Grupos parlamentares devem resistir à tentação de aprovar à pressa leis anticorrupção, diz Sindicato dos Magistrados

SMMP reage ao anúncio do PS de que vai deixa cair os acordos de sentença, em nome do consenso parlamentar com o PSD.

02 de novembro de 2021 às 22:22
Adão Carvalho, presidente do Sindicato dos Magistrados do MP Foto: Direitos Reservados
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O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) defendeu esta terça-feira que os grupos parlamentares deverão "resistir à tentação de tentar aprovar à pressa" um conjunto de soluções legislativas anticorrupção "apenas com propósitos eleitoralistas e populistas".

"O SMMP entende que o pacote legislativo inserido no quadro da estratégia apresentada pelo Governo de combate à corrupção e as várias propostas legislativas já apresentadas pelos vários grupos parlamentares nesse âmbito é importante, mas, contudo, num quadro de dissolução da Assembleia da República iminente, os grupos parlamentares deverão resistir à tentação de tentar aprovar à pressa um conjunto de soluções legislativas apenas com propósitos eleitoralistas e populistas", referiu à Lusa o sindicato.

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Reagindo ao anúncio do PS de que, relativamente ao pacote legislativo anticorrupção, deixa cair os acordos de sentença, em nome do consenso parlamentar com o PSD, que também quer ver aprovado o diploma, o SMMP lembra que "a pressa é inimiga da virtude" e que "uma legislatura termina, mas seguir-se-á outra".

Segundo o SMMP, presidido por Adão Carvalho, importa encontrar "um quadro legislativo adequado, harmonizador das várias soluções legislativas já existentes, que permita ao sistema de justiça responder de forma mais eficaz a este fenómeno criminoso (corrupção) com total respeito pelas garantias de defesa dos arguidos e que potencie o combate ao enriquecimento ilicitamente obtido através do exercício de funções públicas".

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Considera assim o SMMP que, "se os partidos estão de acordo na necessidade de combater a corrupção, também manterão essa vontade numa nova legislatura".

Por seu lado, a Ordem dos Advogados (OA) congratulou-se com o anúncio do grupo parlamentar do PS que aceita retirar os acordos sobre sentenças do pacote legislativo anticorrupção em discussão na especialidade na AR.

"A OA congratula-se com o abandono da solução sobre os acordos sobre a pena aplicável, que previa a possibilidade de os tribunais passarem a negociar com os arguidos, não só as penas a que eles poderiam ser sujeitos, mas inclusivamente as condições do seu cumprimento, garantindo-lhes que ficavam fora da prisão", comentou à Lusa o bastonário da OA, Luís Menezes Leitão,

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Luís Menezes Leitão salientou que a OA sempre considerou que a previsão dos acordos de sentença não era "a melhor forma de se garantir o respeito pelas leis e a punição dos infratores".

Nas palavras do bastonário, tal solução legislativa apresentava-se "até como violadora dos direitos dos arguidos", uma vez que estes podiam "ser coagidos a confessar crimes com a promessa de uma concreta pena, que até pode ser não privativa da liberdade, e com a ameaça de uma pena maior, que pode ser de prisão efetiva, se não confessarem".

Menezes Leitão alertou ainda que, se a "proposta vingasse, o processo penal [português] deixaria de assentar em julgamentos para passar a assentar em acordos, à semelhança do sistema norte-americano".

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Por esse motivo - adiantou o bastonário - a OA considera que o combate à corrupção passa antes por um reforço dos meios de investigação criminal, e não por alterações da lei a subverter o processo penal (português), transformando a punição criminal numa negociação de penas.

"Esta proposta absurda nunca deveria ter visto a luz do dia, e espera-se que o seu abandono permita que o combate à corrupção passe a focar-se no que é verdadeiramente relevante para que este grave crime seja eficazmente combatido", concluiu.

Hoje, o PS anunciou ter elaborado um texto de substituição sobre a estratégia anticorrupção do Governo, no qual deixa cair os acordos sobre sentenças em nome do consenso, com o PSD a saudar a decisão.

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O tema do combate à corrupção foi trazido ao plenário da Assembleia da República numa declaração política da deputada do PSD Mónica Quintela, com o PS a anunciar já ter requerido o agendamento urgente deste pacote legislativo, em discussão na especialidade numa altura em que o parlamento deverá ter poucas semanas de trabalho antes de ser dissolvido.

A deputada socialista Cláudia Santos adiantou que, em nome do consenso, a sua bancada estará disponível para "prescindir de soluções que causaram mais polémica", como os acordos sobre sentenças.

Cláudia Santos desafiou o PSD a dizer se iria "renunciar à solução de consenso e adotar a narrativa de que nada foi feito" ou se teria disponibilidade para um trabalho conjunto.

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Na resposta, a deputada Mónica Quintela saudou a disponibilidade do PS para deixar cair as alterações legislativas quanto a acordos sobre sentenças, dizendo que tal seria "uma linha vermelha" para o PSD.

"Estamos a trabalhar e podemos trabalhar na reforma da justiça e neste caso da estratégia do combate à corrupção Se for possível - e queremos pontes com todos os partidos - contem connosco, arregacemos as mangas e, repetindo o que disse, fogo à peça", afirmou.

Também o PCP, através do deputado António Filipe, manifestou "disponibilidade e empenho" para fechar processos legislativos que possam "contribuir positivamente para o necessário combate à corrupção".

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"Não consideramos que se deve legislar a correr e mal, admitimos que possa haver processos que carecem de melhor análise", ressalvou.

Já o deputado da BE José Manuel Pureza apontou como prioridade, ainda nesta legislatura, legislar sobre o enriquecimento injustificado, também em análise em sede de especialidade, mas nem PS nem PSD se referiram a este tema.

Nelson Silva, pelo PAN, e José Luís Ferreira, d'"Os Verdes", desafiaram o PSD a dizer se estava disponível a aprovar iniciativas para acabar com os paraísos fiscais.

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"Utopicamente, como toda a ideologia de esquerda, é muito bonita, mas depois esbarra na prática: tem de haver uma ação concertada de todos os Estados", respondeu Mónica Quintela.

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