Jennifer Teege soube ser a neta de Amon Göth aos 38 anos. E foi procurar segredos de família.
jennifer nazi
Foi em Israel que a alemã Jennifer Teege viu ‘A Lista de Schindler’ pela primeira vez e, após mais de 20 anos, lembra-se de achar o filme de Steven Spielberg comovente, apesar do final "a tender para o piroso, demasiado à Hollywood".
Daquilo que viu na televisão da residência de estudantes, em Telavive, não se esqueceu dos dilemas do industrial Oskar Schindler (Liam Neeson), que enriqueceu à custa dos judeus e depois gastou quase tudo em subornos para lhes assegurar a sobrevivência. E do comandante do campo de concentração de Plaszów, Amon Göth, interpretado por Ralph Fiennes, que abatia prisioneiros a tiro a partir da varanda de casa.
Só muito mais tarde, com 38 anos, é que Jennifer descobriu que Göth, um dos mais notórios criminosos de guerra nazis, responsável por mais de dez mil mortes e capaz de exclamar "heil Hitler" antes de ser enforcado, era o seu avô materno. Tudo graças a um livro de encadernação vermelha que encontrou na Biblioteca Central de Hamburgo, com o retrato de uma mulher de meia-idade na capa.
Reparou no olhar "pensativo, algo forçado, desprovido de alegria" e ainda mais no nome Monika Göth, que sabia ser o da mãe biológica que a deixou num orfanato. Assim arrancou o sinuoso trajecto que descreve no livro ‘Amon - O Meu Avô Podia ter-me Matado’, publicado pela Vogais em Portugal.
"Acredito que não foi por coincidência que fiz a descoberta", diz à Domingo a alemã de 47 anos, entrevistada no centro de Lisboa, onde já estivera, muitos anos antes, sem dar por grandes diferenças. Filha de pai nigeriano, e com tom de pele impuro aos olhos de um nazi, não é parecida com a esmagadora maioria daqueles que lidam com o fardo de descenderem de figuras do III Reich. Nada que torne esse fardo mais leve.
Avó de Plaszów"Penso que não devemos fugir da verdade e continuo muito feliz por ter descoberto aquele livro. Foi uma viagem muito longa e muito difícil, mas o resultado é positivo", resume Jennifer, convencida de que as depressões que enfrentou no passado têm a ver com a verdade que lhe foi negada durante tanto tempo. Entregue a uma família de acolhimento aos três anos, foi adotada por esse casal, já com dois filhos, quando tinha sete.
Os contactos com a mãe, que a visitava esporadicamente, foram desaparecendo e num canto recôndito da memória ficaram as boas recordações da avó materna, Ruth Irene. Justamente a bela ex-secretária de Schindler que se tornou a companheira de Göth e viveu maritalmente com ele perto do campo nazi de Plaszów, nos subúrbios da cidade polaca de Cracóvia.
Conciliar a imagem que guardou dessa avó - que no final da II Guerra Mundial estava grávida da filha que Göth não chegou a conhecer -, com o papel que Ruth Irene teve no Holocausto foi um desafio para Jennifer: "Do ponto de vista legal a minha avó não era culpada, pois não foi levada a tribunal. Mas isso mostra que não houve só perpetradores. Houve quem cometesse crimes e quem ficasse a assistir."
‘Protegida’ da verdade
No livro descreve a tentativa falhada de retomar uma relação de mãe e filha com Monika - que após o seu nascimento teve um primeiro casamento, marcado pela violência e do qual resultou outra filha, e entretanto voltou a casar -, bem como a ocasião em que esta lhe disse que crescer sem saber a história do avô materno foi uma forma de a proteger.
Esse é um argumento que Jennifer desvaloriza. "Deu-me para adoção por várias razões. Não estava junta com o meu pai biológico e na altura fez o que considerava ser melhor para mim. Simplesmente não era capaz de criar uma criança", diz, nada certa de que tenha beneficiado daquilo que no caso dos pais adotivos foi só desconhecimento dos antepassados da menina criada como filha. Mas admite que a ignorância lhe trouxe certos benefícios.
"Algumas coisas, como ir viver para Israel, não teriam sido possíveis. Não seria uma pessoa tão aberta e fácil se soubesse", refere quem demorou a contar a descoberta às amigas que fez nos anos em que viveu no país construído por sobreviventes de um regime de que o avô materno passou a ser um símbolo desde que ‘A Lista de Schindler’ chegou aos cinemas.
"Foi a primeira camada com que tive de lidar. Ele estava à superfície", diz acerca de Amon Göth, com quem há muito deixou de ter pesadelos. E não gosta de o reduzir a um mal em forma de gente. "Era um ser humano, que matou pessoas e foi responsável por isso", defende, admitindo o "conflito mais duradouro" com a avó, que defendeu até ao fim as qualidades do pai da sua única filha. Ruth Irene cometeu suicídio em 1983, após participar num documentário sobre Schindler, a quem descreveu como "bom nazi", categoria na qual também se incluía. Tal como Göth.
Quando se pergunta a Jennifer se conhece descendentes de criminosos de guerra, a resposta é cáustica: "Claro. Eu vivo na Alemanha." Mas não aqueles com apelidos infames. "Não temos propriamente grupos de auto-ajuda onde nos encontramos regularmente", comenta quem prefere contar a sua história a sobreviventes do Holocausto. "Penso que 95 por cento dos encontros foram muito calorosos, mas há alguns com quem é difícil falar. Não me pareço muito com Amon Göth devido à cor da pele, mas desperto memórias."
Essencial para ela é que os filhos saibam quem foi o bisavô. Crê que "ainda são demasiado novos" para lerem o seu livro, mas assim farão quando tiverem 16 ou 17 anos. "Ensinar o passado para aprender para o futuro é cada vez mais necessário", garante a alemã, preocupada com o número de votos nos populistas da Alternativa para a Alemanha.
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