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No peito dos desamparados também batem corações

No centro de apoio social de São Bento da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a Festa de Natal reuniu homens e mulheres desamparados pela vida, como Filipe, de 60 anos, e Rui, de 56, que ali descobriram uma vocação a fazer e pintar bonecos de papel. O CASSB ajuda antigos sem abrigo na reinserção e cria uma dinâmica de atividades com eles.

22 de dezembro de 2022 às 11:56

O compositor brasileiro João Gilberto escreveu que “no peito dos desafinados também bate um coração”. Quem assistiu à festa de Natal no centro de apoio social de São Bento (CASSB), em Lisboa, no dia 14 de dezembro, viu como no peito dos desamparados também batem corações. Os 48 utentes da instituição que tiveram um percurso como sem abrigo, alguns deles alcoólicos ou toxicodependentes em recuperação, cantaram, dançaram e riram imbuídos do espírito da quadra.

Pela instituição já passaram antigos “engenheiros, médicos e outros profissionais qualificados” que foram empurrados para a situação de sem abrigo por causa de adições ou problemas de saúde mental, como conta Celeste Brissos, diretora da Unidade de Emergência da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), profissional com 39 anos ao serviço do SCML.

“Frequentam os vários ateliers com vista à aquisição de competências para a reintegração socioprofissional. São homens e mulheres entre os 35 e os 50 anos”.

O CASSB tem neste momento ativos dois ateliers, a cozinha e o artesanato - produção de bonecos em pasta de papel ou em madeira. “Há pessoas que só vêm aqui fazer as refeições, 25 utentes vêm só almoçar e jantar”, diz a diretora do espaço, Maria João Silva. São fornecidas, em média, 80 refeições diárias.

Como todos os centros de apoio social da Santa Casa, o de São Bento tem uma equipa multidisciplinar que integra técnicos de serviço social, psicólogos, terapeutas ocupacionais e monitores. Vai em breve integrar dois voluntários, um para acompanhar utentes na realização de diligências e outro para ações de sensibilização para os cuidados de imagem e higiene, adiantou Celeste Brissos.

Rui, 56 anos, procurou o apoio do CASSB depois da doença e de uma separação

Filipe, 60 anos, descobriu no CASSB o talento para fazer bonecos em pasta de papel

“Nunca na vida tinha feito bonecos”

Dois homens que passaram as portas da casa amarela na rua de São Bento há 11 anos e renasceram no processo foram Filipe, de 60 anos e Rui, de 56. Ambos beneficiam da bolsa social da Santa Casa no valor de 139 euros juntamente com um subsídio de alimentação. Mas o maior apoio foi a rede emocional que ali encontraram.

Filipe trabalhava numa empresa que fechou em 2011, o “ano da troika”, quando a missão conjunta do Fundo Monetário Internacional (FMI), Comissão Europeia e Banco Central Europeu veio a Portugal no âmbito do pedido de ajuda externa do país . Atirado para o desemprego e para um divórcio, teve o apoio social da Santa Casa e acabou por se encontrar através do trabalho com os terapeutas ocupacionais do CASSB. “Descobri-me a mim próprio aqui. Nunca na vida tinha feito bonecos”. Agora, até dá formação aos terapeutas ocupacionais de várias nacionalidades que passam pelo atelier em estágio.

Ao seu lado, Rui sorri com os olhos. “A melhor coisa que me aconteceu foi a terapeuta Sara pôr-me a pintar os bonecos, eu não gostava e afinal descobri este talento e ganhei mais calma e concentração”, conta, enquanto mostra a banca do artesanato na primeira fase: a feitura da pasta de papel. “Fazemos a pasta com folhas do Correio da Manhã e assim reciclamos o jornal”, diz, entre risos, mostrando os vários jornais CM que os cafés da zona cedem gratuitamente para os artesãos da casa amarela.

Entre varinas, dançarinas, anjos e o Zé Povinho, são muitos os bonecos multicoloridos que são a imagem do centro e viajam para todos os cantos do mundo nas malas dos turistas.

Rui, que trabalhou como segurança privada e na construção, recorreu ao apoio da Santa Casa e ao CASSB depois de ficar doente e da separação.

Na festa de Natal do CASSB os funcionários foram atores numa peça de teatro

O boneco Zé Povinho em cima dos jornais CM usados para fazer a pasta de papel

Centros da Santa Casa em Lisboa

A SCML tem o Centro Apoio Social Anjos (destina-se a pessoas em situação de sem abrigo e/ou com carência alimentar da cidade de Lisboa); o Centro Apoio Social São Bento , o Centro de Alojamento Temporário Mãe de Água – acolhe pessoas em situação de situação de sem abrigo e/ou emergência social com capacidade para acolhimento de 36 pessoas; o CATMA Extensão – Acolhe famílias monoparentais femininas em situação de emergência social de Lisboa com capacidade para acolhimento de 6 agregados; Casa Maria Lamas – acolhe mulheres isoladas ou com crianças vítimas de violência doméstica, com capacidade para 22 utentes. Casa de Transição – Acolhe ex-reclusos e jovens com percurso de institucionalização com capacidade para 14 pessoas do género masculino. UAPSA – Unidade de Atendimento à Pessoa em situação de sem abrigo – assegura diariamente o atendimento de triagem e acompanhamento a cerca de 300 pessoas.

"Faltam respostas de alojamento e de saúde mental"

Durante a pandemia aumentou o número de sem abrigo?

Sim, verificou-se um aumento da afluência destas pessoas ao atendimento de emergência da SCML, o que se deveu a múltiplos fatores, tais como, desemprego por causa do encerramento de grande fatia da atividade económica tendo sido atingidos mais fortemente alguns setores de atividade como a restauração e turismo que empregam uma grande parte dos utentes deste serviço; dificuldade no acesso a serviços públicos essenciais que dificultaram o acesso a prestações sociais; dificuldade no acesso a cuidados de saúde e ainda o encerramento de respostas sociais diurnas, tais como, ateliers ocupacionais, centros de convívio e centros de dia.

Lisboa é a cidade do país onde esta população mais se concentra?

Há um elevado número da população em situação de sem abrigo na cidade de Lisboa, sendo o concelho a nível nacional que apresenta maior expressividade desde fenómeno. No decorrer de 2021, a Unidade de Emergência da SCML realizou 13.590 atendimentos a 3259 utentes. Os dados oficiais de monitorização do fenómeno remontam a 31 de dezembro de 2021. Nesta data existiam 3328 sem abrigo na cidade de Lisboa. Destes, 307 estavam sem teto e os restantes 3021 sem casa. Sem teto são as que pernoitam na rua ou em espaço público e as pessoas sem casa são as que, não pernoitando na rua, se encontram alojadas em centros de alojamento temporário e/ou em quartos e partes de casa, na sua grande maioria com apoio económico da SCML para esta finalidade.

Há consultas de apoio psicológico ao dispor dos utentes dos centros?

Na sua grande maioria, os centros de apoio social da SCML possuem nas suas equipas, técnicos de Psicologia, existindo, para além deste apoio psicológico, uma consulta de psiquiatria que decorre duas vezes por semana no Centro de Apoio Social dos Anjos. De referir a existência do serviço da SCML w+ que assegura acompanhamento psicoterapêutico e as unidades de saúde da SCML, destacando-se a articulação com o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (CHPL).

O que falta para a Santa Casa poder reforçar o apoio social e de emergência como gostaria?

Assistimos atualmente na cidade de Lisboa a uma enorme escassez de respostas de alojamento que respondam às necessidades destas pessoas. Com a melhoria da situação epidemiológica é notória uma maior especulação imobiliária alavancada com o aumento do turismo que se traduz num significativo impacto no aumento do preço da habitação e na passagem de muitos quartos, nomeadamente em hostels, que alojavam este grupo populacional, para o setor do turismo. Esta nova realidade urbana agrava os processos de exclusão social dos mais vulneráveis. Face a esta realidade, a criação de respostas de alojamento específico seria uma enorme mais valia para a intervenção diária. Urge igualmente a criação de respostas no âmbito da saúde mental.

Maria João Silva, diretora do CASSB, e Celeste Brissos, diretora da Unidade de Emergência da Santa Casa

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