Timidez não é doença, tudo depende dos pais
Os primeiros sinais surgem ainda no berço e, se não forem combatidos, podem dar origem a adolescentes com problemas de integração.
O jardim pode estar cheio de crianças irrequietas, as brincadeiras podem ser bastante apelativas, mas João – que podia chamar-se Paulo, Tiago, Pedro ou qualquer outro nome – esconde-se atrás das pernas do pai. Noutras situações, permanece agarrado à saia da mãe, incapaz de dar um passo em frente e desafiar a aventura. Dizem-lhe que é tímido e, quando está na escola junto dos colegas, sente-se inferior e desenquadrado.
Muitas crianças têm dificuldades acrescidas de se relacionar com os companheiros, esboçar um sorriso, levantar a voz para contar uma história em público ou dar uma corrida para pontapear a bola de futebol que avança na sua direcção. São tímidas desde tenra idade e, se não forem ajudadas a vencer os seus próprios receios, facilmente se transformam em adolescentes introvertidos ou adultos inadaptados, ansiosos e com fobia social. No limite, correm o risco de ficar quase totalmente isolados no dia-a-dia.
A família tem um papel decisivo para combater a timidez logo desde o berço, altura em que surgem os primeiros sinais do problema. Sem exageros. Porque pressionar em demasia também pode agudizar o problema.
“Desde muito cedo, perante certas situações, a criança pode retrair-se, chorar, esconder-se ou fugir. Faz parte de uma fase do seu desenvolvimento”, explica Fernando Santos, pedopsiquiatra do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil.
Durante anos a fio, os investigadores acreditaram que os meninos portadores de uma mutação num gene específico eram tendencialmente propensos à timidez, pelo que essa característica assumia uma dimensão genética, difícil de ultrapassar. Uma criança inibida era, invariavelmente, um adulto retraído, numa relação de causa-efeito incontrolável.
Hoje sabe-se que a barreira genética pode ser contornada com a ajuda dos pais e avós. Um estudo recente da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, traça uma relação fulcral entre o papel dos pais e o comportamento destas crianças. Para o bem e para o mal... De uma maneira ou de outra, a sua ajuda é determinante para contrariar a timidez.
“A forma como a criança é estimulada é muito importante nas manifestações que mais tarde venham a acontecer quando ela se começa a relacionar com os colegas, a falar com as pessoas ou a expor-se em público”, sublinha o pedopsiquiatra. Por isso, para Fernando Santos, “a atitude dos pais é muito importante”.
“Na medida do possível, devem estimular as actividades de grupo”, diz Fernando Santos. Até porque, mostram alguns estudos paralelos, as crianças matriculadas nas creches ainda nos primeiros meses de vida são as mais bem adaptados para vencer a timidez.
Outra das dicas lançadas pelo especialista passa por “deixar ser a criança a fazer as coisas em vez de alguém as fazer por ela”. Motivá-la a agir é, diz o pedopsiquiatra, uma forma de “estimular a sua autonomia”.
Mas o que fazer quando os filhos fazem birra e se recusam a ir passear ao parque infantil ou a participar na festa de aniversário de um colega de escola? A questão leva muitos pais ao desespero, mas há alguns truques que podem ajudá-los a vencer estes pequenos medos que ensombram os filhos.
“Dizer À criança que se vai divertir” é um dos primeiros passos. Fernando Santos destaca que “realçar os factores positivos é essencial”. E, se isso não for suficiente, há que saber dar a volta à questão. O pedopsiquiatra deixa o exemplo: “Se eu sei que a criança vai a uma festa e se sei que ela não se vai sentir à vontade, posso tentar saber quem são as crianças que vão estar presentes e tentar aproximá-la delas antes do dia, para que na data se sinta mais à vontade.”
Se nenhum esforço for feito pela família as consequências podem ser graves. Sobretudo durante a adolescência, o período mais sensível do desenvolvimento. “Quando as crianças não estão adaptadas e são confrontadas com situações para as quais não estão preparadas a tendência é evitar o contacto”, resume Fernando Santos.
“A criança refugia-se em casa e tem reacções negativas ao longo do seu crescimento, na ligação ao sexo oposto e na atitude perante a escola.” O caso pode ser de tal forma extremo que “começa a recusar-se a ir à escola, não por dificuldades de aprendizagem mas pelas situações que a confrontam e com as quais não sabe lidar”, acrescenta o pedopsiquiatra. Os efeitos revelam-se a longo prazo, uma vez que “os problemas tendem a desenvolver-se na idade adulta até à ansiedade e fobia social”, alerta Fernando Santos.
Cair no exagero de tentar salvar o filho à força também não é aconselhado, pois “agrava a timidez”. Além disso, torna-se importante “não realçar perante os outros que a criança é tímida, pois aí ela vai interiorizar a ideia e passar a agir como tal”. Na opinião de Fernando Santos, “os avós podem contribuir” para reduzir os efeitos, mas o papel principal “cabe aos pais”, que se devem regrar por “padrões de coerência”.
UM AUTISMO DE DIMENSÃO MENOR
Há pessoas que conseguimos definir assim que olhamos para o rosto delas. Há outras que só de as ouvirmos falar ficamos baralhados, criando muitas vezes pensamentos deformados. A timidez não é doença, mas há quem sofra de uma forma de autismo que tem linhas cruzadas com a timidez e as dificuldades de relacionamento. Dá-se pelo nome de Síndrome de Asperger. Entre outras características, podem referir-se problemas de comunicação e dificuldades no pensamento abstracto. As pessoas afectadas falam fluentemente, não têm dificuldades de aprendizagem e, na sua maioria, possuem um nível de inteligência acima da média. Acabam por ser definidas como estranhas, excêntricas, extravagantes e originais.
- 30 a 50 mil crianças sofrem da Síndrome de Asperger.
Os adolescentes são o grupo que mais sofre com a timidez.
- 5-HTT é o gene com mutação nas crianças mais tímidas. Mas a mutação pode ser contrariada no dia-a-dia.
- O 1.º ano de vida é essencial para começar a acompanhar os sinais dados pelo bebé para depois poder agir.
Se quer ajudar o seu filho, o melhor é fazê-lo com conta, peso e medida. Avançar passo a passo é fulcral para não colocar a criança em situações de desconforto.
A: LAÇOS DE AMIZADE
Os amigos são um importante laço para quebrar a falta de confiança da criança. Incentive-a a aproximar-se dos outros meninos do prédio, da rua ou do parque infantil que costumam frequentar. Mas sem cair em excessos, dando-lhe espaço e tempo para criar laços.
B: PERFEITO, MAS POUCO
O perfeccionismo é inimigo das boas relações. Ensine-o a livrar-se do seu peso. Afinal, o seu filho pode dar-se bem com os restantes colegas sem necessitar de ser o melhor da escola. Um sorriso e uma postura descontraída são um bom indicador para atrair os companheiros.
C: INSISTÊNCIA
Se a criança se recusa a ir a uma festa ou ao parque brincar com outros meninos, deve tentar quebrar a barreira sem nunca cair no erro de o levar à força. Deve dar-lhe sugestões ou acenar-lhes com nomes de amigos com os quais se sente à vontade. Forçá-lo é retrair ainda mais.
D: RÓTULOS À MARGEM
Rotular a criança fazendo-a sentir que, de facto, ela é tímida só a fará sentir ainda pior. A tendência é passar a achar que existe algo de errado com ela. Além de estar a remar no sentido contrário, acabará por fazer com os também os outros o tratem da forma como é rotulado.
A MÃE DAS VERGONHAS (Opinião da Jornalista Dulce Garcia)
5-HTT. É este o nome do gene que nos faz corar de vergonha ou tremer como varas verdes só de pensar em falar em público. O gene da timidez, pois claro. Está no meu, no vosso e no ADN de toda a gente, mas comporta-se de forma diferente consoante o invólucro que o protege.
Um estudo recente da Universidade of Maryland, nos Estados Unidos, admite que há uma personagem fundamental na variação desta particulazinha com nome de carro de corrida: a mãe. A pesquisa – que demorou cinco anos a ser concluída – revela que os filhos de mulheres mais solitárias tendem a revelar um carácter mais reservado, tal como as crianças com mães superprotectoras.
Já os miúdos que vão com poucos meses para o infantário e convivem regularmente com outras crianças e adultos parecem crescer mais confiantes.
Não é difícil acompanhar o raciocínio dos cientistas: a mãe é a primeira medida de todas as coisas. E a criança tende a imitá-la. Cabe a ela também controlar as mutações desse 5-HTT. Como? Motivando a criança a sair da casca. Não é obrigando, é motivando. A pior coisa que se pode fazer a um tímido é empurrá-lo para a boca do palco.
Há muito que os especialistas detectaram os vírus da timidez: falta de auto-estima, medo do desconhecido, pavor de desagradar aos outros. Mas na última década, sobretudo, a coisa deixou de ser uma fatalidade – os psicólogos começaram a apregoar que crianças tímidas não se transformam, necessariamente, em adultos introvertidos.
As boas notícias não se ficam por aqui. A psicóloga Ceres Araújo, da Universidade Católica de S. Paulo, garantiu à revista ‘Veja’ que a timidez em dose certa pode ser a receita para um futuro tranquilo. A docente explica que “na primeira metade da vida (até aos 30 anos) os extrovertidos até conseguem sair-se melhor”. Mas depois disso, os mais introvertidos marcam pontos. “Tendem a ser mais tranquilos e estáveis nos seus relacionamentos afectivos”.
Assim, sendo, as mães só têm de saber dosear. Parece fácil, não é?
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