Aos 23 anos, é a manequim portuguesa mais internacional e, sobretudo, um exemplo de luta. Viveu num bairro social e garante querer ser uma referência.
Aos 23 anos, é a manequim portuguesa mais internacional e, sobretudo, um exemplo de luta. Viveu num bairro social e hoje garante que quer ser uma referência.
- Vive em Nova Iorque mas continua a trabalhar em Portugal, na ModaLisboa e no Portugal Fashion. Veio de propósito?
- No Verão fico sempre o mês de Agosto mas neste ano tive de vir mais cedo, em Julho. Depois, surgiram uns trabalhos de moda em Setembro e ainda um projecto social. Com tudo isto, decidi ir ficando, porque sou perfeccionista e prefiro deixar tudo feito do que andar sempre para a frente e para trás. Eu já ando a viajar há oito anos e preferi ficar mais tempo desta vez, se bem que perdi imensos trabalhos. Sou ambiciosa mas começo a dar valor a outras coisas para além do dinheiro.
- Se não tivesse tido a oportunidade de trabalhar no estrangeiro, acha que não tinha lugar cá?
- Sinceramente, comecei a trabalhar mais cá quando fui lá para fora. Sou muito persistente e tenho a certeza de que mesmo que não tivesse ido para fora ia arranjar maneira de me aceitarem cá. Quando fiz a campanha da Benetton, em 2003, foi o ‘boom'. As pessoas começaram a ver: se calhar temos aqui uma pedra que pode ser lapidada e transformada num diamante. A agência onde comecei ajudou-me imenso, porque eu não tinha muitos recursos, não tinha as roupas nem maquilhagens.
- Ir para fora mudou mesmo a sua personalidade?
- Sim. Antes era rebelde de mais. Não deixava que as pessoas se aproximassem muito. Estou mais mulher e não tenho medo de dizer o que quero. Sou muito mais eu.
- Quando era pequena, sonhava com este mundo?
- Nunca. Era maria-rapaz e andava sempre de fato de treino. Queria ser médica.
- Como surgiu a oportunidade para entrar na moda?
- Na rua, de fato de treino, com as minhas amigas a passear. Houve um visionário que me viu, porque eu destacava-me pela altura. Estava um carro cheio de rapazes com os olhos pintados e nós gozámos com eles. Um deles deu-me o cartão da agência.
- E teve de mudar a imagem?
- Além de endireitar os dentes, adoptei um estilo mais feminino. Porque isto é um meio de imagem e eu não percebi isso. Pensava que só com a personalidade ia conseguir.
- E a sua família como reagiu?
- A minha família disse que era melhor não. Depois, houve uma altura em que passámos por algumas dificuldades e eu decidi ajudar.
- Dizem que, na moda, as pessoas são más mas foi bastante ajudada...
- Neste meio parecem mais cruéis, porque tudo se baseia na imagem: ou somos bonitas, ou feias. É horrível. Tenho tido a sorte de estar sempre bem rodeada, mas também, com o meu feitio especial, as pessoas más olham para mim e pensam que é melhor não se meterem comigo. Sempre tive uma personalidade vincada e tive de ser um bocadinho lapidada nesse aspecto, porque até o meu ‘boa-tarde' era muito bruto. Era bem educada mas bruta. Era para afastar um bocado as pessoas, achava que se não as deixasse aproximar muito também ninguém tinha a capacidade de me magoar. E funciona até hoje.
- Esse sentimento tinha razão de ser?
- Teve, porque tive um início de vida agressivo para uma criança. Sempre tive amor e carinho da minha família, o que conta muito. Na escola, comparava-me com os meus colegas. O que eu sempre quis era uma vida normal, com uma mãe, com um pai, que eu não tinha. Tinha os meus padrinhos, que, obviamente, tentaram substituir os meus pais, mas sempre quis saber o que era ter uma mãe e um pai. Sempre lidei com o meu pai, foi sempre uma figura presente, mas não tínhamos uma vida familiar. A minha mãe biológica é uma pessoa desequilibrada.
- Mas chegou a viver com ela?
- Até aos quatro anos. E foi um viver estranho, porque ela umas vezes estava e outras não. E aos meus quatro anos ela foi embora de vez. Então eu pensava: se a minha própria mãe se foi embora, então o que impede uma pessoa de fingir que gosta de mim e depois desaparecer? Por isso, preferia nem deixar as pessoas se aproximarem. Até com o meu ex-namorado foi assim.
- O facto de ter tido uma infância diferente trouxe-lhe essas consequências mas que conseguiu ultrapassar.
- Sim, não é um trauma sequer. Já o foi na adolescência. Agora o caminho é cada vez mais para a frente. O que posso dizer é que tive 22 anos da minha vida presa ao passado, até que decidi mudar. A vida é hoje, é agora. Acho que perdi os traumas todos. Até me sinto mais leve, porque não há necessidade de andarmos a bater na mesma tecla e sermos os coitadinhos para nós próprios, por isso é que só agora decidi revelar o meu passado.
- Não ter vivido com a sua mãe biológica não a impede de querer ter filhos?
- Se vier a ser mãe um dia, o que eu gostava, acho que vou sufocar os meus filhos, para mostrar que sou uma mãe presente. Não culpo a minha mãe por nada, porque, às vezes, quando temos distúrbios e não cuidamos de nós, isso pode acontecer.
- Mantém contacto com ela?
- De vez em quando falo com ela, mas não gosto que ela invada o meu espaço. Às vezes eu trazia-a para estar comigo e, às tantas, parecia que estava sufocada, porque não estava habituada. Ela não é uma estranha mas é quase. Tentei ajudá-la mas sinto que ela, como não esteve lá para nós, não aceita que nós estejamos lá para ela.
- Acha que ela pode estar a castigar-se?
- É muita culpa que ela carrega, mas não há nada para perdoar. Sinceramente, até acho que foi melhor assim, porque senão a minha vida teria sido completamente diferente.
- Tem um irmão mais novo [Sandro, de 19 anos] de quem é muito protectora?
- Sou, de mais até. Acho que o sufoco. Ele também não dá muita confiança às pessoas. Só viveu seis ou sete meses com a nossa mãe mas tem muito presentes as histórias que ouviu. Ele faz coisas por mim mas eu também as faço por ele. É dar e receber. É a relação mais justa que eu tenho.
- Mas mesmo unidos vivem em países diferentes...
- Sim, mas não pusemos de parte a hipótese de ele ir também um dia para os EUA. Ele quer estudar Teatro e está a ter aulas de canto. E, por isso, estou a criar condições para que isso possa acontecer. Viver em Nova Iorque não é barato: pago 1500 dólares de renda e vivo num estúdio. O passe são 100 dólares, mais água, luz, gás, TV Cabo, Internet. Todos os meses, certinho, gasto 2500 dólares/base. Ao final do ano é caríssimo. Faço dinheiro a trabalhar, sim, mas também o gasto.
- Mas trabalha desde os 14...
- Infelizmente, aos 18 anos estava falida. Foi uma má gestão da parte da minha família. Tive de começar do zero. Certo é que aos 20 deu-se uma grande crise financeira, ou seja, os cachets baixaram e o trabalho diminuiu. Estou há três anos a tentar levantar-me das ‘cinzas'.
- A sua família sentiu-se culpada por ter deixado de estudar para a ajudar nas despesas?
- Desisti por opção própria. Que sentido faria eu estar na escola e ter a minha família a esfalfar-se a trabalhar? Eles fizeram por mim quando eu mais precisava (quando a minha mãe se foi embora) e eu retribuí. O que eu acho é que, depois, eles erraram um pouco foi de me verem como uma bóia de salvação.
- Sempre viveu num bairro social?
- Fui para o 18 de Maio, em Outurela, Carnaxide, aos nove anos mas até essa altura vivia no Alto dos Barrões. No entanto, estudava num colégio privado, no Restelo. Acho que foi isso que me deu um balanço bom na minha vida, um equilíbrio.
- Acha que a sua vida pessoal tem sido prejudicada pela carreira?
- Só tive um namoro sério, que começou aos 18 anos e acabou aos 22. Damo-nos lindamente mas é claro que ele sofreu com isso. Ele é muito reservado, apesar de trabalhar no meio.
- Esse namoro terminou há ano e meio. Pode haver reconciliação?
- Não fecho a porta a ele nem a ninguém. O meu coração esteve fechado a sete mil chaves durante ano e meio e neste momento está aberto. Foi o final da minha relação que fez com que eu me fechasse para o mundo. Já não acreditava no amor.
- Como reagiu quando se falou num alegado romance com o Angélico?
- Foi horrível, porque eu sempre apareci pelo trabalho. Há um limite, que é a minha vida pessoal. Senti-me um bocadinho violada.
- Está neste momento envolvida num projecto social.
- Comecei a trabalhar na Outurela com a ajuda de uma assistente social, Carla Castro. Houve um encontro com meninas do bairro. Contei-lhes a minha vida, sem filtros, e muitas delas conseguiram rever-se.
- Vai ficar por aí?
- Quero alargar isso por outros bairros. Faço questão de partilhar e não esconder de onde sou. Além de que eu, na escola, era tão insegura que era uma ‘bullie'. Batia nas minhas amigas. Nada de que me orgulhe, mas era uma defesa. É por isso que faço questão de dividir com elas que eu já fui elas e que, um dia, elas podem ser eu ou mais. Adorava ir a escolas problemáticas, que tenham ‘bullies'. Quando ouvi a notícia de um menino que se suicidou no rio, fartei-me de chorar, porque pensei se eu teria tido esse impacto negativo na vida de alguém. Claro que ninguém se matou mas isso deixa trauma. Se eu voltasse para Portugal, iria fazer questão que tudo isto se realizasse.
- Orgulha-se do seu passado e do caminho que fez até aqui?
- Orgulho-me. Já cometi erros gravíssimos, como toda a gente. Mas se não tivesse sido assim eu não tinha chegado aonde cheguei. Não me arrependo de nada, não faria nada de outra maneira. Mesmo a história da minha família e da minha mãe não queria que tivesse sido de outra maneira, porque é graças a isso que eu sou como sou hoje.
INTIMIDADES
- Quem gostaria de convidar para um jantar a dois?
- A Oprah Winfrey, porque é o tipo de mulher que eu quero ser. Sei que vou me tornar numa mulher poderosa como ela e não só a nível financeiro. É o impacto que ela tem na vida das pessoas. Ao realizar os sonhos dela, realiza os de muita gente e é assim que eu me vejo no meu futuro.
- Não consigo resistir a...
- ‘Fast food'. É contraditório na minha profissão mas também tem tudo a ver. Como ando sempre de um lado para o outro, o que está mais acessível é o ‘fast food'.
- Se pudesse, o que mudava em si, no corpo e no feitio?
- No corpo, cada vez mais, com a idade, tenho vindo a aceitar como ele é. Quanto ao feitio, tornava-me mais paciente. Tenho a certeza que, um dia, a minha impaciência me vai matar.
- Sinto-me melhor quando...
- Vejo os outros felizes. Não deveria ser assim mas se as pessoas que me rodeiam estiverem bem eu também estou bem. Sinto-me feliz em fazer e ver os outros felizes.
- O que não suporta no sexo oposto?
- Todas as desculpas que se dão aos homens por serem homens, odeio.
- Qual é o seu pequeno crime diário?
- Ver o ‘Sponge Bob Square Pants', sou viciada.
- O que é que seria capaz de fazer por amor?
- Mudar de país...
- Complete. A minha vida é...
- Um filme indiano. Começou com drama como os filmes de Bollywood, depois veio muitas cores e amores e tenho a certeza de que vou ter um final feliz.
PERFIL
Ana Sofia, de 23 anos, foi descoberta na rua por um ‘booker' e, aos 14 anos, começou o seu percurso como modelo na agência DXL. Em 2003, protagonizou uma campanha publicitária para a Benetton que a catapultou para a fama. A viver nos Estados Unidos, a manequim encontra-se actualmente no nosso país. Participou na ModaLisboa e vai desfilar no Portugal Fashion.
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