Veio ao mundo a bordo de um navio, mas dizia que não gostava de viajar.
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Era autodidata, dizia-se "um orelhudo" e recusava o estatuto de poeta. "Patriota, mas não nacionalista", como chegou a afirmar, escreveu e musicou como poucos a história de Portugal. Fausto Bordalo Dias, o músico discreto, não dava muitos concertos. Começou a compor aos 13 anos e quando gravou o primeiro disco só queria que o pai não descobrisse. Morreu ontem de madrugada, aos 75 anos, em sua casa, vítima de doença prolongada.Foi em Angola que Fausto formou a sua primeira banda, os Rebeldes. Aos 20 anos, já em Lisboa, concluiu a licenciatura em Ciências Políticas e Sociais, tendo aos 21 anos lançado o primeiro disco, ‘Fausto’. Com ele venceu o Prémio Revelação da Rádio Renascença. Ao longo da carreira, Fausto Bordalo Dias encontrou em nomes como Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire, José Mário Branco, Luís Cília ou Sérgio Godinho, os companheiros da sua viagem estética, artística e ideológica. O último álbum, ‘Em Busca das Montanhas Azuis’ (sobre a exploração de África), foi
Nascido a bordo do navio ‘Pátria’ numa viagem entre Portugal e Angola, a 26 de novembro de 1948 (acabaria registado em Vila Franca das Naves, Trancoso), Fausto montou uma carreira inspirada na música tradicional e com foco na identidade portuguesa. Ironicamente dizia que se tinha interessado pela literatura de viagens, precisamente por não gostar de viajar.
"Não me agrada o avião. Não tenho nenhum fascínio pela viagem. Prefiro ler o que os outros dizem e viajar por eles", confidenciou a Fátima Campos Ferreira, em 2021, numa entrevista. Com Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira e José Mário Branco, formou o núcleo duro dos grandes músicos de intervenção de resistência ao fascismo. Durante a guerra colonial foi refratário, ainda andou semiclandestino por Portugal durante dois anos, entre 1971 e 1972, e chegou a ser considerado desertor. Dizia que "o 25 de Abril desejou muito mais do que aquilo que deu". Criou um universo musical com um cunho muito próprio e personalizado. Cantou, por exemplo, sobre as viagens de Fernão Mendes Pinto, sobre a exploração de África pelos portugueses ou sobre o período após a Revolução. Escrevia sempre primeiro à mão, com uma superstição: "Caneta minha que assine cheques ou saiba fazer contas não escreve canções."
A música começou em Angola
Foi em Angola que Fausto formou a sua primeira banda, os Rebeldes. Aos 20 anos, já em Lisboa, concluiu a licenciatura em Ciências Políticas e Sociais, tendo aos 21 anos lançado o primeiro disco, ‘Fausto’. Com ele venceu o Prémio Revelação da Rádio Renascença. Ao longo da carreira, Fausto Bordalo Dias encontrou em nomes como Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire, José Mário Branco, Luís Cília ou Sérgio Godinho, os companheiros da sua viagem estética, artística e ideológica. O último álbum, ‘Em Busca das Montanhas Azuis’ (sobre a exploração de África), foi
"Um dos maiores nomes da música portuguesa"
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, lamentou a morte de Fausto e considerou que o seu legado musical se confunde com a própria história de Portugal. "Fausto pertencia a uma constelação de músicos que traduziu para as canções de intervenção o sentimento do povo português, e é por isso inevitável associar o nome de Fausto aos nomes maiores da música portuguesa, como José Afonso, José Mário Branco ou Sérgio Godinho", lê-se numa nota da presidência, onde o chefe de Estado envia "as mais sentidas e afetuosas condolências" aos familiares e amigos.
"Para combater tempos sombrios"
"Fiquemos com a música dele, portanto, com a intenção de lutar. Que serviram para combater tempos mais sombrios no passado e que continuem a servir para combater tempos mais sombrios que se avizinham", escreveu a família na página oficial de Fausto Bordalo Dias na rede social Facebook.
Voz do operário
A cerimónia fúnebre de Fausto Bordalo Dias decorre hoje, entre as 18h00 e as 23h00, na Voz do Operário, no Bairro da Graça, em Lisboa, revelou a família do músico português nas redes sociais. O funeral realiza-se amanhã e será reservado à família, não tendo sido adiantados mais pormenores.
Pilar del Río
"Fausto ouvia-se em casa de José Saramago em Lanzarote ou em Lisboa. ‘Por Este Rio Acima’ era uma forma de começar um dia de trabalho", disse Pilar.
Reações:
Luís Montenegro:
"A música de Fausto encantou-nos durante décadas. É com profundo pesar que recebo a notícia da sua morte, que não significa o seu desaparecimento."
José Jorge Letria:
"Tinha um enorme talento, que foi sublinhando, sobretudo, com a gravação do ‘Por este Rio Acima’, que é um disco notável, é um clássico da música portuguesa."
Sérgio Godinho:
"Criou um universo próprio, muito pessoal e muito personalizado. A gente consegue dizer aquela canção é do Fausto porque de facto ele tinha um carimbo."
Paulo Rangel:
"Triste, descubro que Fausto chegou hoje [ontem] às montanhas azuis. Trouxe à música popular a cor e o imaginário do universalismo português. Onde dantes havia terra e raízes, passou a haver mar, naus e asas. Até sempre."
Pedro Nuno Santos:
"Carismático, mas muito reservado. (...) Em ‘Por Este Rio Acima’ canta de forma absolutamente poética a epopeia marítima, os naufrágios e as desventuras portuguesas do tempo dos descobrimentos."
Fausto editou em 1982 aquele que é considerado um dos mais importantes discos da música nacional. ‘Por Este Rio Acima’ - o primeiro disco de uma trilogia que inclui ainda os álbuns ‘Crónicas da Terra Ardente’ (1994) e ‘Em Busca das Montanhas Azuis’ (2011) - era baseado no livro ‘Peregrinação’ de Fernão Mendes Pinto. Incluía canções como ‘Por Este Rio Acima’, ‘É o mar que nos chama’’, ‘O Barco vai de saída’ ou ‘A Guerra é Guerra’.
Tributo em Lisboa
Foi a 19 e 20 de novembro de 2022 que Fausto deu os últimos grandes concertos da carreira. Perante duas noites completamente esgotadas na Aula Magna, em Lisboa, o cantor celebrava os 40 anos sobre a edição do disco ‘Por Este Rio Acima’.
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