Cresceu em Lisboa, no seio de uma família pobre e conservadora. Depois da Revolução de Abril percebeu que podia ser tudo: até actor. Falou à Domingo do medo da rejeição, da adolescência, e das cartas que recebia do público feminino. O actor para quem o teatro é oxigénio está a filmar ‘Corrupção’, de João Botelho, onde faz o papel de um empresário poderoso.
- Alguma vez pensou como teria sido a sua vida se não tivesse sido actor?
- A partir do momento em que me tornei actor percebi que o ser actor, para mim, é mais uma maneira de viver do que trabalhar, que me permite ir mudando a minha perspectiva de mim próprio. Sou obrigado a descentrar-me, e isso é essencial para o tipo de personalidade que tenho.
- Precisa de ir mudando, é isso?
- Sim, sendo actor eu posso mudar sem defraudar as expectativas dos outros. E encontrar esta razão de viver aos 21 anos permitiu-me lidar com o que viria a seguir, que não foi nada fácil.
- Qual é a dificuldade de que fala na profissão de actor?
- É um actor manter-se. É aleatória a maneira como somos chamados: posso fazer muito bem um trabalho e não é por isso que me chamam a seguir. A outra questão é aprender a lidar com a rejeição. É ir a um casting e depois dizem: não. E enquanto uma pessoa noutra profissão quando não tem trabalho, nunca põe em causa a sua capacidade, um actor quando é rejeitado pergunta-se: ‘por que é que não gostam de mim?’
- O que faz nessas alturas?
- Fico magoado. Em 33 anos tive dois momentos sem trabalho, e numa dessas vezes passei por uma pequena depressão, durante três meses.
- Quando não tem emprego o que faz um actor?
- Desde muito cedo apercebi-me que como a minha família era pobre, em momento algum poderia pensar que estando desempregado alguém me iria ajudar. Ainda hoje tento diversificar as minhas propostas de trabalho: sou actor, autor, director. Tento antecipar-me.
- Sente-se querido no meio?
- Não sei responder. A única coisa que sei desde o primeiro dia, por intuição, é que a minha relação com o público é uma boa relação. E o público conta mais do que o meio e a crítica.
- Reage bem às críticas?
- Devem ser entendidas como sinais de aviso. O problema da crítica é a posteridade. Quando se faz hoje um trabalho sobre actores de há cem anos, faz-se a partir do que foi escrito sobre eles.
- O que acha que vão dizer de si daqui a cem anos?
- Não sei, e acho que nem me interessa. A minha vinda para a arte de representar foi e é tão maravilhosa, e deu um sentido tão grande à minha vida, que o que me preocupa é o público, só ele.
- Estreou em 1974. Antes faltava vontade ou liberdade?
- Antes vivia-se no País do medo. E para um jovem de uma família pobre, como eu, pensar que podia ser actor era uma espécie de utopia inatingível.
- Pouco antes de 1974 fez trabalhos como modelo. Foi a partir daí que se começou a desenhar a possibilidade?
- Com 19 anos. Não por razões artísticas, mas porque tinha que trabalhar. É verdade que o destino define-se muito cedo, e eu não me terei apercebido de que aqueles dois anos em que trabalhei como modelo me ajudaram muito posteriormente na carreira de actor.
- Mas foi então a Revolução que lhe abriu a porta?
- Sim, teve que haver uma revolução para me permitir alargar os horizontes e pensar que podia ser actor.
- Pensar ‘porque não eu?’...
- É mesmo isso. Ou seja: ‘vivemos num momento de liberdade em que tudo é possível, por isso a altura chegou!’
- Que memórias tem deste ‘Pides na Grelha?’
- [primeira peça] Fantásticas. Era uma crítica social, politicamente empenhada. Havia uma atitude de esquerda perante as actividades nacionais. A memória que tenho é de um empenho artístico, e do empenho político de luta por esses ideais.
- Ideais de esquerda que a sua família não teria...
- Sim, fui objectivamente contra os valores da minha família, que embora fosse pobre era conservadora, com valores de direita. Mas não me arrependo. Fiz aquilo que era suposto, e que qualquer jovem de 21 anos faria.
- Que tipo de adolescente foi?
- Não tive uma infância difícil mas também não foi fácil. Desde muito cedo tive de trabalhar, portanto a ideia despreocupada da vida que é própria da infância nunca tive. Desde pequeno que me apercebi que vivia num mar de problemas. Fui sempre atinado, muito previsível.
- Previsível até decidir ser actor...
- Sim, os meus pais não esperavam. Mas tirando isso fui sempre muito controlado, não era o tipo de miúdo que desse grandes preocupações. Sempre fui um velho. A ideia que tenho de mim desde que me lembro é que sempre fui muito adulto, desde os quatro anos.
- O que faziam os seus pais?
- A minha mãe era cozinheira numa escola e o meu pai era funcionário da Mocidade Portuguesa.
- Já disse que os seus pais eram conservadores. O facto de ter casado quatro vezes, como os afectou?
- Talvez um pouco menos do que seria de esperar. O facto de ser actor colocou-me aos olhos deles num patamar diferente. Nem sempre me desculparam, mas desde que me tornei actor a minha relação com eles melhorou.
- É considerado um dos galãs da televisão portuguesa. Como lida com isso?
- Sempre lidei com isso de um modo dual. Em Portugal durante muito tempo houve a tendência para associar os galãs à falta de capacidade. Cada vez que me falavam disso ficava incomodado, porque não queria ser reconhecido por essas características. Mas hoje já tenho idade suficiente para lidar bem com isso. E se aos 54 anos tenho esse tipo de apelo, sinto-me agradecido.
- As mulheres escreviam-lhe?
- (risos) Sim, recebia muitas cartas, centenas, principalmente quando fiz a novela ‘Origens’ em 1984-85. As cartas eram escritas por dois tipos de mulheres: ou adolescentes ou mulheres sozinhas já com uma certa idade. Era fácil de detectar. Qualquer mulher em idade sexual activa não escreve a um actor, não escreve a um símbolo.
- Sim, só escreviam as que ainda não tinham idade sexual, ou as que já não tinham. Eram sempre cartas interessantes, mas completamente impossíveis. Para as mais novas, eu era parecido com cantores da moda, e para as mais velhas era sempre parecido com o namorado que tinham tido há 30 anos.
- Respondeu a alguma?
- Não, nunca respondi.
- Participou na primeira telenovela portuguesa [Vila Faia]. O que mudou desde então na ficção portuguesa?
- A primeira e mais importante foi o tornar-se uma rotina, que é a base para tudo o resto. Agora há de facto uma produção nacional, em que temos os 3 canais a produzir ficção em português.
- Durante três anos dirigiu a NBP. Foi com espírito de missão?
- Sim. Durante esse tempo, a carreira de actor ficou de lado. Não me arrependo, aprendi muito. E sobretudo nunca deixei de fazer teatro. Dormia menos, mas tinha que fazer, era oxigénio. E a NBP acreditou que eu era capaz de renovar o que o Nicolau Breyner tinha iniciado.
- Hoje, a profissão passa só pela representação?
- Já não. Fui abrindo a caixa de Pandora; há coisas da profissão de que gosto muito, como dirigir actores e projectos. Gostei muito do projecto do Brasil...
- Mas trouxe críticas do Brasil...
- Critiquei a produção, mas o que eu aprendi não foi com a produção.
- O que trouxe de bom?
- O método de trabalho. Quando deixei a NBP, achava que com os orçamentos que tinha, não tinha mais ideias. Esta ida permitiu-me ver que é possível com outros métodos ter novas ideias.
- Agora é a vez do cinema...
- Olhe, é o destino. Durante muito tempo fiz pouco cinema e queixei-me disso. Não há fome que não dê em fartura. Agora participo no ‘Call Girl’, no ‘Corrupção’ do João Botelho, e um filme do Mário Barroso que é uma versão moderna do ‘Amor de Perdição’.
- O que faz no ‘Corrupção’?
- Sou um empresário muito poderoso. É uma personagem muito interessante.
- Fala muito do destino. Que papel tem ele para si?
- É uma espécie de letreiro por cima da auto-estrada a dizer: Sê humilde. Funciona como um aviso que me mantém na minha condição individual e não me deixa prejudicar os outros.
- Já há muito tempo que não apresenta programas...
- Vou começar a gravar um programa para a RTP, um projecto que me interessou. Os convidados vão contracenar com os actores, e eu vou dirigir os actores e apresentar o programa...
- Qual é o seu maior medo?
- Deixar de ter saúde. Enquanto houver saúde há possibilidade de representar, há papéis para todas as idades.
ACTOR NA GRANDE TELA
Virgílio Castelo participa nos filmes ‘Call Girl’, de António-Pedro Vasconcelos, ‘Corrupção’, de João Botelho, onde interpreta um empresário poderoso, e numa versão contemporânea do ‘Amor de Perdição’ levada à tela por Mário Barroso. O actor, que já se queixou de não ser convidado para fazer filmes, comenta agora: “Não há fome que não dê em fartura”.
Nome: Virgílio Manuel da Costa Castelo
Data e Local de Nascimento: 26 de Fevereiro de 1953
Estado Civil: Casado, pela 4.ª vez
Filhos: Duas filhas: Tâmara (do primeiro casamento) e Violeta, da actual relação com Maria Lucena
Formação: Escola Superior de Arte Dramática da Universidade de Estrasburgo, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian
No currículo contam-se peças de teatro musicado, teatro infantil, teatro de marionetas, comédias, tragédias e dramas. Tem também experiência como encenador. Na televisão participou em 9 séries, 7 telenovelas e 8 peças de teatro. Dirigiu actores em 3 telenovelas e 2 sitcoms, e foi actor em 20 filmes para cinema. Foi director-geral de 13 projectos (entre telenovelas e séries) e fez ainda dobragens.
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