Em 2024, Lisboa vai ter mais dinheiro para a Cultura. O orçamento municipal prevê um reforço de 13% nesta área, que se irá repetir em alguns marcos importantes para a cidade
19 de dezembro de 2023 às 09:03No próximo ano, a capital vai ter pontos altos na área da Cultura como a abertura do MUDE – Museu do Design e da Moda, do Pavilhão Azul, para a coleção Julião Sarmento, do Teatro Variedades, de mais três espaços do programa Um Teatro em Cada Bairro, a intervenção no Espaço Atlântida, as obras da Biblioteca António Lobo Antunes, em Benfica, e o regresso da gestão do cineteatro Capitólio à Câmara Municipal de Lisboa. Reflexos de uma dotação orçamental para a cultura superior em 13% para 2024.
“Já no ano de 2023 tínhamos aumentado a verba, é um sinal claro de apoio à atividade cultural na cidade de Lisboa”, afrmou Diogo Moura, vereador da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa. “É o caminho que estamos a fazer. A cultura está no centro da ação e acaba por se cruzar com todas as áreas da autarquia.”
Este cruzamento é essencial numa cidade aberta e cada vez mais multicultural. “É necessário unir a tradição de uma cidade secular, que é o nosso ADN e identidade, com o futuro”, referiu Diogo Moura, assegurando que tal se reflete numa programação diversa, que vai ao encontro dos vários públicos da cidade, e num plano de atribuição de apoios aplicado às várias manifestações artísticas. O “apoio eclético” ao tecido cultural da cidade é essencial para a multiplicidade, sem o qual “não poderia haver tantos artistas e agentes a operar na cidade de Lisboa”, concluiu o vereador da Cultura.
Falta tempo, dinheiro e energia para a cultura
Os lisboetas realizam em média 6,3 visitas culturais por ano. O cinema, a música não erudita, os museus e o teatro são os principais focos de interesse, de acordo com estudo “O Consumo Artístico e Cultural na Cidade de Lisboa”, promovido pelo Centro Cultural de Belém, que teve como objetivo medir o pulso aos hábitos culturais do público de Lisboa e ajudar a definir medidas necessárias para trazer mais pessoas para a cultura.
“Do lado dos impedimentos está a falta de tempo, de disponibilidade financeira – o valor dos bilhetes é um tema –, mas há um terceiro muito interessante, que é a falta de energia”, afirma Madalena Reis, administradora do CCB. “Muitas vezes, no final do dia, as pessoas querem ir para casa fazer scroll down no telemóvel.” Do lado das motivações, o estudo destaca dois fatores: a socialização e a busca de conhecimento ou enriquecimento pessoal.
Assim, é importante que os espaços culturais desenvolvam o lado do conhecimento e a ligação entre a cultura e o lazer. A administradora do CCB dá o exemplo do ciclo Química a 2 – Casais da História, promovido pelo Luís Osório, que convida pessoas de várias áreas para falar sobre casais que marcaram a sua época. “Tivemos o Paulo Portas a falar sobre o Diego Riviera e a Frida Kahlo ou o professor Laborinho Lúcio a falar sobre a Yoko Ono e o John Lennon. São o tipo de conferências que têm a casa cheia, porque são personalidades fortes, convidados inesperados e as pessoas sentem que têm algo para aprender.” Mas é também cada vez mais importante unir a cultura ao lazer através de espaços de convívio e encontro. “O CCB é muito grande, por isso abrimos mais espaços de restauração e de ponto de encontro”, conclui a responsável.
Do café ao palco
Miguel Loureiro, que desde junho é o diretor artístico do Teatro municipal São Luiz, adiantou que os seus objetivos para o Teatro São Luiz passam por albergar muitas expressões artísticas, como o teatro, a dança, a música, o pensamento, o debate e a literatura. É ir bem para lá do palco. “Hoje em dia, um teatro é um centro de cruzamentos, desconfio sempre quando me dizem ‘isto não é a função de um teatro’”.
Na sua visão, o Teatro São Luiz é “um equipamento holístico”, que tanto pode acolher criadores conceituados como talentos emergentes, que estão a dar os primeiros passos, mas “também pode ser um salão de festas, de aulas, de lazer, um sítio de encontros”, prosseguiu. “As práticas que, à partida, parecem periféricas, como os encontros, os intervalos, o café no meio dos espetáculos, não mandar as pessoas sair no final, conferem um sentido de glamour, que não deve ser considerado um dado adquirido e anacrónico”.
A este propósito, Madalena Reis acrescentou que “muitas vezes pensamos a cultura como o lado mais erudito e o lazer, como se fosse de segunda categoria”. Porém, as casas de cultura devem trabalhar para prover ambos. “Se não conseguirmos fazer esse trabalho de proximidade nunca estaremos a criar públicos.
Idealmente devem ser pensados em conjunto, para que haja uma constância nas visitas aos museus e nas idas aos teatros.”
FUTURO As políticas públicas e as iniciativas privadas contribuem para a projeção internacional da cidade. Mas será que a capital de Portugal já é uma referência cultural na Europa?
Miguel Loureiro e Diogo Moura falaram da Lisboa internacional
"Sentimos que há uma população estrangeira residente em Portugal com hábitos culturais e com alguma expectativa em relação à programação. Esta diversidade que as comunidades estrangeiras trazem têm um papel relevante”, referiu Madalena Reis. Neste momento, a administradora do CCB acredita que Lisboa consegue inscrever-se nos circuitos internacionais, seja pela via das companhias internacionais que se apresentam em Lisboa ou pela capacidade de a programação nacional poder circular internacionalmente. “Ambicionamos mais, mas continuamos em curva ascendente”, concluiu
Já Miguel Loureiro recordou alguns marcos que contribuíram para a ascensão de Lisboa como referência cultural, tal como a iniciativa Lisboa Capital Europeia da Cultura 94, a Expo 98 ou a democratização dos bilhetes de avião, “que permitiu aos criadores terem mais contacto com o que é produzido em termos de cultura no resto da Europa”.
Atualmente, o diretor artístico do Teatro São Luiz assume que não pensa em Lisboa como “uma realidade endémica, mas sim como parte da Europa e do mundo”.
Diogo Moura reconhece que a comunidade estrangeira que tem vindo a habitar em Lisboa apresenta desafios no que diz respeito à preparação da programação. “Esse crescimento vê-se nos festivais de cinema, que têm cada vez mais procura”. No que diz respeito ao intercâmbio cultural, o vereador sublinha que em 2024, Lisboa é a cidade convidada da Feira Internacional do Livro de Buenos Aires, que permitirá levar escritores e autores portugueses à capital da Argentina.
Por outro lado, existem cada vez mais artistas internacionais que expõem em Lisboa . “O escultor Tony Cragg veio expor no Museu de Arte Contemporânea, no Chiado, e cedeu quatro peças para ficarem expostas no centro histórico até ao final de janeiro”, explicou o vereador. “Este trabalho de internacionalização tem sido feito nos dois sentidos. Embora os recursos sejam limitados, é uma matéria que é possível fazer com parcerias e que põe Lisboa no panorama internacional.”
Preços distintos para portugueses e estrangeiros?
O preço dos bilhetes é frequentemente apontado como um dos maiores desafios à democratização da cultura em Lisboa. “A gratuitidade não resolve todos os problemas, mas é uma porta de entrada”, garantiu Madalena Reis. O CCB conta com o apoio anual do Ministério da Cultura e da Câmara, por isso tem bilhetes com preços mais acessíveis.
Existe, ainda, uma política de descontos que dá resposta a pessoas com necessidades especiais ou que estejam em momentos de fragilidade, como o desemprego. “É importante que encontrem respostas e que isso não seja impedimento para irem ao CCB.”
No entanto, a administradora do CCB defende a distinção dos preços dos bilhetes para o público nacional e o estrangeiro. “Mais de 60% do público do Museu de Arte Contemporânea, do CCB, são estrangeiros, que achavam ridículo pagar 5 euros e nem valorizavam a visita. Portanto, agora há uma diferenciação: o bilhete custa 10 euros para estrangeiros, mas para residentes em Portugal custa 5 euros. Nestas subtilezas reside uma parte substancial da resposta a este problema.”
• “Bravo 2023!”, do Teatro Praga,
em cena no Teatro São Luiz de 13 a 22 de dezembro. “O Teatro Praga é um dos grupos mais importantes do teatro que aqui revisita o formato da revista. É um espetáculo cheio de movimentos e luz, protagonizado por Marina Mota e com música do Pedro Mafama”, sugere Miguel Loureiro.
• “Luzes da Cidade”, de Charlie Chaplin,
acompanhado de música ao vivo pela Orquestra da Escola de Música do Colégio Moderno. “É uma experiência maravilhosa para se ver em família”, sugere Madalena Reis. No dia 28 de dezembro, no Grande Auditório do CCB.
• “Cidade Nua – Poemas para uma cidade imaginária”,
com a Lisbon Poetry Orchestra. “É um espetáculo recheado de música e poesia, de entrada gratuita, no Cineteatro Capitólio”, sugere Diogo Moura.
• Belém Soundcheck,
de 21 a 24 março de 2024, “que devolve os festivais ao CCB passados 30 anos. É um festival de cruzamentos, com uma oferta muito diversificada, desde o Camané a Pati Smith ou a Kremata Baltica”, acrescenta Madalena Reis.
É preciso melhorar a acessibilidade a pessoas com mobilidade reduzida ou necessidades especiais aos equipamentos culturais. Também nesta área, existe uma preocupação crescente em muitos espaços da cidade de Lisboa, que vai muito para além da dificuldade em chegar à sala de teatro, música ou cinema.“O Teatro São Luiz foi pioneiro na introdução da língua gestual portuguesa e da audiodescrição”, sublinhou Miguel Loureiro. “Temos uma consciência muito aguda sobre estas questões, para que seja um teatro mais partilhado com todas as especificações de cada um”, prosseguiu, acrescentando que o próximo passo será a integração de bailarinos ou atores com diferenças.
“É um público que durante algum tempo foi deixado para trás e hoje existe uma atenção especial, e ainda bem, para dar resposta e criar hábitos culturais nestas pessoas. Todas as pessoas têm de sentir que são bem recebidas em todos os equipamentos”, acrescenta Madalena Reis. “Há também um lado de pedagogia, porque as pessoas que não têm necessidades especiais nem sempre têm essa noção e quando são confrontadas com um balcão rebaixado, uma explicação em braille, uma tradução para língua gestual, estamos a educar”, concluiu a responsável do CCB.