TRADIÇÃO: A EMANCIPADA E A CASTA

Chegar ao casamento ‘intacta’ perdeu importância no Ocidente. Mas, em pleno século XXI, muitas sociedades mantêm-se ainda firmes no preceito da castidade.

21 de setembro de 2003 às 16:01
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Segundo os livros de etiqueta ou protocolo, se sonha com um casamento inesquecível, o melhor é começar a prepará-lo com um ano de antecedência. Escolher os convites, reservar o melhor local para o copo-d’água e provar o vestido de noiva (aquele com que sempre sonhou) são alguns dos rituais que não devem ser feitos à pressa, pois caso contrário corre o risco de ver a sua cerimónia estragada. Os concelhos dos especialistas são seguidos à risca pela maioria dos noivos portugueses – e os mais organizados até fazem uma lista exaustiva com tudo o que vão precisar até à véspera do dia ‘mágico’. Esta é a realidade das jovens raparigas criadas em sociedades democráticas, onde a tradição já não é o que era.

As que se preparam para casar em Marrocos, Turquia ou em alguns países do Oriente, não têm a vida tão facilitada (ver caixa). Além de se preocuparem com as questões do guarda-roupa ou com a lista de convidados, as noivas são obrigadas a apresentar um certificado de virgindade – uma prova fundamental para prosseguir com o casamento.

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Nos países onde a tradição islâmica é quem mais ordena, a palavra virgindade invade permanentemente a mente das raparigas, logo desde pequenas. Em pleno século XXI, manter relações sexuais pré-nupciais ainda é um caso de vida ou morte. Apesar de já terem acesso a filmes, livros, revistas femininas ou música que exaltam o dia-a-dia das mulheres ocidentais (livres e autónomas), a maioria das jovens árabes não se pode dar ao luxo de se revoltar contra as regras rígidas de uma sociedade pouco dada a ‘liberdades’. A virgindade continua a ser um assunto tabu, do qual pouco se fala – afinal, nem se põe em causa a pureza da mulher até ao dia do casamento.

MEDO DO VENTRE

Na Arábia Saudita, um dos países mais conservadores no que diz respeito aos direitos do sexo feminino, encontrar uma rapariga que não chega virgem ao casamento é extremamente raro, pois ela sabe que isso é um tema sagrado e que com a virgindade não se brinca – a pena para um pecado dessa dimensão é, automaticamente, a morte.

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Na verdade, há escassas possibilidades de tal acontecer visto que não existe intimidade alguma entre rapazes e raparigas (o máximo que pode suceder é uma troca de olhares furtivos). Nesses países, desde pequenas que as raparigas são educadas a terem ‘medo do ventre’, uma expressão escutada constantemente – e até mesmo subentendida nas canções de embalar que as mães cantam às filhas. “Tem cuidado contigo, protege mais as coxas que os olhos”, são alguns dos conselhos que as mulheres mais velhas transmitem às novas gerações. Perante este cenário, é natural que as jovens raparigas cresçam com tanto medo de cair ou magoarem-se e por conseguinte romperem o hímen e deixarem de ser consideradas virgens – que raramente participam em actividades físicas.

A REVOLUÇÃO DA PÍLULA

Ao longo dos séculos, o tema virgindade nas sociedades ocidentais sofreu uma autêntica reviravolta. É incalculável a contribuição do médico Gregory Pincus para a revolução sexual nos anos 70. Mais conhecido como o ‘pai da pílula’, os estudos que levaram Gregory a ‘descobrir’ a fórmula certa para o primeiro contraceptivo oral, acabariam por alterar a sexualidade feminina. A partir de 1968, já ninguém conseguia travar a revolução estudantil e o movimento de emancipação feminino. Para a nova geração, já não fazia sentido conservar a virgindade até ao altar. Graças à popularização da pílula e dos preservativos, foi crescendo o número de adolescentes que mantinham relações sexuais pré-nupciais. E pela primeira vez, sem remorsos ou medo de engravidar.

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Com o decréscimo da influência da Igreja ou a crescente independência económica dos jovens em relação aos pais, os costumes sexuais nunca mais foram os mesmos – vivia-se ainda na euforia do ‘make love, not war’.

Também a sociedade portuguesa, em meados da década de 70/80, não ficou indiferente a esta lufada de ar fresco e desistiu de defender os valores mais tradicionais, como a virgindade ou a abstinência— e foi à procura de novos modelos culturais, muitos deles baseados nas telenovelas brasileiras, cada vez mais populares.

O casamento cigano é uma das tradições mais importantes vividas dentro desta comunidade. Associado a uma festa longa e faustosa, o enlace neste povo é, antes de mais, uma tradição que respeita a rituais muito rígidos, nomeadamente a preservação da virgindade da mulher. Desde muito novas, as ciganas são prometidas aos respectivos noivos. Geralmente, a escolha do marido é feita em função dos seus laços familiares e das suas condições económicas, já que, mais do que um acto de amor, o casamento é a celebração de uma união entre famílias.

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Até ao dia da cerimónia matrimonial, os noivos não podem ter um contacto mais íntimo. Mesmo depois de consumado o casamento, durante três dias e três noites os noivos ficam separados, dedicando a sua atenção exclusivamente aos convidados. Só na terceira noite é que podem ficar a sós. A virgindade é de suma importância para este povo e, até aos dias de hoje, mantêm na sua tradição rituais que atestam a virgindade da noiva. Os métodos variam de acordo com o clã, mas as manchas de sangue no lençol deverão aparecer sempre. Se não for virgem, a noiva é devolvida aos pais, que têm a obrigação de pagar uma indemnização aos familiares do noivo. Se se provar a sua virgindade, do branco usado na igreja a cigana veste-se de vermelho, representando o fim da virgindade e o início das suas responsabilidades de mulher.

Até hà bem pouco tempo, na Turquia, as adolescentes eram obrigadas a submeter-se a um teste de virgindade. O medo de não passar no exame decisivo levava algumas jovens ao suicídio.

Na África do Sul, onde a sida é um problema social dramático, a nação Zulu passou a exigir um certificado de virgindade mensal, como forma de evitar o alastramento da epidemia. Na China, desde que foi introduzida a lei que limita o número de filhos, as mulheres estão também sujeitas a um exame médico para obter a aprovação do Estado para casar. Quem chumbar, ou seja, já não for virgem, sujeita-se a pagar elevadas multas. Em muitas sociedades tradicionais ainda é costume exibir o lençol nupcial manchado de sangue, como prova da virgindade da noiva. Quando a mulher não é virgem (ou a ruptura do hímen não provocou sangramento) a jovem é devolvida à família. Em Marrocos e na Argélia, a virgindade já não é uma exigência, contudo certos empregos administrativos exigem um certificado de virgindade para que a mulher se possa casar e até ter passaporte. No Líbano, as raparigas têm mais liberdade porque sempre tiveram forte instinto de sobrevivência. Antigamente chegavam a cortar a perna com uma lâmina para manchar os lençóis. Actualmente refazem o hímen, tal como em Marrocos.

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