Aos 82 anos, cantor lança novo disco 'Depois logo se Vê' e fala de música, do Estado Novo, de censura e da idade.
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O que é que quer dizer com isto do "depois logo se vê..."?
É uma expressão que eu costumo usar e que é um bocadinho uma chamada de atenção para as dificuldades que todos nós, que temos um bilhete de identidade mais velho, sentimos para nos fazermos ouvir, quando na verdade não deixamos de ser criativos. E como eu, estão também muitos outros músicos como o Paulo de Carvalho, o Fernando Tordo, o Jorge Palma ou o próprio Fausto que partiu angustiado por não ser reconhecido e por não passar nas rádios.
Mas acha que não está a ser dado espaço aos mais velhos?
Eu acho que tudo isto tem a ver com a imposição de algumas formas de expressão que as multinacionais querem impor nas rádios, ou pelo menos na maioria delas. Por isso eu digo "depois logo de vê"... se nos vamos safar ou não, se vamos ser ouvidos ou não.
Uma provocação à José Cid, portanto?
Sim, tenho noção que a própria capa deste disco é um bocadinho provocadora e espero que pese na consciência de algumas pessoas que não gostam de música portuguesa. Eu sei de alguns editores que estão à frente de algumas multinacionais que objetivamente dizem que não gostam de música portuguesa. Há uma geração nos 40 anos, com cargos importantes na indústria e que só debita nomes estrangeiros. Por isso é que eu digo que o Elton John devia ter nascido no Ribatejo, o Júlio Iglesias em Penafiel e o Roberto Carlos na Trafaria. Aí é que eles iam ver como seria difícil fazer as carreiras que fizeram.
Começou por falar em criatividade. Quem aos 82 anos continua a lançar discos, nunca teme que ela lhe falte?
Claro que sim. Hoje tenho menos criatividade do que tinha há 30 ou 40 anos. Acho que faço coisas mais sólidas, mas em menos quantidade. Este disco tem muitas parcerias e muitas influências, mas todo ele parte da minha criatividade.
O que é que se perde com a idade?
Perde-se imaginação. Mas podemos ganhar outras características estéticas e ganhar uma visão menos periférica das coisas. E acho que este disco tem isso. Podia chamar-se arco íris tal é a diversidade de canções e sonoridades.
E como é que trabalha a criatividade?
Não trabalho, ou ela vem ou então não lhe ligo nenhuma (risos).
Mas alguém dizia que quando a criatividade vem é sempre bom que nos encontre a trabalhar?
Ou então a dormir (risos). Às vezes acordo de noite com ideias e passo-as logo para o gravador.
Se é verdade que dorme 12 horas por dia nem podia ser de outra forma!
Pois. Se for preciso levanto-me durante meia hora, levo o gravador para ao pé do piano e gravo tudo. Depois toca a dormir outra vez (risos).
Este novo disco abre como uma canção chamada 'A Nú', que remete para quando se deixou fotografar apenas com um disco a cobrir as partes íntimas em 1994. Porque é que resolveu 'desenterrar' esse episódio ao final de trinta anos?
Porque há uma canção que foi germinando ao longo dos anos, até eu conseguir concluí-la, remisturá-la e remasterizá-la. E como hoje eu tenho que assumir a minha derrota perante a luta desigual com as grandes multinacionais que impõe a sua vontade em algumas rádios, achei que era uma boa ideia.
Assumir derrota nem parece uma coisa do José Cid?
Assumo a derrota, mas reservo-me o direito ao sonho e à continuação da luta. Não tenho que parar.
Gravou também para este disco o tema ao vivo 'De ditadores está o Cemitério Cheio' que já disse que se tornou viral!
Inicialmente esse tema chamava-se 'De mentirosos está o cemitério cheio', mas como realmente estamos numa época conturbada, acho que ditadores cabia aqui melhor como forma de avisar as pessoas para o que está errado.
Temos mais ditadores do que aqueles que na realidade vemos?
Há alguns que gostariam de ser ditadores e que se servem da palavra democracia para tentarem alcançar os seus objetivos. Mas hoje há uma força muito importante em Portugal para os desmascarar, que é a imprensa.
Este é um disco de verdadeira cobertura nacional que fala de Lisboa, Porto, Madeira, Porto Covo... Sente que há um carinho do País inteiro pelo José Cid?
Eu acho que sim. Sinto isso nos concertos que faço de norte a sul com multidões que ao final de duas horas e meia ainda não arredaram pé. Às vezes até pedem mais. No dia seguinte, se tiver outro concerto marcado, volta a acontecer a mesma coisa.
E como é que se aguenta esse ritmo com a sua idade? Nunca se cansa?
Não, até porque nas vésperas dos concertos eu descanso bastante, faço a minha sesta e tenho uma vida muito saudável. E nas viagens para os concertos sou sempre eu que vou a conduzir. Só na volta é que venho a dormir. Tenho uma almofada grande no banco de trás à qual me agarro e venho sempre a dormitar.
Mas que vida saudável é essa que diz que faz?
É uma vida de descanso, com muitas horas de sono. E depois não fumo, não bebo e ando bastante a pé. Nem sequer ando na noite. Aliás, a noite nunca me disse nada, nem mesmo quando era mais novo.
Nunca foi um homem da noite?
Não. A noite para mim era para trabalhar, para fazer concertos.
Recupera também para este disco a canção 'O Dia em que o Rei Fez anos' dos Green Windows, de 1974. Ainda é uma canção atual?
É engraçado porque toda a gente conhece essa canção, mas poucos perceberam bem a sua intenção que era a mesma que o Tordo teve na 'Tourada': desmistificar o regime. 'O Dia em que o Rei fez Anos', foi cantada no Festival da Canção um mês antes do 25 de Abril. É a história do povo que evita a estrada real e que vai por veredas e caminhos até à cidade para pedir ao ditador para descer porque o quer conhecer. Acabaram a levá-lo já morto no caixão para o enterro. E eu era o trovador que assistia a essa história toda.
Era muito difícil fazer música antes do 25 de Abril?
O antigo regime sugeria-nos metáforas. Nós, poetas e autores de canções, tínhamos que fazer muitas metáforas. 'O Dia em Que o Rei Faz Anos', o 'Cavalo à Solta' ou a 'Tourada' do Fernando Tordo e do Ary dos Santos foram apenas algumas delas, mas também tenho que dizer que a censura era pouco inteligente. Bastava termos escrito em inglês, por exemplo, que eles já deixavam passar tudo.
Mas o Cid chegou a ter canções censuradas!
Sim, como às vezes eu era um pouco mais direto tive algumas canções censuradas, mas nunca estive preso. O Salazar prendia preferencialmente as pessoas que estavam inscritas no Partido Comunista, o que não era o meu caso.
Mas o José Cid sempre foi um anti-poder. Isso sempre foi visível!
Confesso que eu sempre gostei de anarquizar as coisas. A minha mulher a Gabriela Carrascalão diz que eu tive muita sorte por ter nascido em Portugal. Se tivesse nascido em Espanha teria sido fuzilado numa praça de touros. O Franco era muito mais sanguinário do que o Salazar. Não esqueçamos que chegou a fazer um pacto com a Alemanha nazi.
O José Cid anda seguramente há uns quinze anos a dizer que vai fazer o seu último disco, mas na verdade isso nunca vai acontecer, pois não?
Tem toda a razão (risos). Quando acabei o 'Vozes do Além', pensei mesmo que esse fosse um disco conclusivo para a minha carreira, só que depois começaram a aparecer-me músicas daqui e dali, parcerias e originais e eu acabei por fazer mais este.
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