Pela primeira vez, a JMJ vai ter um centro de apoio à vítima no recinto.
Duzentos membros do comité organizador da Jornada Mundial de Juventude, 1.500 chefes voluntários e cerca de 20 mil voluntários – todos receberam formação sobre como prevenir situações de crime ou violência sexual ou corporal e como reagir caso isso aconteça na Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em Lisboa.
Ouvir a vítima, saber como encaminhá-la para os centros de apoio e prestar-lhe os primeiros cuidados são algumas das dicas. Mas há mais, como explica Carla Ferreira, assessora técnica da direção da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). Sendo este um evento muito aguardado pelos participantes é normal que ansiedade relacionada com estes dias possa potenciar comportamentos mais alterados.
Se juntarmos a isso o calor que se fará sentir nesses dias de agosto em Lisboa e ainda o cansaço associado às deslocações temos, aqui fatores que devem ser acautelados. Isto tudo a ocorrer num evento de larga escala com mais de 1 milhão de pessoas esperadas. "Não estamos a chamar a violência, nada disso. A nossa preocupação é prevenir qualquer tipo de violência e dar resposta. A nossa presença tem vindo a ser bem acolhida, veem-nos com uma mais-valia", diz à SÁBADO Carla Ferreira.
Esta resposta começou a ser pensada quase meio ano antes da assinatura do protocolo, no passado dia 2 de março. A APAV em coordenação com a JMJ, em particular com o presidente da Fundação da JMJ Lisboa 2023, D. Américo Aguiar, criou um programa de formação e ainda uma estrutura que estará presente no evento todos os dias. Aliás, até nas cidades que vão acolher mais peregrinos – Setúbal e Santarém – existirá uma equipa móvel pronta a atuar.
"Quando pensamos num evento de larga escala, pensamos nas vítimas mais imediatas, numa perspetiva de saúde física e não tanto numa perspetiva de consequências mais persistentes que possam emergir", esclarece Carla Ferreira. "As anteriores jornadas não tiveram centros de apoio deste tipo, por isso é completamente inovador. Não se está à espera de um surto de criminalidade, nada disso. O que queremos é que tudo corra bem, mas se alguma cosa não correr, existe uma resposta." Claro, que, reforça Carla Ferreira, a APAV não se substitui à Polícia ou Proteção Civil. "O que fazemos é garantir às pessoas um apoio especializado, caso sejam vítimas de um crime. Estamos em perfeita articulação com o SSI (sistema de segurança interna) e a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil."
Como e onde será dado o apoio?Primeiro que tudo, a organização das JMJ teve formação para saber lidar com todos os tipos de vítimas. As 200 pessoas do comité organizador tiveram formação presencial, os chefes voluntários (cerca de 1.500) tiveram formação online e todos os voluntários receberam também, na sua formação geral, uma dedicada a este tema. A juntar a isto, vão estar a funcionar três centros de apoio à vítima nas JMJ. Um no parque Eduardo VII, próximo à rotunda do Marquês, que começa a funcionar já a partir de dia 26 de julho, no horário das 10h às 18h, até 30 de julho. Depois de 31 de julho a 4 de agosto o horário é alargado das 8h da manhã à meia-noite, altura em que o Parque Eduardo VII será o centro das atividades. E nos dias 5 e 6 agosto das 10h às 18h.
Quando os maiores eventos ocorrerem no recinto na zona do Trancão, a APAV terá dois centros, com cerca de 3 a 4 técnicos em permanência. "Vamos ter dois espaços físicos que vão funcionar nos dias 5 e no 6 de agosto durante 34 horas, vamos começar 8 da manhã de dia 5 e vamos terminar às 18h de dia 6. E vamos ter equipas técnicas nesses dois locais", explica a técnica da APAV.
Além disso, existem duas equipas móveis uma em Santarém e outra em Setúbal. "Estas cidades são sedes de acolhimento onde vão ficar alojadas muitas pessoas. Tendo isso em consideração teremos equipas móveis que estarão de prevenção nestas regiões para serem ativadas caso seja necessário."
A APAV também reforçou o apoio na sua linha de atendimento. Quer isto dizer que entre 26 julho e 7 de agosto, o número 116 006 estará a funcionar gratuitamente durante 24 horas por dia.
A técnica da APAV esclarece a importância deste tipo de atendimento: "Nestes eventos não se pensa no pós, ou seja, como é que a vítima ficou em termos emocionais. Pensa-se sobretudo na saúde física e na segurança e fica a sensação de que o problema está resolvido. Tem que se ter em consideração que poderá ser necessário um apoio especializado."
Carla Ferreira concretiza em exemplos práticos, que costumam ocorrer em eventos com milhares de pessoas, sobretudo com pessoas de vários países diferentes. "Por exemplo, no caso de um roubo, não tem de ser a vítima a ter de procurar os contactos das embaixadas ou a descobrir como cancelar os cartões, alguém lhe deverá dar essa orientação. Ou ainda se precisar de apoio em termos jurídicos, para ter noção dos seus direitos e como exercê-los. A maior parte das pessoas que vêm às jornadas não são de cá, não falam português e podem nunca mais cá voltar."
E dá outro exemplo, caso se avance para algum processo-crime, ou por roubo ou violência, com uma vítima do Ruanda como é que funcionaria? "Essa pessoa não sabe como as coisas funcionam cá. O técnico de apoio à vítima vai ficar quase com um agente de ligação entre Portugal e o país de origem, podendo dar apoio a longo prazo." A APAV salienta ainda que, no caso de ser necessário apoio psicológico, serão os técnicos a poder encaminhar para um serviço congénere do país de residência.
Quais os riscos neste tipo de eventos?
Em eventos como as jornadas, os crimes mais prováveis são os patrimoniais e os de violência física. "Estes variam muito consoante o contexto, por exemplo, não é o caso da JMJ, mas há estudos que demonstram que em eventos de larga escala, associados ao consumo de álcool e substancias, há maior probabilidade para eventos de altercação física ou de violência sexual. Por isso é que o serviço de apoio que existe tem de estar disponível para qualquer situação de violência, sendo que identificámos estas: bens patrimoniais, a violência física, sexual", sublinha Carla Ferreira.
E acrescenta outro tipo de crime mais particular deste evento: "temos de equacionar também que podem existir situações de discriminação. Estão reunidas pessoas da Igreja Católica, mas é possível antecipar certos crimes motivados por uma pertença a outra religião."
Claro que os riscos associados à segurança pessoal mantém-se, sobretudo com jovens. Os cuidados são os mais conhecidos de: "não trazer bens de valor, sobretudo à mostra, não andar com as mochilas abertas, não andar com a mochila para trás se estiver uma multidão muito grande, antes para à frente. Também demos formação nestas questões mais práticas."
E, outro exemplo, é não dar logo muitos detalhes da vida pessoal a estranhos. "Conhecer pessoas novas é muito positivo, mas não vamos partilhar demasiadas informações pessoais, dados privados, sobre onde moramos, em que escola andamos, logo na primeira conversa. Aquela pessoa parece muito sincera e preocupada, mas pode ser alguém com outras intenções. Há o risco de querer perseguir ou importunar. São os cuidados básicos."
Risco de crimes de violência sexual?
Carla Ferreira diz que não foi por causa do escândalo dos abusos sexuais da Igreja Católica que estes centros foram pensados, mas claro que isso também é tido em conta. E acrescenta: "está estudado que em eventos com muitas pessoas há maior probabilidade desse tipo de crimes ocorrer. Não é por ser um evento da Igreja Católica ou porque houve um escândalo de violência sexual."
O que motiva esse tipo de situação? "Há de facto certos fenómenos criminais que são mais frequentes quando há uma grande aglomeração de pessoas com backgrounds pessoais diferentes, com expectativas diferentes, até formas de interação diferentes. Interações essas que podem ser adequadas para umas pessoas outras não."
E reforça que o desgaste físico e emocional associado a estes ventos: muito calor, muitas horas a caminhar e própria ansiedade, de participarem em algo que desejam há muito tempo, pode potenciar respostas emocionais mais intensas. "O facto de estarem finalmente no evento pode ser overwhelming (esmagador). A ansiedade de chegar e o chegar efetivamente pode causar tantas alterações emocionais que pode colocar as pessoas em situações de violência. De repente, estou tão emocional que não consigo reagir e estou à chapada com alguém."
Como reagir a uma vítima?
Os voluntários e responsáveis da organização sabem que o que é mais importante é "ouvir atentamente, sem julgamentos". Caso sejam abordados por alguém que foi vítima de violência física, sexual, ou roubo de bens, tem de ter um acolhimento atento. "Às vítimas não se pode dizer: ‘mas porque é que não fizeste?’ ou ‘devias ter feito de outra forma?’ Se tivermos uma pessoa com capacidade para ouvir e para não julgar que depois encaminha a vítima para o apoio especializado é essencial. Muitas vezes as pessoas não sabem que têm serviços de apoio ou pensam que o único serviço de apoio é a polícia."
E como é que se identificam os sinais de alarme? Há situações muito díspares e cada pessoa tem a sua reação, alerta a técnica da APAV. "Não é por uma pessoa estar muito calma a narrar uma situação de violência que não precisa de ajuda. Ou que esteja a mentir. A ideia é que estas pessoas, que receberam formação, não vão ser elas a fazer o atendimento propriamente dito, vão ser a porta de entrada para facilitar a alguém que tenha acesso a esse atendimento com mais calma. No fundo, encaminhar para os centros de apoio."
São esperados mais de 1 milhão de peregrinos e o que a APAV pretende é estar presente para apoiar quem precisa. Porque, como explica Carla Ferreira, as vítimas por vezes "não sabem como se sentem assim" e questionam-se se alguém as irá compreender ou se vão ser bem acolhidas. Mas existe esta resposta especializada e criada de propósito para os peregrinos que estarão em Lisboa. E como diz a técnica, a sinalética será bem clara e ninguém ficará indiferente e sem saber onde pedir ajuda.
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