas antes, quando a prevenção foi negligenciada, num dia em que estavam reunidas condições para um fogo incontrolável. O que veio a acontecer, com um resultado funesto de 64 mortes.

O texto entregue esta quinta-feira na Assembleia da República revela que "... para além das excecionalidades meteorológicas atrás referidas, não houve pré-posicionamento de forças, nem análise da evolução da situação com base na informação meteorológica disponível. A partir do momento em que foi comunicado o alerta do incêndio, não houve a perceção da gravidade potencial do fogo, não se mobilizaram totalmente os meios que estavam disponíveis e os fenómenos meteorológicos extremos acabaram por conduzir o fogo, até às 03h00 do dia 18 de junho, a uma situação perfeitamente incontrolável"..

Além da falha no combate ao fogo, as autoridades tardaram em perceber a necessidade de evacuar localidades, dada a natureza incontrolável do incêndio que estava a lavrar com várias frentes.

EDP afirma que existia faixa de proteção de cabos elétricos em Pedrógão Grande

A EDP Distribuição garantiu hoje que "existia faixa de proteção" dos cabos elétricos que atravessavam a zona onde começaram os incêndios em Pedrógão Grande, no distrito de Leiria, em 17 de junho deste ano.

"Existia a faixa de proteção de cabos elétricos", de acordo com "as normas legais", assegurou hoje à agência Lusa fonte do gabinete de comunicação da EDP Distribuição.

A faixa de proteção "estava limpa", sublinhou a mesma fonte da empresa, adiantado que "a linha [elétrica, no local, onde deflagraram as chamas] não partiu".

De acordo com o relatório da comissão técnica independente (CTI) designada para analisar os fogos de junho na região Centro, hoje entregue na Assembleia da República e tornado público, a linha de média tensão "estava desprovida de faixa de proteção", segundo o relato da GNR.

"O relatório circunstanciado da GNR datado de 26 de julho refere que [o incêndio em Pedrógão Grande] teve origem na linha elétrica, por contacto ou descarga, a qual observámos estar muito próxima da copa das árvores; o ponto de ignição situa-se num troço da linha de média tensão que numa extensão de 500 metros estava desprovido de faixa de proteção".

Marcelo só comenta relatório no sábado

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou esta quinta-feira que pretende ler o relatório sobre os incêndios na região centro até sexta-feira e remeteu declarações sobre o documento para sábado.

O chefe de Estado foi questionado sobre o relatório entregue hoje na Assembleia da República por uma comissão técnica independente à saída de uma cerimónia de entrega de prémios literários, no Casino Estoril.

"O Presidente da República não fala por ter ouvido, tem de ler, e eu não tive tempo para ler", respondeu, referindo que teve "um dia muito cheio", mas já tem o relatório, "devidamente impresso", com "mais de 150 páginas, fora os anexos".

Marcelo Rebelo de Sousa disse que tenciona começar a ler o documento ainda hoje e terminar na sexta-feira, porque tem nesse dia, à noite, "um encontro com a associação dos familiares das vítimas" do incêndio de Pedrógão Grande.

"E no dia seguinte estarei a abrir um colóquio que elas organizam", adiantou, concluindo que espera, no sábado, "estar em condições" de falar sobre o relatório.

António Costa admite que possam ser tiradas responsabilidades políticas do relatório

O primeiro-ministro deu, esta quinta-feira, uma conferência de imprensa sobre o relatório, na qual assumiu que ainda não conseguiu ler a totalidade do mesmo. Por isso mesmo, António Costa deixa as decisões para depois, admitindo, no entanto, que possam ser tiradas responsabilidades políticas das conclusões da Comissão Técnica.

O primeiro-ministro vai reunir com os familiares das vítimas ao longo da próxima semana e estará presente no conselho de ministro extraordinário sobre o tema, marcado para dia 21 deste mês. 

"É importante que o relatório tenha sido divulgado a toda a sociedade portuguesa", defende, assumindo que é necessário leitura e reflexão sobre as conclusões apresentadas. 

Os técnicos listam quatro causas principais para a tragédia ter acontecido:

"1. A incapacidade para debelar o fogo nascente na primeira meia hora após a eclosão, dado o tempo decorrido desde a ignição e os meios empregues em ataque inicial, que foram insuficientes para as condições do dia.

2. Passado esse momento o controlo do incêndio foi-se tornando progressivamente mais difícil pelo crescimento rápido do perímetro, com a cabeça praticamente sempre acima da capacidade de extinção e projeções em número significativo. O combate ao então flanco direito do incêndio foi descurado, o que foi decisivo para a sua rápida expansão, o que se verificou após a mudança na direção do vento registada às 18 horas. Na verdade, após as 16 horas, e particularmente após as 17 horas, a probabilidade de sucesso em deter o incêndio seria sempre reduzida, mesmo na presença de ataque ampliado bem organizado e dispondo de um conjunto reforçado de meios.

3. Eram diminutas as perspetivas de vir a dominar rapidamente o incêndio, informadas  pelas suas características, pela leitura das condições em que evoluía e pelas previsões meteorológicas existentes. Assim, as necessárias medidas de proteção civil (disposições relativas à circulação na rede viária, acompanhamento da população rural, preparação de evacuações) deveriam ter sido equacionadas logo às 16h00-17h00 e cumpridas a partir das 18 horas.

4. As deficiências no comando e gestão da operação de socorro foram agravadas pelas dificuldades de comunicação. Porém, e em face do ponto 2, se a atuação tivesse seguido os padrões em vigor, pouco teria aumentado a efetividade das operações de controlo do incêndio. Pelo contrário, as consequências catastróficas do incêndio não são alheias às opções táticas e estratégicas que foram tomadas."

Incêndio causado por raio que caiu em linha elétrica

O relatório da Comissão Técnica identifica a causa do incêndio, que começou por volta das 14h30 do dia 17 de junho. 

O local da ignição inicial fica "no vale da ribeira de Frades em galeria ribeirinha dominada por carvalho (Quercus robur), num local situado a 0,6 e 4,6 km a norte de Escalos Fundeiros e Pedrogão Grande, respetivamente".

O fogo nasceu de um raio que atingiu uma linha elétrica que passa no local, e que rapidamente se propagou às árvores.

"O ponto de ignição situa-se num troço da linha de média tensão que numa extensão de 500 m estava desprovido de faixa de proteção. De acordo com a Polícia Judiciária trata-se de um incêndio de causa acidental que tem como origem primária a incidência de um raio em linha de média tensão. A evidência é dada pelos danos observados em três pontos distintos nas linhas, com rotura de alguns fios do entrançado metálico (dois pontos num cabo e um ponto noutro), o que é corroborado por engenheiros da EDP, entidade gestora da linha"

Falhas no comando de combate ao fogo

"As medidas que deveriam ter sido tomadas, da responsabilidade do comando, e imediatamente a seguir ao início do incêndio, poderiam ter moderado os efeitos", afirmou o presidente da comissão, João Guerreiro, após ter entregado o relatório de 296 páginas ao presidente do parlamento, Ferro Rodrigues, e aos representantes dos grupos parlamentares, na Assembleia da República, em Lisboa.

Especialmente entre as 15h00 e as 16h00, poderia ter havido uma "antecipação de medidas", designadamente "a retirada das pessoas das aldeias", disse o ex-reitor da Universidade do Algarve, sublinhando que existem "mais de 100 pequenos aglomerados" na zona.

Comandante nacional devia ter tido presença ativa

O relatório dos peritos da Comissão Técnica diz que  "a presença ativa do comandante nacional teria todo o sentido pelo facto de se estar perante uma das piores catástrofes com que o país alguma vez foi confrontado".

O documento adianta que o comandante nacional avocou o comando da operação às 22h00 do dia 17 de junho, quando o segundo comandante nacional Albino Tavares assumiu as funções de comando da operação de socorro (COS), cargo que manteve até às 20h50 do dia seguinte.

Os elementos que viriam depois a assumir funções de COS foram os CODIS (comandante operacional distrital) de Setúbal, Faro e Aveiro, considerados pela comissão técnica independente "CODIS sénior", uma vez que qualquer deles tem mais de 10 anos de experiência na ANPC e levou "organização e competências para ajudar na resolução de uma difícil operação de proteção civil".

"Constatamos assim que quando referimos que o Comando Nacional avocou o comando da operação, essa iniciativa, em rigor, não se ajustou à doutrina vigente. Depois de o COS ser o 2.º CONAC, o comando da operação desgraduou para um CODIS. Enquanto um incêndio não estiver dominado, a doutrina aponta para não desgraduar o seu comando", sublinha o relatório.

Contudo, adianta o documento, esta operação de socorro "exigiria a presença dos operacionais mais qualificados, designadamente do comandante operacional nacional, que deveria ter mantido a avocação desta operação", tendo em conta que foi a "pior e mais fatídica ocorrência no país provocada por incêndio florestal" e onde estiveram "as mais altas individualidades do país".

"Esperava-se que a estrutura do comando nacional, recentemente reforçada, daria garantias de acompanhamento e funcionamento do CNOS [Comando Nacional de Operações e Socorro] para o número de ocorrências que se verificavam no país. Sublinhe-se que mais de 95% das ocorrências foram acompanhadas e resolvidas pelos respetivos comandos distritais", refere ainda o relatório. 

Comandante mandou suspender fita do tempo

O atual comandante operacional nacional da Proteção Civil, Albino Tavares, ordenou, na madrugada de 18 de junho, aos operadores de comunicações para que não registassem mais alertas na fita do tempo do incêndio de Pedrógão Grande, concluiu o relatório.

"É, contudo, excecional que tenha havido uma decisão do COS [comandante das operações de socorro], 2.º CONAC [comandante operacional nacional] Albino Tavares, às 04h56 de 18 de junho, ordenando ao chefe sala do CDOS [Comando Distrital de Operações de Socorro] de Leiria que os operadores de telecomunicações não deveriam registar mais informações na fita de tempo no SADO [Sistema de Apoio à Decisão Operacional] acerca dos alertas que ali recebiam", refere o relatório da comissão independente hoje divulgado.

"A partir daquela hora, todos os alertas deveriam ser comunicados ao PCO [Posto de Comando Operacional] por telefone, e só após validação do mesmo seriam ou não inseridos na fita do tempo do SADO", adianta a comissão nomeada para analisar os fogos de junho na região Centro.

Na altura do incêndio de Pedrógão Grande, Albino Tavares era segundo comandante operacional nacional, estando atualmente a assumir interinamente as funções de CONAC, depois de Rui Esteves se ter demitido deste cargo em setembro

Comissão iliba GNR de direcionar carros para a EN236

O presidente da Comissão Técnica Independente sobre os incêndios na região centro, em junho, excluiu esta quinta-feira qualquer responsabilidade da GNR em direcionar carros para a Estrada Nacional 236, onde morreram dezenas de pessoas.

Questionado pelos jornalistas, após entregar o relatório no parlamento, em Lisboa, quanto às dúvidas colocadas nos dias seguintes ao incêndio sobre se alguém morreu depois de ter sido direcionado pela GNR para EN236, o presidente da comissão foi claro e curto: "Não, não senhor."

PSD diz que "Estado falhou" e responsabiliza MAI e primeiro-ministro

O PSD considerou hoje que o relatório da Comissão Técnica Independente sobre os incêndios confirma que "o Estado falhou" e apontou como responsáveis a ministra da Administração Interna e o primeiro-ministro, que a mantém em funções.

"O PSD não pede a demissão da ministra da Administração Interna porque o PSD não pede a demissão de nenhum membro do Governo, mas chama a atenção de que, a partir do momento em que temos este relatório nas nossas mãos, é absolutamente impossível que o poder político fique alheado destas conclusões", afirmou o vice-presidente da bancada do PSD Carlos Abreu Amorim, em conferência de imprensa no parlamento.

O social-democrata defendeu ainda que, perante as conclusões do relatório hoje divulgado, "está tecnicamente provado" que "o Estado falhou" e, portanto, deve assumir as suas responsabilidades.

CDS-PP diz que "ministra está já demitida"

 O líder parlamentar do CDS-PP, Nuno Magalhães, defendeu hoje que, perante as conclusões da comissão independente aos incêndios na região centro e as declarações do primeiro-ministro, a ministra da Administração Interna "já está demitida, só não sabe quando".

"Acho que perante este relatório e perante até as respostas do senhor primeiro-ministro a senhora ministra da Administração Interna já está demitida, só não sabe é quando", afirmou Nuno Magalhães aos jornalistas, em conferência de imprensa, no parlamento.

Numa "leitura preliminar" ao relatório da comissão técnica independente sobre os incêndios ocorridos em junho em Pedrógão Grande e Góis, o CDS entende que ficou "claro que houve falha de planeamento, houve falha de comando, houve falha de ação, houve falha de meios no local certo e no momento certo".

"Em suma, falhou a competência", vincou.

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