Árabes escreveram sobre epopeia portuguesa mas sem a traduzirem
Académico tunisino, Abdeljelil Larbi, salientou que existe muita coisa escrita pelos árabes, afirmando desconhecer a razão pela qual nunca saiu da comunidade muçulmana.
O académico tunisino Abdeljelil Larbi, tradutor para árabe de "Os Lusíadas", considerou este sábado que a visão dos países muçulmanos sobre Portugal e o Ocidente foi escrita mas não traduzida, optando-se por contar a sua própria história.
Numa entrevista à agência Lusa, e questionado sobre a razão por que os árabes só no século XX começaram a escrever e a traduzir as respetivas visões sobre as cruzadas ou sobre os descobrimentos portugueses e ocidentais, Larbi salientou que existe muita coisa escrita pelos árabes, afirmando desconhecer a razão pela qual nunca saiu da comunidade muçulmana.
"Talvez porque os árabes ficaram aqui sentados, a escrever outras obras a falar da sua própria história, mas era mesmo numa outra perspetiva. De poesia. Existe essa lacuna. Eles falaram disso, mas não foi traduzido para outras línguas. Paradoxalmente, há uma visão negativa dos árabes sobre ocidentais, mas nunca traduzida", sublinhou.
Larbi, que se encontra em Portugal desde 2002, licenciado em Língua e Literaturas Árabes pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas de Tunes, em 1999, salientou que, nesses textos, a primeira visão sobre os descobrimentos portugueses é considerada como "uma invasão".
"Se lermos os relatos que fazem, aquilo é uma invasão, um massacre, uma ofensiva contra as populações. É uma descrição totalmente no sentido negativo. Se lermos hoje um historiador mais académico, aí ele vai ler aquilo dentro do contexto daquela época. Não digo que era normal, mas era frequente estes conflitos entre culturas", justificou.
Larbi, que, a 03 deste mês, foi escolhido para liderar o Centro de Estudos Árabes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, admitiu que ainda não tem "dados suficientes" para definir o impacto da tradução de "Os Lusíadas", de Luís Vaz de Camões, obra publicada em 1572, nem do "leitor especialista ou de investigadores árabes", embora se comecem, agora, a dar os primeiros passos.
"É uma obra bem grande, mas entre académicos, aqueles que estão interessados e têm trabalhos ligados especialmente com a presença portuguesa no Médio Oriente, estão a gostar, descobriram coisas novas", referiu.
Para o académico tunisino, mestre em Estudos Culturais Árabes e Islâmicos da Faculdade de Letras de Manouba de Tunes, em 2003, e doutor em Estudo Literários Comparados pela Faculdade de Ciências e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, em 2020, a leitura de "Os Lusíadas", admite, "é complicada", mas sustentou que tudo ficaria mais facilitado se houvesse uma "leitura moderna". Se calhar, 'Os Lusíadas' também merecem uma outra versão em português, o português moderno", defendeu.
"Ao ler o que Camões descrevia ali naquela altura, especialmente, em casos sobre o comércio, sobre a geografia daquela zona, sobre costumes árabes. Isso é, não uma descoberta, mas uma apresentação, uma leitura, que vem de outra língua, do Português. Acho que os árabes têm interesse em ver como eram naquela altura através da opinião, na visão de um estrangeiro, de uma língua totalmente diferente, de um povo totalmente distante, que nunca tinha um contacto direto", observou.
Já sobre a forma como idealizou traduzir para árabe uma obra vasta como "Os Lusíadas" -- em 2021 também traduziu para árabe o livro "A Mensagem", de Fernando Pessoa --, Larbil, natural de Siliana, 130 quilómetros a sul de Tunes, onde nasceu a 29 de maio de 1975 (50 anos), frisou que o processo se tornou ainda mais difícil por se tratar de um Português arcaico.
"Foi difícil traduzir do português, ainda por cima, arcaico, antigo, para uma língua árabe. Devia haver uma tradução acessível para o leitor atual", propôs.
"Como lidar com alguns conceitos, algumas palavras, nomes. Muitas vezes aquelas expressões que são mais ligadas à mitologia, a mitologia grega, muitas palavras associadas aos astros, com deusas, com figuras portuguesas, também aqui clássicas, muitas vezes é preciso dar uma certa sensibilidade ao leitor. As muitas expressões litúrgicas ou religiosas também foram difíceis de transferir diretamente para o leitor árabe", sustentou.
"Foi uma tradução totalmente integral, totalmente fiel. Muitas vezes dizemos que algumas traduções fazem mais ou menos um resumo. Optam muitas vezes por tirar algumas expressões que acham que são ofensivas para aquela cultura. Tentam tirar, ou alterar, ou modificar. Eu não modifiquei nada. Foi uma tradução totalmente integral, totalmente fiel", concluiu.
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