Cena que representa o nascimento de Cristo teve origem com S. Francisco de Assis, e sofreu grandes transformações ao longo de quase 800 anos.
Maiores, mais pequenos, luxuosos, modestos, com tradições tão distintas quanto os países por onde a fé católica os espalhou. Durante a quadra natalícia, o presépio assume o gesto de um ritual familiar, cultural ou religioso, nas casas de milhares de portugueses. De tal ordem que poucos são os que hoje conhecem a sua origem. Afinal, de onde vem a tradição do presépio de Natal?
É uma história mais longa do que se pode pensar – quase milenar, na verdade. “A origem dos persépios modernos remonta a 1223, por obra de São Francisco de Assis”, explica ao CM João César das Neves, professor catedrático, economista, e assessor económico nos governos de Cavaco Silva e António Guterres.
É também autor de um livro, “As Figuras do Presépio” (Lucerna, 2014), no qual se debruça, justamente, sobre as figuras e significados que compõem a cena da Natividade. “Quando estava em Greccio, Itália, São Francisco quis ver a pobreza em que Cristo nasceu”, diz. Um mistério adensado pela falta de informação contida no Evangelho sobre os momentos iniciais da vida de Jesus da Nazaré: “Na verdade, é mais o que não sabemos sobre o nascimento de Cristo do que aquilo que sabemos”.
Certo é que a ideia se espalhou, primeiro a nível local, com famílias e comunidades a elaborarem as suas próprias representações da Natividade, e depois com o espalhar do Cristianismo pelo mundo. Para isso, crê César das Neves, houve um fator determinante. “A plasticidade da fé cristã. Há poucas religiões que conseguem, de facto, ultrapassar barreiras culturais, linhas regionais e étnicas. O Cristianismo tem essa particularidade, e nesse sentido cada cultura tomou conta do seu presépio”.
O passar dos séculos foi também tendo o seu efeito na tradição, que se foi adaptando aos tempos, aos costumes e até às próprias classes sociais. “Há de facto presépios para todos os gostos: mais simples, rocambolescos, estilizados”, afirma o economista. “E havia, também, uma ostentação de poder, própria daquela época, entre os reis e senhores da Europa”.
No fim da Idade Média e Renascimento, o presépio era de resto outro artefacto da Arte Sacra que representava também as correntes artísticas e ideológicas dos seus autores. “Há presépios portugueses daquele tempo, por exemplo, que pelo seu estilo barroco apresentam traços únicos a nível global”, diz César das Neves.
As influências artísticas de outros povos e culturas, em contacto com os portugueses no período colonial e dos Descobrimentos, ajudaram também a moldar a tradição do “presépio português”. Hoje, em museus e exposições, é possível ver várias dessas figuras de culto, transformadas em verdadeira evolução da história da arte, que permitem ter uma ideia do desenvolvimento dessa tradição.
Mas o que representa, afinal, o presépio? “Manifesta o momento em que Cristo se mostra visível”, resume César das Neves – e, por conseguinte, a primeira aparição da representação terrena do Deus cristão. A figura de Jesus é o “núcleo central” da Natividade, sobre a qual toda a cena gira em volta. José e Maria, os pais, o burro e a vaca que São Francisco idealizou, são as figuras centrais seguintes.
Como o são os Reis Magos – que, noutra prova da forma como a tradição se vai adaptando ao desconhecido, são uma “adaptação livre” do que está descrito no Evangelho. “Apenas refere que magos do Oriente visitaram Jesus, mas não diz que eram reis, nem quantos eram. Nem sequer fala dos anjos, que muitas vezes também lá são colocados”, afirma César das Neves, que oferece uma teoria para explicar como se chegou ao número de três. “Sabemos que levavam ouro, incenso e mirra. Três presentes”, ou seja, “é possível que por uma questão de conveniência se tenham transformado em três magos”.
O professor e autor não esquece ainda a figura dos pobres, essenciais para a conceção original da Natividade como representação das raízes humildes de Cristo. “Os pastores, que costumam também estar em muitos presépios, são justamente uma representação dessa pobreza”. E, num curioso retrato da forma como a tradição assume também um cunho de identidade nacional, muitas vezes outras figuras são colocadas nesta posição. “Em Portugal, por exemplo, era muito comum ver-se coisas como gente típica das aldeias, as lavadeiras (risos)”, lembra César das Neves.
Presépios para todos os gostos: exemplos modernos
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Questionado sobre o que esta tradição representa atualmente, numa altura em que a fé perde protagonismo e hegemonia cultural, o professor universitário reconhece “um certo embate”, na troca de representações explicitamente religiosas, como o presépio, por outras caráter mais laico, como o Pai Natal e a árvore, mas recorda que “no passado também havia muita gente que se dizia católica e não era”. Não obstante, vê com naturalidade que hoje a Natividade seja representada de várias formas, num contexto de globalização da quadra natalícia onde o elo religioso pode, nalguns casos, passar para segundo plano. “É uma festa global, aberta a todos os que o querem celebrar. Sejam católicos ou não”, diz.
Mas uma coisa, garante, é certa: o presépio continua a ser indissociável da matriz católica do Natal. “Há qualquer coisa de misterioso no presépio, uma força escondida, uma interpretação da Natividade que se presta a isso tudo. Costumo dizer que nem sequer há problema quando as crianças querem meter robôs ou carros de corrida no presépio. É Deus a vir ao mundo tal como ele é, naquela altura como agora, no presente. Nesse sentido, é uma manifestação do próprio mistério”.
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