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A grande pista de dança do Porto

O Twins foi uma das mais emblemáticas casas noturnas de Portugal. Abriu em 1974 e fez a sua própria revolução

08 de fevereiro de 2014 às 10:25

Já lá vão 40 anos desde que a mais emblemática discoteca do Porto – o Twins – abriu pela primeira vez as portas e passou a "fazer da noite a melhor parte do dia" para uma certa elite jovem e cosmopolita a descobrir os prazeres da boémia num Portugal pós-revolucionário. Um tempo em que a noite e os seus ‘habitués’ eram diferentes e que, por isso, deixou saudades.

O social antigo já não é o de hoje, que se fabrica a cada temporada em programas de televisão. A pista de dança do Twins nos anos 70 e 80 é a prova dessa marca do tempo. Antes de 74, o Porto só tinha duas discotecas: a Dona Urraca, na Foz, e a Coutada (atual Batô), em Leça da Palmeira. Mas a época era de mudança. A Guerra Colonial "tinha chegado ao fim e cada vez mais as pessoas queriam frequentar discotecas", justifica o primeiro proprietário do Twins, José Luís Kendall, que abriu o espaço a 4 de janeiro de 1974, em parceria com o escultor portuense Rogério Azevedo.

As festas temáticas eram uma novidade em Portugal. A decoração obedecia aos moldes dos anos 70: sofás cor-de-rosa, paredes castanhas com detalhes de metal amarelo e vidros e espelhos fumados. Cabina de som com muita cor.

Os convivas apresentavam-se ao porteiro aprumados e confiantes, na esperança de conseguirem franquear as portas do paraíso e, à saída, deixavam uma nota de vinte escudos dobrada nas mãos do porteiro. "E quando havia festas de smoking era mesmo para ir de smoking ou então ficava-se à porta. Não havia desculpas. Ajudava não ir em grupos muito grandes, ou só masculinos. O ideal para passar na porta era serem um ou dois casais em que, de preferência, elas fossem umas brasas. Ser barrado à porta era uma tragédia! Era como pedir namoro a uma rapariga e ela não aceitar", conta Batata Cerqueira Gomes, empresário conhecido da Invicta que foi relações-públicas e também proprietário do Twins.

A CASA DAS BOAS FAMÍLIAS

O Twins era assim mesmo, elitista. Por ali passavam pais e filhos das famílias tradicionais da Invicta e da Foz, como Marques Pinto, Leitão, Jerwell, Canto Moniz, Cerqueira Gomes, Santos Silva, Espregueira, Guedes, Van Zeller ou Avides Moreira e muitas outras. Os pais tinham a garrafa de whisky guardada no bar, os filhos derrubavam protocolos nas pistas de dança.

Batata Cerqueira Gomes começou a frequentá-lo com apenas 16 anos. "Nessa altura, a pista já me estava no sangue. Com 18 anos já tinha direito a mesa com garrafa de whisky porque levava muita gente nova e gira da Foz, onde sempre vivi, e que era o que o Rogério Azevedo e o José Luís Kendall (proprietários de 1974 a 1986) queriam", recorda. Por isso, aos 20 anos (em 1982) foi convidado para RP e começou a organizar as festas temáticas mais originais e badaladas do Porto.

O Twins estava aberto na noite em que se deu o 25 de Abril. Havia alguma preocupação no ar. "Afinal, estavam lá os filhos das famílias tradicionais do Porto. Podia acontecer qualquer coisa… mas não foi nada que com um copo e uma conversa animada não fizessem esquecer", relembra Batata Cerqueira Gomes.

"Os políticos daquela época frequentavam assiduamente o Twins, o que permitia uma convivência saudável com eles. Também acontecia muito que os jornalistas depois de fecharem as redações, vinham relatar as últimas notícias e comerem o melhor prego em pão da cidade", recorda, por seu turno, José Luís Kendall.

Algum tempo depois, o contexto pós-revolucionário bate à porta do Twins. À boca pequena, tinha fama de ser a discoteca dos "fascistas". Contavam que escondia armas lá dentro. Um dia, elementos da Frente Eleitoral de Comunistas (FEC) mandaram toda a gente sair para revistarem o espaço. Acabaram por sentar-se à mesa a beber whisky e a comer pregos, reza a lenda. Outra noite ficou gravada na memória de Batata Cerqueira Gomes pelas piores razões: "Estava muita gente à porta, talvez pessoas mais ligadas ao gonçalvismo, não sei bem, que queriam entrar e não conseguiam. Mas também iam saindo pessoas da discoteca e nesse momento o Pôncio Monteiro levou um tiro. Foi complicado. Teve de ser logo operado e ficou sem um rim", conta o relações-públicas do Twins.

CHAMEM A POLÍCIA

Episódios engraçados não falham nas memórias da casa. "Um dia, roubámos o elétrico que estacionava à porta do Twins. Foi uma brincadeira inocente, claro. Mas como era hábito o elétrico fazer um compasso de espera antes de fazer a primeira viagem mesmo à porta do Twins, um dia pegámos nele e andámos para aí uns 500 metros. Claro que o condutor e o revisor não acharam muita graça… apanharam um valente susto. Mas perceberam que não foi por mal", confessa Cerqueira Gomes.

Já José Luís Kendall relembra uma rusga da polícia "em que

o DJ (Jorge Mesquita) muito oportunamente pôs a música dos Trabalhadores do Comércio ‘Chamem a Polícia’. Às 04h00 da manhã cumpria-se o ritual: tocava a música de fecho e todas as luzes abriam-se para que os clientes saíssem. Mas certa noite "um cliente mandou o DJ fechar as luzes e pôr a música de novo porque ainda eram 03h00, ou seja o DJ tinha-se esquecido da mudança da hora", garante o ex-proprietário.

O Twins tinha muitos e bons amigos. Rui Reininho, Rui Veloso, Herman José, José Cid, António Lobo Xavier, Pinto da Costa, Luís Figo, Chefe Hélio, Vítor Baía, Fátima Lopes ou até mesmo Eusébio. Este último pediu para conhecer Batata Cerqueira Gomes, pois tinha um pedido especial para lhe fazer: "Queria duas cassetes de música do Twins. Disse-me que adorava a música e acabei a noite com ele já era dia…"

A pista de dança tinha por estrelas dançarinos insuspeitáveis: "O Zé Carlos Henriques e o Jorge Trêpa tinham grandes dotes para a dança, assim como a Clarinha Jerwell e a Inês Marinho, entre muitos outros." Tudo gente que agora anda na casa dos sessenta anos.

Na entrada dos anos 80, o espaço revelou-se pequeno demais (a lotação rondava as 300 pessoas) e a solução para a ampliação passou pela compra da barbearia do lado. Depois das obras, o Twins foi inaugurado pela segunda vez com uma festa de arromba onde estiveram 1100 corpos dançantes. Só que os anos 80 ficaram também marcados pela subida das taxas de juro e aquilo que à partida parecia ter sido um bom investimento revelou algumas espinhas. Em 1985, José Luís Kendall e Rogério Azevedo venderam o Twins ao arquiteto Tomás Taveira e ao seu sócio José Manuel Simões. Cerqueira Gomes tem bem presentes as sucessivas fases de gestão: "Em 94 sou convidado para assumir a direção do Twins pois as coisas não andavam bem. Reabrimos com uma grande festa e mais de 500 pessoas à porta, sem conseguirem entrar. Quando me vim embora, o Twins passou por um momento menos bom: nasceu o Passerelle, para descontentamento dos vizinhos, que fizeram um abaixo-assinado e fecharam o negócio", conta.

Em 2001, o Twins renasceu e estava prestes a conhecer uma nova vida. "Em 2004 propõem-me a compra e eu não hesito e convido o meu melhor amigo Manuel Guedes, dono da Sogrape. Colocámos ao arquiteto Paulo Lobo um desafio arrojado: que rebentasse com o Twins para o fazer renascer, segundo as boas-línguas, como ‘o melhor de sempre’ e uma das melhores obras de Paulo Lobo", diz Cerqueira Gomes. O investimento foi de 800 mil euros, mas o sucesso foi de tal ordem que as propostas de compra de quotas tornaram-se irrecusáveis: "Fomos forçados a vender. Passados seis anos, senti que perdia o controlo do negócio e juntamente com o Manuel Guedes vendemos tudo, era melhor."

O Twins reabriu este mês com nova gerência e para outros boémios. Mas só noites como aquelas contam a história de uma geração. D

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