Mulher viu-se obrigada a abortar e a mudar radicalmente de vida, mas nunca abandonou o marido.
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Afonso e Helena Rodrigues são um dos casais que a ditadura perseguiu e separou em Portugal durante dois anos, tantos quantos ele esteve a cumprir pena na cadeia da Fortaleza de Peniche.
Afonso Rodrigues, na altura operário na companhia aérea TAP, foi preso em 1971 por ser militante do Partido Comunista Português, tendo estado primeiro detido em Caxias e depois em Peniche, para cumprir a pena de dois anos a que tinha sido condenado.
Helena acabou por abortar a gravidez: "Foi muito complicado por causa da grande preocupação e de grandes dificuldades financeiras, porque a vida estava estruturada de uma determinada maneira e ficou arruinada", conta depois de um longo suspiro.
Ela considerava-se, ainda assim, uma mulher "de sorte", já que "tinha trabalho e passava um pouco melhor", lembrando que "havia muita gente cujo marido era o único sustento da casa".
Por serem oficialmente casados, a esposa visitava-o em Peniche uma vez por semana, o autorizado pelo regime prisional.
"Como a PIDE [polícia política do Estado Novo] me tinha ficado com o carro, e não tinha transporte, tinha de vir na camioneta, que fazia as aldeiazinhas todas até Peniche, e demorava uma manhã inteira para chegar", conta Helena à agência Lusa.
Outras vezes vinha de boleia com outras pessoas que se prontificavam a ajudar e havia "muita generosidade". Num Natal que Afonso passou em Peniche, lembra, a sua boleia "fez-lhe o almoço de madrugada, arranjou a parte melhor do peru para trazer" para o marido.
Quando trazia comida para o marido, os carcereiros "tratavam de cortar tudo ou remexer tudo".
A visita decorria no 'parlatório', onde o casal falava separado por um vidro, sem contacto físico.
"Tínhamos de estar encostados para se ouvir, mas também não podíamos falar muito baixo porque os guardas queriam ouvir o que nós dizíamos", recorda Helena.
As visitas em contacto com o preso só eram autorizadas no dia de aniversário do seu nascimento ou de casamento do casal.
Terminada a visita e à falta de transporte próprio, Helena pernoitava em Peniche numa pensão modesta, onde aguentava o frio da noite embrulhada numa "manta que trazia de Lisboa".
Na pensão, para ser mais barato, chegava a dividir o quarto com a mulher de outro recluso, que acabou por se suicidar. "Fiquei muito abalada", lembra.
Do lado de dentro das grades, Afonso, preso numa cela comum do pavilhão A, com direito a recreio, assistiu à preparação de uma fuga.
Cientes de que a terra batida do recreio misturada com areia "fervilhava", por existir por baixo uma furna, desviaram uma faca, durante a lavagem da loiça do refeitório, "levantaram uns quatro mosaicos" do piso da cela e um deles começou durante todas as noites a escavar um buraco, por onde pensavam fugir.
"A tentativa foi abortada e desconheci as razões", acrescenta.
Afonso ocupava o tempo a ler, ensinar outros, conviver e a encadernar livros e, de quando em vez, esconder neles relatórios, que escrevia a lápis em papel de mortalha, para fazer chegar ao exterior da prisão.
O nome de Afonso Rodrigues é um dos cerca de 2.400 gravados no memorial que vai ser inaugurado na Fortaleza de Peniche no próximo dia 25 de abril.
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