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CARLOS MANUEL: NO SPORTING SOFRIA PROVOCAÇÕES DIÁRIAS

Está sem trabalho e não sai muito de casa. Depois de ter visto o seu nome envolvido no processo da Casa Pia resolveu falar para desmentir categoricamente esse envolvimento, que, diz, vai provar em tribunal. Uma entrevista onde recorda também a sua atribulada passagem por Alvalade, onde sentiu o seu trabalho boicotado.

10 de janeiro de 2004 às 00:00

Correio da Manhã – Neste momento está parado. Qual pensa que vai ser o seu futuro profissional?

Carlos Manuel – Neste momento estou a pensar mais no estrangeiro. E devo dizer que desde que estou parado, tive já alguns convites, nomeadamente de clubes africanos. E até de alguns portugueses que não vou citar.

– Não terá ido cedo de mais para o Sporting?

– Hoje acho que sim. Fui treinador do Sporting com 39 anos. Hoje, com mais maturidade, penso que foi um erro. Mas na altura, e tendo em conta a conversa que tive com o então presidente, José Roquette, achei que não era. Foi-me proposto um projecto a médio prazo, com uma forte aposta na formação. Como objectivo imediato apenas me foi pedido a qualificação para a Taça UEFA, o que conseguimos. Verifiquei depois de sair que algumas ideias expressas no documento orientador que tinha deixado em Alvalade acabou por ser seguido pelo treinador que entrou [Josic].

– O que é que correu mal no Sporting?

– O plantel era composto por 32 jogadores , um número elevadíssimo – e isso gerou sérios problemas no grupo de trabalho. Ainda por cima, tudo aquilo que acontecia era imediatamente passado aos jornalistas.

– Admite hoje que havia jogadores que nunca o reconheceram como treinador?

– Alguns. Mas também tive jogadores que me apoiaram: o Simão, o Caneira, o Pataca, o Vidigal, o Tiago ou o Nélson.

– Mas veteranos como Oceano ou Pedro Barbosa nunca o aceitaram...

– Não vou citar nomes. Mas a verdade é que sofria provocações diárias. Tinha por exemplo um jogador que, por diversas vezes, fez questão de me dizer que só estava na disposição de treinar com o pé esquerdo. Evidentemente que tinha que comunicar o caso à SAD. Recebi como resposta que o melhor era tentar rentabilizar o jogador. Perante isto é evidente que o treinador fica fragilizado. Imagine o que é treinar o Sporting aos 39 anos e três meses depois de lá estar ter como único desejo sair?!

– Que jogador era esse?

– O Lang.

– Não teve o apoio dos dirigentes?

– Vou dar-lhe um exemplo: Eu pedi três jogadores – Alenitchev, Giovanella e Pauleta – e quando referi estes nomes a um dos administradores da SAD ele perguntou-me se o Pauleta era jogador para o Sporting! Limitei-me a responder que se ele achava o Pauleta impróprio para o Sporting eu aconselhava então a contratação do Raul. E ele ainda respondeu que para o Raul não havia dinheiro que cheguasse. Está a ver o nível de conhecimento, tanto mais que o Pauleta na altura podia ser contratado por um valor baixo.

– O administrador era o Paulo Abreu?

– Era. Devo dizer-lhe que sem incluir nisto a instituição que me merece todo o respeito, os seis meses que treinei o Sporting foram os seis meses mais terríveis de toda a minha vida profissional. Mas também tive momentos muito compensadores, nomeadamente quando treinei o Estoril, Salgueiros e Campomaiorense. Havia uma sintonia perfeita entre técnico, jogadores e dirigentes, o que nunca aconteceu no Sporting.

– Depois do Sporting, ficou mais difícil para si arranjar emprego?

– Ficou. Repare, eu cheguei ao topo e depois disso, realmente, as coisas ficaram mais difíceis.

– Acha que há ‘lobby’ no mercado de treinadores?

– Não vou tão longe. O País é pequeno e nós, treinadores, somos muitos. Mas também julgo que hoje em dia não há grandes diferenças entre os treinadores. Com a globalização, o acesso à informação democratizou-se.

– O facto de ser um treinador capaz de ir jantar com os jogadores sem marcar distâncias tem-no prejudicado?

– A liberdade que eu dou no trabalho paga-se em responsabilidade. Hoje, no FC Porto, ninguém criticará o Mourinho se ele for jantar com os seus atletas. E porquê? Porque ganha os jogos. As críticas a esse tipo de atitudes só surgem quando as coisas correm mal. Ser treinador é uma paixão que às vezes é difícil de entender tendo em conta a maneira como somos criticados pelo público.

– Porque razão acha que está, neste momento, sem trabalho?

– Provavelmente porque há mais treinadores por aí. Mas também me revolto quando ouço o presidente do Belenenses dizer que contratou um estrangeiro porque em Portugal não há treinadores capazes para o clube, exceptuando o Jaime Pacheco. Isso não é verdade e o tiro pode sair-lhe pela culatra.

– Diz-se que é muito amigo de Pinto da Costa...

– Sou amigo dele, de facto, e julgo que o sentimento é recíproco. Alias, quando ainda estava no Barreirense disse-me um dirigente que uma das primeiras pessoas a reparar em mim como jogador foi Pinto da Costa.

PORTUGAL TEM TREINADORES PARA LUGAR DE SCOLARI

– Foi um nome importante da Selecção Nacional. O que pensa do actual seleccionador?

– Acredito que vai fazer um bom trabalho. Acho que é muito competente. Mas também acho que Portugal tem treinadores capazes de ocuparem aquele lugar. O Mourinho e o Carlos Queiroz são dois deles.

– Que jogadores convocava para o Europeu?

– Não vou dizer nomes. Penso que o mais importante é sabermos todos que Portugal não tem a melhor selecção da Europa. Temos é que estar unidos e se isso acontecer poderemos fazer um bom trabalho.

– A inclusão de estrangeiros naturalizados incomoda-o?

– Não é a primeira vez. No meu tempo, o mesmo aconteceu com o jogador Celso, do FC Porto.

– Vítor Baía é seleccionável?

– Eu acredito que o Vítor Baía ainda vai ser convocado para o Europeu. Mas se o seleccionador decidir o contrário teremos que aceitar. Do meu ponto de vista, Baía tem valor para estar na selecção. Mas são os treinadores que estabelecem os critérios, pagando depois com responsabilidade essa autonomia.

– Não acha que ao deixar Baía de fora o seleccionador corre riscos maiores?

– Os mesmos que correu por não convocar Romário, por exemplo. Os critérios são dele, a responsabilidade é dele. É um homem corajoso.

– Era capaz de não convocar um grande jogador se suspeitasse que ele prejudicaria o ambiente de balneário?

– Era. O carácter dos jogadores é muito importante.

– Teria utilizado Figo no Mundial da Coreia tendo em conta a má forma do jogador naquela altura?

– Figo, só pelo nome, atemoriza o adversário. O problema desse Mundial terá sido falta de organização. Depois do Mundial de 86 procurou-se mais e melhor organização. Mas ainda não estamos no ponto certo.

– Quer comparar a sua geração com a de Figo e Rui Costa?

– Acho que a minha foi uma óptima geração. Mas as comparações são sempre perigosas e, muitas vezes, injustas. Basta dizer que os métodos do meu tempo não são tão eficazes como os que agora os treinadores utilizam. Por outro lado, o futebol não era o mesmo. Jogar no estrangeiro, como forma de aprendizagem, era muito mais difícil. Mas creio que estamos a falar de duas boas gerações.

Nome: Carlos Manuel Correia dos Santos

Naturalidade: Moita

Nacionalidade: Portuguesa

Data de Nascimento: 15 de Janeiro de 1958

Estado Civil: Casado

Clubes que representou como jogador: CUF; Barreirense; Benfica; Sion (Suíça); Sporting; Boavista e Estoril.

Clubes que representou como treinador: Estoril; Salgueiros; Sporting; Sp. Braga; Campomaiorense; Santa Clara.

PALMARÉS COMO JOGADOR:

Campeonatos nacionais: 80/81; 82/83; 83/84 e 86/87 (Benfica).

Taças de Portugal: 79/80; 80/81; 82/83; 84/85; 85/86 e 86/87 (Benfica) e 91/92 (Boavista).

Supertaça: 80/81 e 85/86, (Benfica).

Finalista da Taça UEFA em 82/83 pelo Benfica.

Internacionalizações A: 42 (18V; 6E; 18D).

Golos na Selecção A: Oito.

Melhor classificação num Europeu: 3.º (Euro’84)

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