"O Stop não vai fechar!": Músicos revoltados por terem sido retirados de centro comercial no Porto
Elementos da PSP dispostos lado a lado impediram uma entrada desordenada no espaço.
Um a um, sempre acompanhados por um elemento da Polícia Municipal, os músicos que animavam o centro comercial Stop, no Porto, estão esta terça-feira a retirar material dos espaços onde trabalharam durante anos, após a maioria das lojas ter sido selada.
"AVISO: Estabelecimento selado pela Câmara Municipal do Porto, por despacho NUD/389310/2023/CMP de 21/06/2023, do Senhor Vereador do Pelouro das Finanças, Atividades Económicas e Fiscalização, por falta de autorização de utilização", podia ler-se à porta de cada uma das 105 lojas que foram esta terça-feira seladas pela Polícia Municipal, no interior do centro comercial Stop.
Em comunicado, a autarquia presidida pelo independente Rui Moreira avança que estavam a ser seladas 105 das 126 lojas deste centro comercial, numa operação que começou de manhã, tendo a autarquia garantido que "não é um processo de encerramento" do Stop.
À porta do estabelecimento da Rua do Heroísmo, músicos e outros lojistas concentravam-se à espera de poder reaver os seus pertences, algo que foi possível a partir de cerca das 13h30, mas sempre com acompanhamento por parte de um agente da Polícia Municipal.
Após a abertura do portão, se por um lado se gritava "Porto Morto", e se viam cartazes com essa mesma mensagem imitando a identidade gráfica da autarquia, por outro havia a esperança do Stop voltar à vida, mesmo após 105 lojas terem recebido o selo.
"O Stop não vai fechar!", entoavam os músicos e lojistas, numa projeção sonora que tentava contrariar o início do processo burocrático da recolha do material, que se deverá prolongar por vários dias, face à complexidade do espaço que inclui lojas, cafés, salas de ensaio e estúdios de gravação da comunidade musical do Porto.
Elementos da PSP dispostos lado a lado impediam uma entrada desordenada no espaço, permitindo apenas que os músicos acompanhados pela Polícia Municipal entrassem uma hipotética última vez no Stop, num processo lento em que se iam ouvindo alguns insultos pelo meio.
"Eu tenho uma banda aqui no Stop, com outros colegas que têm outras bandas, nós temos uma sala, o pessoal costuma ensaiar aqui, e no fundo aquilo que nós tentamos fazer é promover um bocado a cultura do 'underground', que neste momento estão a tentar matar aqui no Porto, infelizmente", considerou a música Mariana Moreira, em declarações à Lusa.
A artista crê que "não está a ser feito mesmo nada para preservar a cultura genuína daquilo que é o Porto, e o 'underground' do Porto", criticando a tentativa de "tentar apagar e criar algum tipo de cena super esterlizada que não faz sentido nenhum nesta cidade".
Mariana Moreira vê ainda o encerramento do Stop como uma tentativa de "apagar as pegadas, entre aspas, de pessoas que ainda têm a possibilidade de pensar de forma livre, e de criarem cultura que está associada a um tipo de pensamento livre, que é uma coisa que as pessoas não querem".
"Estão a tentar pintar esta fotografia muito bonita daquilo que é a cidade, e ao mesmo tempo quem é daqui, quem vive aqui, sabe perfeitamente que não é assim", concluiu.
Ainda antes da selagem ter sido concluída, as pessoas acumulavam-se à porta do Stop e várias comerciantes improvisaram um protesto com cartazes em que se podiam ler as mensagens "A Casa da Música é aqui", "Queremos justiça", "Estão a matar a cultura", "Queremos trabalhar", "É o nosso ganha pão" e "Processo de má-fé".
"Isto aqui é que é a cultura da música. Aqui é que é a Casa da Música, não é na Boavista, é aqui. Existem muitos jovens, todo o tipo de música, todos nos damos bem. Tenho aqui um café e isto é uma família aqui dentro, não é aquilo que dizem lá para fora", disse à Lusa Mena Santos, trabalhadora de um café no centro comercial Stop.
Mena Santos apontou que "toda a gente" vive da sua atividade no Stop e que "os músicos não estão ali "a tocar por desporto", mas por trabalho.
"Como é que vou trabalhar? Diga-me, hoje em dia, onde é que se consegue abrir um café na rua. Com os preços que põem, isto está para o turismo, não está para a gente que vive aqui, que nasceu aqui, que cresceu aqui", protestou Mena Santos, cuja clientela era maioritariamente composta pelos músicos.
Já João Cardita, baterista que ensaiava "há alguns anos" no Stop mas tinha uma sala arrendada há cerca de seis meses, disse à Lusa que o Stop "é o seu espaço de estudo" e trabalho de "todos os dias, quase".
"Sem aviso prévio, aconteceu isto. Eu vinha para aqui hoje [terça-feira] de manhã, cheguei aqui às 10h30 e já estava neste estado. Tinha ensaios aqui a partir das 11h30 até durante a tarde inteira, ia preparar alguns concertos e não vai ser possível fazer", lamentou à Lusa.
O jovem lamenta não saber se "isto é definitivo ou se há alguma coisa que se possa fazer para resolver", mas por agora "não há outra hipótese" a não ser abandonar o espaço.
Questionado qual o significado deste encerramento para a cultura da cidade, João Cardita considerou que "é péssimo".
"Uma grande percentagem dos músicos do Porto ensaiam aqui, bandas de metal, jazz, rock, o que for, e agora não temos espaço para ensaiar. Temos os nossos instrumentos trancados aqui nas salas, é outro caos. Vamos ter que tirar daqui as coisas, temos que ligar à polícia ou à câmara, uma coisa assim do género", explicou.
"Para a retirada de equipamento deverá ser contactada a Polícia Municipal", confirmaram os selos afixados nas portas dos estabelecimentos, relembrando também que a sua quebra "implica a participação ao Ministério Público para instrução do respetivo processo-crime".
Por agora, a música faz-se ouvir na Rua do Heroísmo com os instrumentos já recolhidos dos estúdios, mas a atividade no interior do Stop parou e não há perspetivas de futuro para esta comunidade musical do Porto.
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