Foi o primeiro português distinguido com o Prémio Pessoa, em 1987.
O historiador José Mattoso, que morreu este sábado aos 90 anos, defendeu que "a História nos convida a viver com as incomodidades daí decorrentes e a tentar tirar delas algum partido".
Mattoso, filho de António Gonçalves Matoso (1895-1975), professor e autor de vários manuais escolares, foi, durante 20 anos, monge beneditino, presidiu ao Instituto Português de Arquivos (1988/1990) e dirigiu o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, de 1996 a 1998, destacando-se o seu papel na modernização dos arquivos nacionais e municipais. Em 2010, assumiu a presidência do Conselho Científico das Ciências Sociais e Humanidades da Fundação para a Ciência e Tecnologia.
Foi o primeiro português distinguido com o Prémio Pessoa, em 1987.
Numa rara intervenção política, em 2015, o historiador foi mandatário nacional do Partido Livre.
José Mattoso renovou o interesse pelo estudo da Idade Média portuguesa, área sobre a qual publicou a maior parte da sua obra, nomeadamente "Identificação de um País" (1985), que apresentou novas linhas de investigação sobre a Idade Média portuguesa.
Segundo o historiador, este livro nasceu "de uma insatisfação": "a de não encontrar na historiografia portuguesa respostas para muitas interrogações que a moderna ciência histórica não pode deixar de colocar".
"Tentei dar as minhas e coordená-las num conjunto que constituísse uma visão global da História de Portugal durante os seus dois primeiros séculos. A minha curiosidade orientou-se especialmente para os homens concretos, a sua maneira de viver e de pensar. As instituições, as estruturas, as formações sociais e económicas interessaram-me sobretudo na medida em que os podem revelar", explica no prefácio à obra.
Mattoso, como realçou à agência Lusa o investigador Carlos Caetano, ultrapassou o olhar positivista tradicional na historiografia portuguesa e "desideologizou o nosso olhar sobre o passado histórico português", ultrapassando quer a tradição nacionalista, quer "alguns radicalismos próprios da historiografia marxista" e os seus modelos.
Numa entrevista à Lusa, José Mattoso afirmou: "Mais do que exaltar a Pátria, interessa-me o relacionamento dos Portugueses uns com os outros".
O historiador assinou também uma biografia do rei Afonso Henriques, publicada em 2006 pelo Círculo de Leitores, sobre a qual alertou que, para traçar a biografia de qualquer personagem medieval, "é preciso muita imaginação", justificando com os dados documentais, que "são escassos e fragmentários".
José Mattoso nasceu em Leiria, a 22 de janeiro de 1933, licenciou-se em História pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, onde se doutorou em História Medieval.
Foi admitido como professor auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em 1972 e, cinco anos mais tarde, tornar-se-ia professor catedrático da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
A produção historiográfica de Mattoso começou a ser publicada em 1968, com "Les Monastèresde la Diocèse du Porto de l'an mille à 1200", seguindo-se, em 1970, "As Famílias Condais Portucalenses - séculos X e XI", tema a que voltou em 1981 com a obra "A Nobreza Medieval Portuguesa. A Família e o Poder" (1981). Em 1982, publicou "Religião e Cultura na Idade Média Portuguesa".
Em 1985, publicou "Portugal Medieval" e, no ano seguinte, a sua obra de referência, "Identificação de um País" (dois volumes), que lhe valeu o Prémio Alfredo Pimenta e o Prémio Ensaio do P.E.N, Clube, em 1986.
Numa entrevista à agência Lusa, referiu que o seu fascínio pela Idade Média estava na mentalidade coeva. "Como viam o mundo e se organizavam para tentarem dominar a realidade", disse. E acrescentou que a mentalidade "é uma das chaves mais decisivas" para compreender as estruturas.
José Mattoso é autor de mais de 30 obras, algumas em colaboração, como "O Castelo e a Feira. A Terra de Santa Maria nos Séculos XI a XIII" (1989) com Amélia Andrade e Luís Krus, e "Portugal O Sabor da Terra, um retrato histórico e geográfico por regiões" (1998), com Suzanne Daveau e Duarte Belo.
Na área infantojuvenil, os títulos "Os Primeiros Reis" (1993), "No Reino de Portugal"(1994) e "Tempos de Revolução" (1995), contaram com Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada.
Dirigiu ainda uma História de Portugal, publicada em oito volumes, pelo Círculo de Leitores, entre 1992 e 1994.
Em 1992, o Estado português condecorou-o com o grau de Grande Oficial da Ordem de Sant'Iago da Espada.
Em 2005, Mattoso publicou "A dignidade Konis Santana e a Resistência Timorense" (1995), uma das suas raras incursões na História Contemporânea, quando aceitou ser "colaborador voluntário do Instituto Português de Auxílio à Cooperação, durante os cinco anos" que permaneceu em Timor-Leste, como explica na "introdução" da biografia do combatente timorense.
"O Presidente da República Democrática de Timor-Leste, Kay Rala Xanana Gusmão, que num gesto de inesquecível confiança, entregou à minha guarda pessoal os documentos deixados por Konis e um outro núcleo deixado por Sabalae", explicou.
"Trabalhei então na base de dados para consulta dos documentos criada pela Fundação Mário Soares e redigi milhares de sumários. Arrumar, descrever e indexar estes documentos", acrescentou, tendo estado também, na génese do atual o Arquivo e Museu da Resistência Timorense, em Díli.
Em 2002, colaborou com a Fundação Mário Soares para a realização da exposição "A Nossa Vitória é Apenas Questão de Tempo...", por ocasião da restauração da independência de Timor-Leste, a 20 de maio.
Na capital timorense Mattoso lecionou no Seminário Maior.
De referir ainda a sua experiência como frade na Ordem de S. Bento, em Singeverga, em Santo Tirso, no distrito do Porto, onde escolheu o nome de José de Santa Escolástica Mattoso.
Em 2012, publicou "Levantar o Céu -- Os Labirintos da Sabedoria", que lhe valeu o Prémio Árvore da Vida-Padre Manuel Antunes, do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, da Igreja Católica, um galardão a juntar a outros com os quais foi distinguido ao longo da carreira, como o Prémio Böhus-Szögyény de Genealogia, em 1991 ou o Troféu Latino, em 2007.
De 2020 vem "A História Contemplativa", volume que reúne palestras e artigos datados de 1996 a 2013.
Num ensaio inédito, na abertura deste volume, José Mattoso escreveu: "A minha visão da História humana, da História-vivida é contemplativa. Requer um olhar atento, global, pacífico, não interventivo. Um olhar que capta as relações do pequeno com o grande, do singular com o plural, do diferente com o semelhante, do mesmo com o contrário. Um olhar que coloca as coisas na sua ordem, que permite descobrir os géneros e as espécies, que classifica os conjuntos e lhes atribui qualidades. Um olhar que reconhece o movimento e as mutações, sem que a diferença de tempo altere a identidade. Um olhar que compreende os percursos e os destinos da Humanidade, a atração e a repulsa, o amor e o ódio"
A História, como "a base do conhecimento da condição humana".
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt
o que achou desta notícia?
concordam consigo
A redação do CM irá fazer uma avaliação e remover o comentário caso não respeite as Regras desta Comunidade.
O seu comentário contem palavras ou expressões que não cumprem as regras definidas para este espaço. Por favor reescreva o seu comentário.
O CM relembra a proibição de comentários de cariz obsceno, ofensivo, difamatório gerador de responsabilidade civil ou de comentários com conteúdo comercial.
O Correio da Manhã incentiva todos os Leitores a interagirem através de comentários às notícias publicadas no seu site, de uma maneira respeitadora com o cumprimento dos princípios legais e constitucionais. Assim são totalmente ilegítimos comentários de cariz ofensivo e indevidos/inadequados. Promovemos o pluralismo, a ética, a independência, a liberdade, a democracia, a coragem, a inquietude e a proximidade.
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza expressamente o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes ou formatos actualmente existentes ou que venham a existir.
O propósito da Política de Comentários do Correio da Manhã é apoiar o leitor, oferecendo uma plataforma de debate, seguindo as seguintes regras:
Recomendações:
- Os comentários não são uma carta. Não devem ser utilizadas cortesias nem agradecimentos;
Sanções:
- Se algum leitor não respeitar as regras referidas anteriormente (pontos 1 a 11), está automaticamente sujeito às seguintes sanções:
- O Correio da Manhã tem o direito de bloquear ou remover a conta de qualquer utilizador, ou qualquer comentário, a seu exclusivo critério, sempre que este viole, de algum modo, as regras previstas na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, a Lei, a Constituição da República Portuguesa, ou que destabilize a comunidade;
- A existência de uma assinatura não justifica nem serve de fundamento para a quebra de alguma regra prevista na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, da Lei ou da Constituição da República Portuguesa, seguindo a sanção referida no ponto anterior;
- O Correio da Manhã reserva-se na disponibilidade de monitorizar ou pré-visualizar os comentários antes de serem publicados.
Se surgir alguma dúvida não hesite a contactar-nos internetgeral@medialivre.pt ou para 210 494 000
O Correio da Manhã oferece nos seus artigos um espaço de comentário, que considera essencial para reflexão, debate e livre veiculação de opiniões e ideias e apela aos Leitores que sigam as regras básicas de uma convivência sã e de respeito pelos outros, promovendo um ambiente de respeito e fair-play.
Só após a atenta leitura das regras abaixo e posterior aceitação expressa será possível efectuar comentários às notícias publicados no Correio da Manhã.
A possibilidade de efetuar comentários neste espaço está limitada a Leitores registados e Leitores assinantes do Correio da Manhã Premium (“Leitor”).
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes disponíveis.
O Leitor permanecerá o proprietário dos conteúdos que submeta ao Correio da Manhã e ao enviar tais conteúdos concede ao Correio da Manhã uma licença, gratuita, irrevogável, transmissível, exclusiva e perpétua para a utilização dos referidos conteúdos, em qualquer suporte ou formato atualmente existente no mercado ou que venha a surgir.
O Leitor obriga-se a garantir que os conteúdos que submete nos espaços de comentários do Correio da Manhã não são obscenos, ofensivos ou geradores de responsabilidade civil ou criminal e não violam o direito de propriedade intelectual de terceiros. O Leitor compromete-se, nomeadamente, a não utilizar os espaços de comentários do Correio da Manhã para: (i) fins comerciais, nomeadamente, difundindo mensagens publicitárias nos comentários ou em outros espaços, fora daqueles especificamente destinados à publicidade contratada nos termos adequados; (ii) difundir conteúdos de ódio, racismo, xenofobia ou discriminação ou que, de um modo geral, incentivem a violência ou a prática de atos ilícitos; (iii) difundir conteúdos que, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, tenham como objetivo, finalidade, resultado, consequência ou intenção, humilhar, denegrir ou atingir o bom-nome e reputação de terceiros.
O Leitor reconhece expressamente que é exclusivamente responsável pelo pagamento de quaisquer coimas, custas, encargos, multas, penalizações, indemnizações ou outros montantes que advenham da publicação dos seus comentários nos espaços de comentários do Correio da Manhã.
O Leitor reconhece que o Correio da Manhã não está obrigado a monitorizar, editar ou pré-visualizar os conteúdos ou comentários que são partilhados pelos Leitores nos seus espaços de comentário. No entanto, a redação do Correio da Manhã, reserva-se o direito de fazer uma pré-avaliação e não publicar comentários que não respeitem as presentes Regras.
Todos os comentários ou conteúdos que venham a ser partilhados pelo Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã constituem a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição do Correio da Manhã ou de terceiros. O facto de um conteúdo ter sido difundido por um Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã não pressupõe, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, que o Correio da Manhã teve qualquer conhecimento prévio do mesmo e muito menos que concorde, valide ou suporte o seu conteúdo.
ComportamentoO Correio da Manhã pode, em caso de violação das presentes Regras, suspender por tempo determinado, indeterminado ou mesmo proibir permanentemente a possibilidade de comentar, independentemente de ser assinante do Correio da Manhã Premium ou da sua classificação.
O Correio da Manhã reserva-se ao direito de apagar de imediato e sem qualquer aviso ou notificação prévia os comentários dos Leitores que não cumpram estas regras.
O Correio da Manhã ocultará de forma automática todos os comentários uma semana após a publicação dos mesmos.
Para usar esta funcionalidade deverá efetuar login.
Caso não esteja registado no site do Correio da Manhã, efetue o seu registo gratuito.
Escrever um comentário no CM é um convite ao respeito mútuo e à civilidade. Nunca censuramos posições políticas, mas somos inflexiveis com quaisquer agressões. Conheça as
Inicie sessão ou registe-se para comentar.