Mais de duas centenas de operacionais estão na Roménia numa medida de emergência da NATO para defender as suas fronteiras.
Defesa do Flanco Leste: Militares portugueses na frente para dissuadir um ataque da Rússia
"Eu sou apontadora de metralhadora pesada. Sou a que tem a arma mais poderosa que está aqui! Tenho de manter a segurança dos meus homens. Quando eles desembarcam da viatura sou eu que monto a segurança mais afastada." A cabo Francisca Cunha manobra a Browning de 12,7 mm no topo das 18 toneladas da viatura blindada Pandur - onde além dela seguem mais 10 militares.
Está no 3º pelotão da companhia de Infantaria Mecanizada de rodas em missão da NATO na Roménia, às portas da guerra, na fronteira com a Ucrânia. A militar de 21 anos, no Exército desde os 18, não tem medo. Nem quer que em casa a família sinta receio. "Esta missão não é só para nós, também é para eles. O apoio é muito importante, tanto psicológica como fisicamente, porque conseguimos lidar melhor com as missões que nos estão atribuídas", explica à ‘Domingo’, no campo militar de Smardan. A apenas 30 quilómetros da Ucrânia, onde se acumulam dezenas de milhares de mortes desde a invasão pela Rússia a 24 de fevereiro, acompanhámos 1800 militares de nove países da NATO num dos maiores exercícios da Aliança desde o início da guerra – e seguramente o mais próximo da Ucrânia.
Entre eles está a companhia de 201 militares portugueses, 21 deles mulheres, comandados pelo major Jorge Louro. "A missão desta força é executar treino com forças internacionais e recolher ensinamentos da parte deles, e partilhar os nossos com eles. Haver troca de conhecimentos", afirma. A força vem maioritariamente do quartel de Viseu (a 3500 km de onde estão agora em missão) e o seu aprontamento foi em tempo-recorde de um mês – após a chamada da NATO na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia. "Estamos preparados e a missão será executada. O aprontamento ideal é para seis meses, mas identificámos as tarefas essenciais e reduziu-se para este mês. Não é o ideal, mas num mês garantiu-se a prontidão da força", afirma o major Jorge Louro.
As ‘informações’
O almirante António Silva Ribeiro, chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, que visitou a força portuguesa no decurso do megaexercício da NATO, acrescenta que a companhia foi complementada "com módulo de defesa antiaérea com mísseis Stinger, um módulo geográfico e meteorológico, outro de apoio e trouxe também uma capacidade que tem vindo a ser desenvolvida desde há três anos que são os módulos conjuntos de informações".
Como o nome indica, estes últimos são militares especializados em descobrir e recolher segredos, mas também impedir que o inimigo consiga saber os da força portuguesa. "Aquilo que se pretende é a função essencial das informações em teatro operacional: adivinhar os perigos e evitá-los. São os olhos avançados das nossas unidades operacionais e por isso estão equipados com um conjunto de sensores [como drones] que permitem ter uma visão do teatro de operações que aumenta a segurança operacional das nossas tropas e também habilitam a tomada de decisão de quem está a comandar."
A missão militar portuguesa na Roménia é realizada "no quadro daquilo que têm sido as decisões da NATO desde 2014 [invasão russa da Crimeia]". "A NATO tem reforçado a sua presença através de grupos de combate nos países que fazem fronteira com a Rússia e, na sequência dos eventos na Ucrânia, houve uma decisão de alargar esses grupos de combate para a República Checa, Hungria, Roménia e Bulgária. Nós tínhamos decidido empenhar a nossa força já na Roménia, no último trimestre deste ano, e face às circunstâncias e às decisões da NATO, o governo decidiu que anteciparia o empenhamento militar e é isso que leva a estarmos aqui a participar em exercícios e a mantermos uma presença que já está autorizada até ao fim do ano – no sentido de reforçar a postura dissuasora da NATO face aos problemas securitários na região", explica o almirante Silva Ribeiro.
Além da Roménia, Portugal tem atualmente militares projetados em missões da NATO na Lituânia (150 Fuzileiros) e a caminho do mar Báltico (uma fragata com uma tripulação de 177). Um avião P3 está no mar da Noruega num exercício de luta antissubmarino, com navios de vários países da Aliança. Mais de mil elementos das Forças Armadas continuam em Portugal com uma prontidão elevada caso a NATO os chame a proteger as fronteiras a leste.
Bifanas à moda do Porto
Tal como Francisca Cunha, para quem esta primeira missão no estrangeiro é "uma concretização pessoal e profissional", que mais tarde irá partilhar "com os filhos e netos", também o 1º sargento Fábio Cartaxo, do módulo de mísseis Stinger – portáteis e capazes de abater uma ameaça aérea a cinco quilómetros -, afirma que, apesar da guerra, "o ambiente é seguro e estável". "Temos de passar essa mensagem de tranquilidade à população e às nossas famílias. Não estão aqui connosco, mas são o nosso pilar", assegura. Na Roménia, foram "bem recebidos por toda a população e pelas forças armadas romenas, e temos conseguido fazer o nosso treino e melhorar a nossa proficiência". O cabo Micael Costa, do módulo de apoio, é um dos encarregados de manter o moral em alta. Como? Com churrascos e petiscos portugueses sempre que possível. "Ontem, por exemplo, foi bifanas à moda do Porto. Temos de nos apoiar mutuamente. Tem sido uma experiência incrível", descreve.
O capitão João Valente, comandante da companhia de manobra, conta que os romenos têm aplaudido o facto de a força portuguesa se ter deslocado da ponta continental europeia mais a oeste para a zona mais a Leste da NATO. "Sempre fomos conhecidos por percorrermos os quatro cantos do mundo, como se costuma dizer. Independentemente de qual seja o teatro de operações e aquelas que forem as nossas missões, nós estaremos sempre prontos e disponíveis para treinar em qualquer parte do mundo, haja necessidade ou vontade por parte das nossas chefias." O major Jorge Louro afirma que a existência de uma guerra no país vizinho "até pode estar nas nossas cabeças", mas reforça: "a nossa missão é simples: é treino e treinar é dissuasão e vigilância [para que a Rússia não tenha a ideia de atacar um país da NATO].
"Risco da profissão"
Em Targu Mures, uma das principais cidades da Transilvânia, região histórica da Roménia, estão outros 20 portugueses. São 19 elementos de Operações Especiais do Exército (‘Rangers’ de Lamego) e um da Marinha. As suas identidades não podem ser reveladas. São homens altamente treinados e qualificados e que a qualquer altura podem ser chamados às missões mais difíceis - "ação direta, reconhecimento especial e assistência militar, bem como proteção de altas entidades em zonas de conflito", explica o ‘Ranger’ mais graduado.
A ‘Domingo’ acompanhou treinos diários muito exigentes – cada movimento é repetido até a perfeição ser automática - junto com a unidade de operações especiais congénere romena. Com a guerra na Ucrânia ali ao lado, estão "naturalmente alerta". "No entanto, isso não nos paralisa. Vamos continuar a treinar, é essa a missão que nós temos, treino cruzado e exercícios. Naturalmente, estamos sempre cientes do risco que é a nossa profissão", afirma.
O almirante António Silva Ribeiro elogia estes operacionais - que estavam a preparar-se para a força-tarefa Takuba, no Mali, de combate ao terrorismo jihadista no Sahel, e acabaram na Roménia para dissuadir a Rússia e melhorar a interoperabilidade com os aliados. "Estas forças são aquelas que são empenhadas nas operações mais complexas. Apesar de serem poucos, têm grandes efeitos estratégicos contra alvos que se querem conter ou desarticular em situações de extrema dificuldade. Só de se saber que estão presentes, são elemento dissuasor. Estão dotados de equipamentos muito sofisticados que lhes permitem desempenhos diferenciadores no campo de batalha."
O comandante das operações especiais da Roménia afirma: "Partilhamos com os portugueses os valores da NATO. É-nos pedido para andar à frente de qualquer ameaça ou tática do inimigo, de forma a dar a melhor resposta quando solicitada. Ter aqui as operações especiais portuguesas é uma grande oportunidade para nós. Estou feliz, porque só conseguiremos ser acutilantes de treinarmos juntos."
"Com guerra na nossa fronteira, a ajuda portuguesa é relevante"
"Nunca pensámos que, no século XXI, íamos ter uma guerra junto à nossa fronteira. E uma guerra que se assemelha ao que aconteceu na II Guerra Mundial. Há consequências em todos os domínios. Diplomático, económico, uma crise humanitária. A população está preocupada e precisamos de lhes assegurar que não é um perigo expandir essa guerra ao território da NATO e que estamos prontos para fazer o nosso trabalho e dissuadir neste flanco", afirma à ‘Domingo’ o general Daniel Petrescu, principal chefe militar da Roménia. "Temos de estar preparados a longo prazo, porque na minha opinião este vai ser um conflito prolongado. Ninguém queria este conflito." "Com a guerra junto às nossas fronteiras, a participação portuguesa é relevante", afirma.
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