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O desenvolvimento do interior faz-se com organizações

A grande revolução do interior foi o crescimento de pessoas licenciadas, mas o seu grande problema é a falta de mão de obra, que tem sido compensada pela imigração.

03 de junho de 2025 às 15:49

“Uma região não se consegue desenvolver sem a existência de organizações. O que mantém as regiões vivas é a criação de emprego, permitindo que as pessoas se fixem, se desenvolvam e assegurem condições para as suas famílias. Esta questão das organizações é decisiva para o desenvolvimento”, afirmou Paulo Macedo, presidente-executivo da Caixa Geral de Depósitos, na abertura do Encontro Fora Caixa, subordinado ao tema “O Interior como motor de crescimento: Estratégias para Fixar Investimento e Talento”, realizado ontem no Auditório Municipal de Mirandela, e que contou com o CM como media partner. Salientou ser essencial uma estratégia, mas para isso “é preciso responder a questões de como se cria valor, quais são os principais obstáculos à captação de valor, e como os investimentos permitem criar valor”. Mas advertiu “uma estratégia é sempre a alocação do recurso, ou retiramos os recursos de um lado, ou pomos no outro, ou geramos e afetamos novos recursos”.

Paulo Macedo enfatizou haver uma aceleração da mudança sem paralelo e que se vê uma nova era de incerteza e que se vê nas decisões dos empresários. Os resultados das empresas em 2023 e 2024 foram positivos, variando como o setor e as empresas, mas hoje “temos muitas dúvidas sobre o futuro e se vai continuar assim”. Mais certas parecem as suas previsões das taxas de juro, cujas projeções de 30 de maio último apontam para um intervalo 2% a 1,75% no final deste ano, até estabilizarem à volta dos 2% em 2028.

“A inteligência artificial é estrutural, mas as capturas dos ganhos da inteligência artificial são bastante mais lentas do que vai ser a revolução em termos de inteligência artificial”, disse Paulo Macedo. Entende que a inteligência artificial não vai substituir de uma forma desmedida a força de trabalho, substitui alguns tipos de trabalho e cria outras necessidades laborais. Contudo, “quem dominar a ferramenta Inteligência Artificial tem uma vantagem relativamente aos que a não dominam”, concluiu.

Os licenciados e a imigração

“Hoje o interior já não é longe do litoral e deveremos vocacionar-nos para fazer o que sabemos fazer melhor do que os outros no litoral. Existem no interior pessoas com capacidades para fazer o seu trabalho e com valor acrescentado numa organização para que trabalho tenha fruto”, defende Nuno Afonso Moreira, CEO Grupo Dourogás e presidente do Conselho de Energia da CIP, e sublinha que, no interior, se criou o terceiro maior operador energético do país.

Mas a realidade predominante na região do Douro é a agricultura, os vinhos e o turismo, que têm um grande problema de recursos humanos, assinalou João Álvares Ribeiro, presidente da Quinta do Vallado. “Não é só um problema do Douro, mas do país que tem sido resolvido com recursos a imigrantes. Como se vai resolver, se se acabar com a imigração, é fundamental. Há muitas empresas em risco de não poderem trabalhar por não terem recursos humanos”, sublinhou João Álvares Ribeiro.

Este gestor conta que se recorre a trabalhadores imigrantes, à criação de melhores condições, como habitação e remunerações mais elevadas atrair pessoas para o interior. Mas defende outras soluções, como benefícios fiscais para as pessoas e para as empresas que decidam apostar no interior. Na sua opinião, há outras intervenções que se deveriam fazer, como a construção da barragem do Sabor, que foi suspensa devido às gravuras rupestres de Foz Côa, e que poderia gerar a criação de riqueza similar ao Alqueva.

“A dimensão média da propriedade é de menos de meio hectare, os locais nunca vão conseguir mudar isso. Há países onde isso foi feito com sucesso, como, por exemplo, a Suíça, portanto se não há uma intervenção central isso é dramático par qualquer projeto, para qualquer intenção de criação de riqueza na região”, disse João Álvares Ribeiro.

Nuno Afonso Moreira é também professor da UTAD, para cuja universidade fez um estudo em que se concluía que o interior norte de Portugal é como a Noruega no que se concerne à energia eléctrica renovável, mas num mix entre hídrica e eólica, e produzindo mais eletricidade do que a que consome. Salienta que o "futuro da região também está aos novos projetos solares na aqui na região”.

Mas, para Nuno Afonso Moreira, a grande revolução do interior foi a transformação no número de licenciados nos últimos 40 anos, “a capacidade que temos dos nossos filhos conseguirem trabalhar na região em atividades de valor acrescentado”. Referiu que a Dourogás desenvolveu a maior rede nacional de gás para camiões, abastecendo mais de mil camiões. “Temos os nossos postos nas grandes cidades, a maioria dos recursos humanos saem do interior porque o foco principal da nossa preocupação deve ser como mantemos os talentos no interior, adicionando valor e criando boas condições de vida”.

O início de uma nova era

Se Paulo Moita de Macedo acredita que a partir de janeiro de 2025 começou uma nova era no mundo, José Pimenta da Gama, managing partner para Iberia da Mckinsey, começou por referir que “muita coisa aconteceu em muito pouco tempo ao longo dos últimos anos, décadas aconteceram em semanas e quando nós olhamos para tudo o que aconteceu entre 2021 e 2025 desde a pandemia de Covid, a guerra na Europa, a crise energética, inflação elevada, parece que nunca tinha acontecido algo assim em tão pouco tempo”.

Mas a verdade é que nos últimos 80 anos houve três eras. A primeira foi o boom do pós-II guerra Mundial, entre 1946 e 1971, a Era de Crescimento, dominada pela engenharia, pelo crescimento dos Estados Unidos, explosão demográfica, do petróleo, foi uma era de crescimento e de mudança no mundo.

De 1971–1973, com a crise do petróleo que gerou um período de recessão e de grande inflação, veio a Era de Contenção, em que a Guerra Fria desceu de intensidade, a eletrónica predominou, surgiu o problema de fertilidade no mundo, em que a China começou a crescer como potência. Com a queda do muro de Berlim em 1989 abriu-se, segundo José Pimenta da Gama, a Era dos Mercados, deu-se a globalização, crescimento passou da eletrónica para a digitalização em escala, combustíveis fósseis e dinheiro em abundância. Entre 2023 e 2025, esta era acabou, diz a Mckinsey.

Para José Pimenta da Gama os sinais da nova era mostram um mundo multipolar, o mundo que era global vai passar a ser mais regional e uma ordem mundial que era equilibrada vai passar e já está mais extremada. “É um mundo onde a globalização pela primeira vez em 80 anos está em recuo. As exportações em percentagem do PIB caíram pela primeira vez (menos 0,98%), o número de restrições comerciais, passou de 500 para 3.000 nos últimos 10 anos e não colocámos os dados mais recentes dos Estados Unidos”, disse José Pimenta da Gama.

Acrescentou que nas plataformas tecnológicas o predomínio é da Inteligência Artificial, vai passar-se a tecnologias transversais e os Estados Unidos podem não liderar nos temas-chave. Além disso, ”já não são os países que vão definir como vão ser estas tecnologias adotadas, Por exemplo, as cinco maiores empresas dos Estados Unidos, a Microsoft, a Google, Meta, Amazon e a Apple investiram, em R&D, 400 biliões em 2024, é sete vezes aquilo que investiram há 10 anos, investem mais do que a maioria dos países, são estas empresas e não tanto os países que vão definir o que são os standards tecnológicos”.

Rui Martins, diretor de Estratégia da Caixa Gestão de Ativos, revelou na sua comunicação, “Tendências Económicas e de Mercados Financeiros”, que, não obstante a incerteza as empresas continuam bastante confiantes no desempenho da sua atividade, mas “olhando para incerteza sobre o contexto internacional tem-se traduzido, da parte dos analistas, por alguma revisão em baixo das expectativas”. As valorizações nos Estados Unidos ainda se mantêm relativamente elevadas, mas “existem geografias como a europeia onde as valorizações dos mercados e não estão relativamente exacerbadas”.

A finalizar a conferência, na conversa com o compositor musical, António Pinho Vargas, o escritor Gonçalo M. Tavares afirmou que “literariamente a palavra interior remete sempre a qualquer coisa absolutamente essencial, nunca para qualquer coisa afastada do essencial, portanto sempre que ouço a palavra interior ponho-me direito porque sinto ser qualquer coisa de importante”.

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