Investigadores portugueses estão a desenvolver tecnologia para ajudar os bombeiros.
Num cenário de desertificação e alterações climáticas, é mais do que certo que a ocorrência de grandes incêndios florestais, como os que aconteceram no passado fim de semana em Mação, Sertã e Vila de Rei, tende a aumentar. Mas a ciência e a tecnologia já estão também no terreno. A ‘Domingo’ foi às universidades portuguesas saber o que está a ser feito para ‘virar o jogo’ no combate aos incêndios florestais.
No Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial (ADAI), coordenado pelo professor Domingos Xavier Viegas em parceria com a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, surgiram recentemente três novos sistemas de proteção para pessoas e bens.
A investigação está centrada nas estruturas que as pessoas "usam ou de que dependem, como as viaturas e as casas, pois muitas vezes arriscam as suas vidas para as salvar", justifica o professor Xavier Viegas.
Por isso, do projeto de investigação, denominado ‘Fireprotect’, resultou uma cobertura e uma cerca amovível em material ignífugo para proteger a estrutura ou a periferia de uma casa ou construção e ainda um sistema fixo ou amovível com aspersão de água para proteção de casas, aldeamentos ou zonas industriais.
"Os materiais utilizados são diversos, consoante as aplicações, mas a sua escolha resultou de um conjunto muito vasto de ensaios no laboratório e no campo, para verificar as suas propriedades, nomeadamente o seu custo e durabilidade. Mas a inovação consiste sobretudo na utilização de sensores para detetar a presença ou aproximação do fogo e a possibilidade de comando remoto ou autónomo da atuação dos sistemas", explica Domingos Xavier Viegas.
A mesma equipa trabalha agora na construção de uma proteção para os sistemas de telecomunicações, pois está provado que uma das maiores dificuldades nos grandes incêndios é o contacto das forças de proteção com as populações mais isoladas, especialmente quando estas estruturas ardem.
"Projetámos já uma estrutura de proteção dos armários destas redes, mas estamos ainda em fase de teste laboratorial", anunciou o investigador, referindo que a principal motivação das equipas é "ajudar a salvar a vida das pessoas através de um melhor conhecimento da física do fogo".
Mas há mais. Da Universidade de Coimbra chega também um Sistema de Agulheta Portante, que utiliza drones para apoiar o combate aos incêndios, e o projeto ‘Firefront’ - desenvolvido em conjunto com uma equipa do Instituto Superior Técnico e outra da Academia da Força Aérea Portuguesa -, que pretende "implementar metodologias de captação, análise e transmissão de imagens da frente de chamas com recurso a meios aéreos tripulados ou de controlo remoto para a captação das imagens", segundo Xavier Viegas.
Alarme e combate
O sistema é constituído "por módulos sensoriais que são posicionados em lugares estratégicos da floresta, como por exemplo nos cumes das montanhas, lugares prementes aos incêndios ou de difícil acesso", explica. Por intermédio das placas de rede Wi-Fi, os módulos comunicam entre si e fazem os dados observados chegar a uma central de monitorização: "Cada módulo é formado por três tipos de sensores diferentes, como o sensor infravermelho, sensor de temperatura, que também verifica a humidade relativa do ar, e sensor de fumo, que também controla o vazamento de gás, ambos com o objetivo de monitorizar, detetar, prevenir e ajudar no combate aos incêndios florestais".
Mas o investigador quer mais. Procura agora integrar nestes módulos aspersores de canhão turbinado, de modo que o sistema possa também fazer intervenções de forma autónoma diante de uma situação de perigo de fogo, ou até mesmo extinguir incêndios por completo.
Lisboa a pensar na floresta
Um deles, desenvolvido em parceria com o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas é o ‘Fuelmon’, que visa a criação de faixas ou corredores com cerca de 125 metros de largura nas cumeadas das zonas mais críticas, que sirvam de barreira à progressão do fogo, mas também como local privilegiado e acessível para o combate.
"Já havia uma rede primária de faixas de contenção, mas com cerca de 10 mil quilómetros. Cruzando várias variáveis (a direção do vento, o tipo de vegetação, a proximidade de povoações e, sobretudo, recorrendo aos mapas anuais de área ardida que temos vindo a fazer desde 1975 ), conseguimos reduzi-la a um terço, reduzindo os custos para a tornar mais viável em termos de execução", explica Cardoso Pereira.
Um dos investigadores responsáveis é João Silva. Mas é um dos seus alunos, Ricardo Almeida, de 23 anos, juntamente com o engenheiro francês Yannick Le Page, de 38, que mostram no computador o resultado deste novo olhar sobre décadas de cartografia e que permitiu definir "o índice de prioridade integrada" que vai comandar a abertura, no terreno, da extensão desta rede de faixas que promete salvar vidas e árvores.
"A segunda fase é a monitorização desta rede via satélite, pois as faixas só são eficazes como contenção se estiverem limpas", concretiza João Silva.
Na mesma sala, a investigadora e co-coordenadora do departamento, Ana Sá, debruça-se sobre o Fire-ModSat. Este sistema baseia-se em observações de satélite para apoio à Proteção Civil, pois tanto permite observações em tempo real como simulacros de fogo. Para que os bombeiros saibam "prever de que forma e para onde o fogo poderá propagar-se, o que poderá ser essencial no momento de tomar decisões sobre evacuações, por exemplo", avisa Ana Sá.
Mas não é só. "Um outro estudo a decorrer no ISA, em parceria com a Direção Geral do Território,visa avaliar a vulnerabilidade das povoações aos grandes incêndios, prestando especial atenção às formas de interface urbano/rural, que são especialmente delicadas", explica, por seu turno, Cardoso Pereira. O estudo pretende que "não se repitam erros urbanísticos" nos planos de ordenamento do território e que se enfrente de caras o problema das zonas desertificadas.
Também no ISA se pensa agora na nova fase do ‘Projeto Álvares’, um ‘case-study’ feito com uma das freguesias do País mais vulneráveis ao fogo. O futuro, em Álvares, passa agora pela "implementação no terreno das medidas que foram apuradas para melhorar as formas de gestão do território florestal e torná-lo mais resiliente ao fogo", acrescenta José Cardoso Pereira.
O genoma da vegetação
Integrado no projeto europeu REINFFORCE (Rede Infraestrutura de Pesquisa para o Monitoramento e Adaptação de Florestas às Mudanças Climáticas), os resultados "não só poderão dar-nos a conhecer como é que estas espécies poderão sobreviver ou crescer face ao clima, como prever riscos e auxiliar na regeneração florestal pós-fogo", de forma a encontrar espécies melhor adaptadas aos cenários futuros.
"Caso se continue a utilizar o mesmo material para reflorestação, que poderá estar completamente desadequada no final do século, a floresta verá a sua capacidade de retirar carbono da atmosfera (a sua principal função ecológica) também diminuída, o que levará ao aumento da concentração de gases de efeito de estufa e do aquecimento global. O ecossistema entrará em feedback", avisa António Correia.
Visto que as previsões climáticas para as próximas décadas salientam aumentos nas temperaturas mínima e máxima, aumento dos períodos de seca, da sua frequência, intensidade e extensão, e aumento da frequência dos fenómenos extremos, "é preciso mudar a floresta e fazer uma correta gestão do espaço florestal", sublinha. Muitos destes projetos já estão, aliás, a passar da investigação à prática.
No terreno
Não foi suficiente, mas não deixou de ser uma grande ajuda. Poderia ter sido ainda pior sem ele", explica António Louro, coordenador da Proteção Civil de Mação e um dos mentores do novo sistema, que se encontra em funcionamento em todo o dispositivo de combate a incêndios do distrito de Santarém, com a colaboração das Comunidades Intermunicipais do Médio Tejo e da Lezíria, bem como do CDOS de Santarém.
À primeira vista o MacFire (nome inspirado no herói da série ‘MacGyver’) parece simplesmente uma carrinha cheia de computadores e ecrãs luminosos. Mas, na verdade é uma "ferramenta digital base para viabilizar o funcionamento correto da célula de planeamento das operações de combate. Disponibiliza em tempo real informação relevante para as operações de combate, utilizando as tecnologias de imagem digital, GPS para localização das viaturas, dados meteorológicos de estações fixas e informação colhida por satélite", explica António Louro.
Ou seja, "é uma espécie de mapa do incêndio, mostra onde estão as várias frentes e que perigosidade apresentam, quais as estradas cortadas, a localização das forças de combate terrestre e das máquinas de rasto, a extensão da área já atingida, a área onde estão a atuar os meios aéreos, onde se encontram estacionados os autotanques de abastecimento de água, para onde evolui, como está o vento, etc."
Quando sentiu necessidade desta ferramenta, António Louro foi ‘obrigado’ a desenvolvê-la, pois não existia no mercado nenhuma solução comercial disponível. Os sistemas foram adquiridos um a um e beneficiam dos softwares específicos mais recentes, como o Fire-ModSat que está a ser aperfeiçoado no ISA e cujo desenvolvimento tornará o MacFire mais eficaz.
Os grandes incêndios são ocorrências muito complexas e exigentes em termos de gestão de meios e recursos. "Assemelham-se a uma guerra", diz António Louro. "A pressão pública é no sentido de atacar o fogo sempre e em todo o lado, mas a verdade é que existem momentos em que o mais acertado é recuar, reagrupar e escolher um local mais favorável para, aí sim, atacar com todas as forças." E com todo o conhecimento possível. Para que em Mação e noutras localidades sistematicamente atingidas pela tragédia, os heróis, digitais ou de carne e osso, vençam no fim.
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